A VIABILIDADE DA USUCAPIÃO NO DIREITO INTERNACIONAL

05/09/2018 às 22:07
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O trabalho aborda o instituto da usucapião no Direito Internacional, distinguindo-o da usucapião no Direito Interno mediante do estudo comparativo de ambos os institutos

INTRODUÇÃO

O direito Internacional entendido como o sistema de normas jurídicas que visa disciplinar e regulamentar a sociedade internacional tem como um de seus sujeitos, os Estados dotados de soberania. Exercendo-a em regra sobre o seu próprio território previamente delimitado. É o chamado domínio terrestre do Estado. Hodiernamente no  conceito de  território incluem-se três elementos: a superfície terrestre, o espaço aéreo e o subsolo. E em razão do caráter dinâmico do Direito Internacional, os modos de aquisição desse território (elemento indispensável para a caracterização do Estado) têm passado por uma metamorfose. Partindo dos modos mais remotos como a descoberta e ocupação efetiva chega-se aos modos mais modernos como a acessão, anexação e a usucapião. Sendo este último objeto de apreciação do presente trabalho. Considerando essas mudanças e os eventos que tem ocorrido no cenário internacional, bem como a divergência existente na doutrina a respeito da existência do instituto da usucapião  no âmbito internacional, o presente trabalho visa posicionar-se afirmativamente a tal questão mediante a análise do instituto nas duas perspectivas.

A USUCAPIÃO NO DIREITO INTERNO E NO DIREITO INTERNACIONAL

O sistema jurídico Brasileiro, fortemente influenciado pelo sistema romano-germânico (civil law ), consagrou a corrente doutrinária do positivismo legalista que enxerga o Direito pela lei sendo esta a sua fundamental fonte de manifestação. Neste sentido, do ponto de vista legal há essencialmente dois instrumentos normativos que tratam do instituto da usucapião : Um é a carta magna de 1988 ( art.183 para a usucapião especial como se verá abaixo ) e o outro é o Código Civil de 2002 ( arts. 1238 a 1244 para a usucapião dos bens imóveis, e arts 1260 a 1262 para a usucapião dos bens móveis). A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, em confronto com a prescrição extintiva, que é disciplinada nos arts. 205 e 206 do Código Civil. Conforme ensina Gonçalves ( 2017, p.273 ), em ambas, aparece o elemento tempo influindo na aquisição e na extinção de direitos.

Neste sentido, a usucapião é o modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei. É determinada por imperiosos motivos de utilidade pública. O fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número de pleitos, planta a paz e a tranquilidade na vida social. O Código Civil de 2002 emprega o vocábulo usucapião no gênero feminino, respeitando a sua origem, como ocorre no direito francês, espanhol, italiano e inglês.

Podem ser objeto de usucapião bens móveis e imóveis, mas a destes é, no entanto, bem mais frequente. O direito brasileiro distingue três espécies de usucapião de bens imóveis: a extraordinária, a ordinária e a especial ou constitucional, dividindo-se a última em rural (pro labore ) e urbana (pró-moradia ou pro misero e familiar). Há, ainda, uma modalidade especial, a usucapião indígena, estabelecida no Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/73

Na esfera internacional, por um lado, antigamente era comum que os Estados que faziam parte das potências navais adquirissem território por descoberta, seguida da ocupação efetiva ou presumida. A descoberta tinha por objeto a terra nullius (ou terra de ninguém) que não era necessariamente desabitada. Conforme ensina Mazzuoli ( 2015, p.545 ), um exemplo típico desse fenômeno foi a “descoberta” do Brasil pela frota portuguesa de Pedro Álvares Cabral na altura tendo a Europa entendido que aqui se tratava de terra nullius ( apesar de terem sido encontrados indígenas ). Embora não muito frequente como a descoberta seguida ocupação efetiva, era também modo de aquisição do território do Estado no passado, a terra abandonada por seu antigo dono ( terra derelicta ) que juridicamente equiparava-se a terra nullius. Segundo Rezek ( 2014, p. 201 ) foi precisamente isto que ocorreu com a ilha de Palmas, abandonada pela Espanha, bem como as Maldivas e as Carolinas, que foram ocupadas mais tarde respectivamente pelos países Baixos, pela Grã-Bretanha e pela Alemanha.

Por outro lado, os meios atualmente conhecidos de aquisição do domínio terrestre dos Estados são: a ocupação, a acessão, a cessão, a prescrição aquisitiva, a conquista e a anexação. Esses modos de aquisição do domínio terrestre compreendem neste sentido os domínios aquático e aéreos sendo estes, acessórios daqueles.

   A prescrição aquisitiva, conhecida no Direito interno geralmente com o nome de usucapião, pode ser concebida como uma das modalidades de aquisição do território decorrente do exercício pacífico, real e prolongado, da competência interna de um Estado sobre dado território. Sua validade é indiscutível no plano internacional, tendo já sido reconhecida pela jurisprudência internacional. Diferencia-se está usucapião da ocupação pelo fato de que naquela não se exige a chamada terra nullius (terra de ninguém ), bastando a permanência duradoura e efetiva, com animus domini, sobre dado território.

O tema da usucapião no Direito internacional é sem sombras de dúvidas, um dos mais polémicos e divergentes sendo fato que alguns autores não reconheçam a sua existência. Um deles é Clóvis Beviláqua, que citado por Valério Mazzuoli ( 2015, p.550) entende que

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A impossibilidade de existir usucapião  no Direito Internacional resulta do fato de ser ela a posse fundada em justo título que, recaindo sobre bem alheio, pelo decurso do tempo, se transforma de fato, que era em direito, porque a obscuridade em que a negligência do dono deixou o seu direito, permitiu que se formassem, enraizassem e desenvolvessem, na tranquilidade da boa-fé interesses que a lei a protege, tendo-os por mais valiosos do que os do proprietário negligente, concluindo então que na sociedade de Estados  não se encontram as condições que determinam a existência do instituto da usucapião. (Mazzuoli ( 2015, p.550)

Data vênia ao acima exposto, segundo Mazzuoli (2015, p. 551), é fato que a maioria da doutrina admite prescrição aquisitiva em direito das gentes, apesar de se concordar que esta não é exatamente a mesma conhecida na literatura civilística. Para a existência dessa modalidade de aquisição do território são elencados os seguintes requisitos: a posse do território deve ser pacífica e ininterrupta por parte da autoridade do Estado que antes os detinha, não podendo nesse sentido haver alguma turbação; a presença de duas soberanias que se disputam: a do Estado que exerce mansa e pacificamente a posse de determinado território, e a do que tem o título de domínio ( justus titulus ) em relação a essa porção de terra. Um protesto protesto deste último Estado já é suficiente para impedir que a posse seja pacífica e ininterrupta. Na sequência, deve haver um efetivo exercício de soberania sobre este território (animo domini )  pelos órgão do Estado  e não por particulares. Esta posse deverá ainda ser pública e notória por parte dos demais Estados integrantes da sociedade internacional. Pois sem este requisito não haverá meios de se alegar o consentimento tácito do soberano por meio da aquiescência ou aceitação. Neste sentido, não há no Direito Internacional um prazo prefixado para o exercício dos direitos soberanos em certo território, findo o qual a prescrição aquisitiva se consuma. Depende do caso concreto levado a um tribunal internacional. Contudo caminha-se no consenso para o fato de que este lapso temporal deve ser bem mais largo que aquele exigido pelo Direito Interno dos Estados.

Dentre os vários exemplos da ocorrência de usucapião no Direito Internacional temos os seguintes:

  • O caso dos Estados Unidos contra o México, em 1911 em relação ao território do Chamizal;
  • Da Inglaterra e Brasil, em 1904, a respeito do território do Pirata ( a chamada “ questão do pirata”).Surgindo o litígio no momento em que a Inglaterra pretendeu enviar, para a então Guiana Inglesa o explorador alemão Robert Schomburgk, para fins de exploração das riquezas animais e vegetais da região criando com o Brasil uma disputa de fronteira na faixa de terra leste de onde hoje é o atual Estado de Roraima.

CONCLUSÃO

A análise e apreciação da prescrição aquisitiva na esfera internacional está intimamente ligada ao da prescrição extintiva. O estudo dessas duas figuras é conjunto, visto que em diversas hipóteses a aquisição de território por um Estado significa perda de território para outro.

Os modos de aquisição do território do Estado sofreram profundas mudanças acompanhando a dinâmica da evolução da sociedade internacional e de suas novas exigências. Tendo por base as lições duramente aprendidas com a escravatura e as duas grandes guerras ( 1ª e 2º guerra mundial ), bem como o surgimento de certos sujeitos e atores internacionais ( a ONU por exemplo ), foi possível evoluir das chamadas modalidades  remotas de aquisição do território dos estados, para as modalidades modernas também chamadas de pacíficas das quais a usucapião é parte. Em que pese os argumentos em sentido contrário e as divergências na doutrina, a usucapião na esfera internacional é sim possível ( embora rara atualmente ) e por meio de uma da mais importantes fontes do Direito Internacional ( os tratados internacionais ) esse instituto tem se consolidado ainda mais.

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