O DIREITO À SAÚDE: RESPONSABILIDADE DE TODOS (UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIO)

05/09/2018 às 17:30
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No tocante à saúde pública é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios o que reforça o aspecto da responsabilidade solidária.

No Brasil a saúde constitui direito fundamental, de natureza social, consoante preceitua o art. 6º, caput, da Constituição da República (CF), e está associada fortemente ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares da República Federativa do Brasil.

O direito à vida está relacionado no Título II da Constituição, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, sendo o direito à saúde o mais expressivo componente de uma vida com dignidade. Sem saúde, ou pelo menos, sem a assistência à saúde, não se pode dizer que exista uma vida digna.

A pergunta que se deve fazer, neste contexto, é de quem é a responsabilidade por garantir o respeito à saúde do cidadão, haja vista a expressa previsão constitucional da garantia da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e à saúde.

A resposta encontra-se também expressa no texto constitucional. A responsabilidade é de todos os entes estatais, ou seja, da União, dos estados e também dos municípios. É o que diz o art. 196 da Constituição Federal quando atribui ao Estado (com “E” maiúsculo) o dever de assegurar o direito de todos à saúde.

Sabe-se que, em Direito, quando a responsabilidade é de todos, aquele que se sentir lesado por desrespeito a um direito seu (direito subjetivo), pode cobrar de um ou de todos os responsáveis ao mesmo tempo. É o que se chama de responsabilidade solidária. 

 

O direito subjetivo do cidadão à saúde implica na obrigação (dever) do Estado (União, estados, Distrito Federal e municípios) de fornecer-lhe todas as ações e serviços indispensáveis à concretização desse direito (prestação).

Mais que uma obrigação (que tem natureza contratual), o Estado tem o dever (que surge da lei) de prestar os serviços necessários à devida assistência à saúde do cidadão, de forma a preservar sua vida, com todos os requisitos indispensáveis a uma existência digna.

Não se trata de nenhum exagero retórico. É a simples aplicação das regras constitucionais, alinhadas ao que estabelece a Organização Mundial da Saúde (OMS), para quem a “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.

Cada um dos entes federativos, e todos eles ao mesmo tempo, têm o dever de fornecer não apenas medicamentos, mas também os tratamentos, exames, cirurgias e o que mais se fizer necessário à efetivação do direito fundamental à manutenção da saúde e preservação da vida. 

É o artigo 196 da Constituição da República que determina: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Se não bastasse a incumbência ao Estado (com “E” maiúsculo) no tocante à saúde pública, constante do art. 196 da Constituição, também seu artigo 23, inciso II, confere competência comum à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios para “cuidar da saúde e assistência pública”, o que reforça o aspecto da responsabilidade de cada um e de todos (responsabilidade solidária).

Estas previsões constitucionais dão ao cidadão a prerrogativa de procurar os serviços públicos de saúde, tanto na esfera administrativa quanto judicial, sendo legitimados para responder aos pedidos tanto um dos entes federados de forma isolada (União, ou o estado, ou o Distrito Federal, ou o município) ou dois deles ou todos juntos, se for o caso.

Desta forma, uma pessoa que precise de uma cirurgia ou uma prótese, por exemplo, pode ajuizar uma ação judicial contra o município, ou contra a União e o município, ou ainda, contra o estado etc, pois o dever é de todos, no aspecto da prestação de serviço de assistência à saúde de natureza pública, ainda que prestada em hospital particular, se este recebe verbas públicas do SUS – Sistema Único de Saúde.

A título ilustrativo da responsabilidade solidária de todos os entes federados, veja o que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 855.178/SE, que tratava do caso de uma gestante em trabalho de parto, que procurou um hospital particular, conveniando ao SUS para atendimento gratuito à população em geral (necessitados). A parte mais significativa da ementa é a seguinte:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente.

 

O caso real aconteceu num hospital particular que recebe verbas do SUS para que uma parte de seus serviços seja destinada gratuitamente às pessoas carentes. A gestante retratada no referido recurso extraordinário teve que esperar quatro horas para ser atendida e, ao ser finalmente encaminhada à sala de parto, a cesárea não pode ser feita por da ausência de médico especialista. Essa demora provocou a morte do feto. Foi ajuizada uma ação de indenização por danos morais contra a União, sob o argumento de que, apesar do hospital ser privado, o atendimento era realizado pelo SUS e a União, como gestora nacional do referido sistema, deveria ser responsabilizada pela má prestação dos serviços.

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O tratamento médico adequado aos necessitados está inserido no rol dos deveres do Estado nesta área de saúde, razão pela qual o polo passivo da ação (réus) pode ser composto por qualquer um dos entes estatais, isoladamente ou conjuntamente, conforme restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Como a descentralização constitui um dos princípios que regem o SUS, durante algum tempo houve polêmica acerca da possibilidade da União figurar como ré nesses tipos de processos judiciais, pois, argumentava-se que a obrigação de fornecer medicamentos, por exemplo, seria de incumbência exclusiva dos órgãos locais. A celeuma, porém, não mais subsiste, porque o Supremo Tribunal Federal reafirmou sua jurisprudência, agora em sede de repercussão geral, no recurso extraordinário n° 855.178, já transcrito.

 

Gisele Nascimento é advogada em Mato Grosso.

Sobre a autora
Gisele Nascimento

Advogada em Mato Grosso, Especialista em Direito Civil e Processo Civil, pela Cândido Mendes, pós-graduada em Direito do Consumidor, pela Verbo Jurídico e pós-graduanda em Direito Previdenciário, pela EBRADI e MBA Marketing Digital Para Negócios pela PUC.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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