FILHOS, ADOTADOS OU NÃO

06/09/2018 às 14:39
Leia nesta página:

Mesmo diante do teste de resistência da manifestação de vontade exigido no processo de adoção, existem candidatos que, já com a guarda deferida, desistem da adoção por motivações diversas, como se fosse possível desistir de um filho.

Por Luzanilba Moreira

Advogada chefe do escritório Habitare Consultoria e Assessoria Jurídica

Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro – Aposentada

Mestre em Direito pela UNESA

Adoção é gesto de amor, mas acima de tudo é ato de responsabilidade. A estatística comprova que há maior número de adotantes do que o de crianças a serem dadas em adoção, o que seria um contrassenso, diante do elevado quantitativo de menores em busca de família.

Existem pessoas que desejam adotar, mas que não se dispõem em cumprir o longo e exaustivo protocolo estabelecido para esse procedimento. Diante disso, com respostas oportunistas e sem qualquer reflexão, a sociedade culpa a morosidade do sistema pela demanda reprimida de menores em situação irregular.

Mas a verdade está em que boa parte das pessoas agem por compulsão. Querem adotar um a criança sem participar desse processo. Quem assim age terá, de fato, as exigências subjetivas indispensáveis para exercer a paternidade/maternidade? Se não possui tempo ou interesse em comparecer às sessões com assistentes sociais para as entrevistas necessárias, terá tempo para educar o filho? Ser pai/mãe exige dedicação, minimamente de tempo, implica no exercício de paciência e renuncia constante. Os interessados em adotar necessitam de ter a consciência de que nada sabem sobre o novo ser, único nas suas necessidades, diferente, como todo indivíduo deve ser.

Mesmo diante do teste de resistência da manifestação de vontade exigido no processo de adoção, existem candidatos que, já com a guarda deferida, em contato diário com a criança, desistem da adoção por motivações diversas, como se fosse possível desistir de um filho. Por mais absurda que a conduta possa parecer, esse fato ocorre com relativa frequência. Os tribunais estaduais têm farta jurisprudência a respeito do tema, inclusive com repercussão da matéria no STJ. De toda sorte, essa criança sofrerá muito, seja permanecendo na companhia do adotante que, no curso da adoção reconheceu sua inaptidão, seja por ser mais uma vez rejeitada e ter de retornar ao abrigo.

Embora a concessão da guarda ao adotante tenha caráter provisório, a mesma só será cassada no interesse do menor, jamais no do seu guardião e, se isso ocorrer, deverá haver sansão.  Nesse sentido, a “devolução” do menor ao abrigo há de ser repudiada, impondo ao desistente da ação a sua condenação em reparar material e psicologicamente os danos que sua conduta causou à criança.

A psicologia há muito reconhece que o feto, ainda que em vida intrauterina, percebe quando é rejeitado. Desde o começo da gestação, os sentimentos e os humores maternos o afetam, pois está exposto aos mesmos hormônios. Fetos rejeitados são candidatos sérios a distúrbios de comportamento.  Segundo estudos recentes, filhos indesejados pela mãe têm maior chance de nascer esquizofrênicos ou autistas. As duas doenças têm em comum o fato de se caracterizarem pela fuga do mundo real. São uma forma de se proteger da hostilidade dos outros.(in https://super.abril.com.br/ciencia/o-feto-aprende).

Essa criança, que foi rejeitada pela mãe desde a concepção, irá sofrer maus tratos por essa ou, tão logo nasça, será abandonada e, por fim abrigada. Diariamente conviverá com a sua realidade e a de seus pares até que, um dia, com sorte, irá para uma família substituta, na expectativa de ter um lar. O período de adaptação será difícil para as duas partes, mas espera-se que os adultos  tenham maturidade e compreendam que é impossível desistir de filho, seja esse biológico ou não.

 A sociedade aceita como corriqueiro a delegação da responsabilidade da criação para terceiros, sejam esses avós, babás ou educadores. No entanto, o que sempre argumento: por quê essa delegação de responsabilidade de cuidar não ocorre em relação aos cônjuges ou companheiros? Já imaginaram contratar alguém para cuidar do seu marido ou esposa? Para o exercício do papel de marido/esposa, sempre teremos tempo e disposição ....

Sobre a autora
Luzanilba Moreira

Advogada no Estado no Rio de Janeiro Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro – Aposentada Mestre em Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos