Taxa de boleto: ilegalidade que ainda persiste

14/09/2018 às 09:38
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Apesar de reconhecidamente ilegal, a taxa de boleto ainda é cobrada por alguns Municípios. O presente artigo faz um apanhado da jurisprudência sobre o tema e reitera o entendimento pacífico ainda vigente.

Apesar de se tratar de matéria bastante discutida pela jurisprudência pátria e que foi inclusive objeto de julgamento com repercussão geral (RE n. 789.218/MG), de relatoria do Min. Dias Toffoli, alguns municípios ainda insistem em cobrar a chamada “taxa de boleto” quando da emissão de carnês de recolhimento de tributos. Trata-se de conduta ilegal e que deve ser, de um lado, evitada pelos gestores públicos, e de outro, combatida pelos órgãos de controle.

A decisão citada anteriormente foi ementada nos seguintes termos:

TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. TAXA DE EXPEDIENTE. FATO GERADOR. EMISSÃO DE GUIA PARA PAGAMENTO DE TRIBUTO. AUSÊNCIA DOS CRITÉRIOS EXIGIDOS PELO ART. 145, II, CF/88. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A emissão de guia de recolhimento de tributos é de interesse exclusivo da Administração, sendo mero instrumento de arrecadação, não envolvendo a prestação de um serviço público ao contribuinte. 2. Possui repercussão geral a questão constitucional suscitada no apelo extremo. Ratifica-se, no caso, a jurisprudência da Corte consolidada no sentido de ser inconstitucional a instituição e a cobrança de taxas por emissão ou remessa de carnês/guias de recolhimento de tributos. Precedente do Plenário da Corte: Rp nº 903, Rel. Min. Thompson Flores, DJ de 28/6/74. 3. Recurso extraordinário do qual se conhece, mas ao qual, no mérito, se nega provimento.

Na mesma toada, é firme a jurisprudência do TJSC em reconhecer a inconstitucionalidade do estabelecimento de “preço público” ou de “taxa de expediente” quando da emissão e remessa de carnês para cobrança de tributos:

REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. T.E. -TAXA DE EXPEDIENTE. TRIBUTO QUE NÃO CORRESPONDE AO EXERCÍCIO DE PODER DE POLÍCIA OU À PRESTAÇÃO EFETIVA OU POTENCIAL DE SERVIÇO PÚBLICO ESPECÍFICO E DIVISÍVEL. INEXIGIBILIDADE. IPTU - IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO. LOTEAMENTO DOTADO DE CERTA INFRA-ESTRUTURA DE SERVIÇOS PÚBLICOS (ART. 32, § 1º DO CTN). FACTIBILIDADE DA COBRANÇA. COSIP - CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. EXAÇÃO MUNICIPAL AUTORIZADA PELO ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (EC N. 39/2002). INCIDÊNCIA SOBRE LOTES SERVIDOS POR ENERGIA ELÉTRICA. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA DESPROVIDA. I. A despesa referente à confecção de carnê para a cobrança de tributo é ínsita aos misteres habituais do órgão arrecadador, não possibilitando, por isso, sua cobrança em forma de taxa, até porque não representa contraprestação alguma a serviço público realizado pelo Município. II. Em se tratando de imóvel localizado na zona urbana do Município, dotado de alguns dos melhoramentos infra-estruturais ditados pelo § 1º do art. 32 do Código Tributário Nacional, mostra-se exigível a cobrança de IPTU. III. Emanando dos autos que há iluminação pública a beneficiar vários lotes da acionante, sobre estes desvela-se exigível a cobrança da COSIP (contribuição para custeio do serviço de iluminação pública), por força de vinculação obrigacional inserta no art. 149-A da Constituição da República (EC n. 39/2002). (TJSC, Reexame Necessário n. 2010.078719-6, de Laguna, rel. Des. João Henrique Blasi, Segunda Câmara de Direito Público, j. 22-05-2012).

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" - INOCORRÊNCIA - EXECUÇÃO AJUIZADA CONTRA ÓRGÃO DO ESTADO SEM PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA - CITAÇÃO DO ENTE LEGITIMADO - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - MERO EQUÍVOCO - NULIDADE DA CDA - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO FUNDAMENTO LEGAL DA EXAÇÃO - ILEGALIDADE - PREÇO PÚBLICO (TAXA DE EXPEDIENTE) - INEXIGIBILIDADE. Não há prejuízo se, por equívoco, houve a errônea designação do nome do demandado decorrente de mero equívoco. O que importa, na espécie, é que, com a citação, a relação processual se estabeleceu com a pessoa jurídica legitimada. É nula a certidão de dívida ativa que não indica o fundamento legal do tributo a que se refere. O preço público (taxa de expediente), destinado a cobrir as despesas de emissão e remessa de carnês para cobrança de tributos, deve ser suportado pelo órgão arrecadador, pois não representa qualquer serviço público prestado ou posto à disposição do contribuinte. (TJSC, Apelação Cível n. 2011.011065-9, de Rio do Sul, rel. Des. Jaime Ramos, Quarta Câmara de Direito Público, j. 20-10-2011).

As despesas com a confecção e a remessa do carnê para a cobrança de tributos é ônus que deve ser suportado pelo órgão arrecadador, e não repassado ao contribuinte sob o equivocado rótulo de "preço público" ou "taxa de expediente. (TJSC, AC n. 2010.036635-6, de Criciúma, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Terceira Câmara de Direito Público, j. 30-9-2010)

O Preço Público (Taxa de Expediente) afronta a norma tributária constitucional e infraconstitucional, porque se refere à emissão e à entrega anual do carnê de pagamento dos tributos municipais. Destarte, tem como fato gerador, na hipótese dos autos, a emissão das guias de recolhimento [...] (TJSC, AC n. 2010.01521-0, de Concórdia, Quarta Câmara de Direito Público, j. 11-10-2010)

A matéria não parece despertar controvérsias no âmbito dos Tribunais, nos quais prevalece o firme entendimento de que é indevida a cobrança de taxa de expediente, taxa de boleto, preço público ou qualquer outra tarifa referente à confecção e à emissão de carnês de tributos. Por se tratar de obrigação ínsita à Administração Pública, a atividade de cobrança de tributos deve ser suportada pelo próprio ente, não sendo possível a transferência dos custos financeiros relativos à expedição de boletos aos contribuintes.

A cobrança tarifa de emissão de boleto bancário no âmbito das instituições financeiras fiscalizadas pelo BACEN é igualmente vedada por expressa determinação da autarquia federal, verbis:

RESOLUÇÃO Nº 3.919/2010

Art. 1º A cobrança de remuneração pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, conceituada como tarifa para fins desta resolução, deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário.

[...]

§ 2º É vedada a realização de cobranças na forma de tarifas ou de ressarcimento de despesas:

I - em contas à ordem do Poder Judiciário e para a manutenção de depósitos em consignação de pagamento de que trata a Lei nº 8.951, de 13 de dezembro de 1994; e

II - do sacado, em decorrência da emissão de boletos ou faturas de cobrança, carnês e assemelhados.

Essa proibição é amplamente chancelada pela jurisprudência, que veda a cobrança da chamada “taxa de boleto”, conforme se depreende dos julgados abaixo:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AMICUS CURIAE. INGRESSO. DESCABIMENTO.

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO (TEB). REPASSE. SACADO. VEDAÇÃO. RESOLUÇÃO Nº 3.919/2010 DO CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. LIBERDADE DE CONTRATAR. LIMITES.

1. Segundo a jurisprudência desta Corte, a participação do amicus curiae é prevista no ordenamento jurídico no processo e no julgamento de ações de natureza objetiva, admitindo-se excepcionalmente essa espécie de intervenção no processo subjetivo quando a multiplicidade de demandas similares demonstrar a generalização da decisão a ser proferida. Hipótese não configurada nos autos.

2. Ação de obrigação de não fazer objetivando a abstenção, por parte da fornecedora/atacadista, da cobrança ou do repasse ao varejista/comprador de despesa referente à taxa de emissão de boletos bancários ou similares.

3. O fato jurídico que enseja a cobrança de tarifa pela emissão de boleto bancário desencadeia uma série de relações jurídicas correlacionadas - entre o varejista/comprador e o fornecedor/distribuidor, quando da contratação de dado produto, e entre o fornecedor/distribuidor e o banco para fins de cobrança do valor pactuado na relação anterior - das quais são partícipes o comprador, o fornecedor e a instituição financeira.

4. Em regra, o meio de pagamento utilizado pelo comprador, ao adquirir junto ao fornecedor mercadorias do ramo farmacêutico, é o boleto bancário. Consequentemente, o fornecedor, que passa à condição de cedente do título, e a instituição financeira negociam o valor da tarifa pelo serviço de emissão do boleto, documento em que o comprador/varejista figura como sacado.

5. O art. 1º, § 2º, II, da Resolução nº 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional veda expressamente o repasse ao sacado do ônus pelo pagamento da despesa referente à tarifa de emissão de boleto bancário.

6. Tratando-se de matéria afeta ao sistema financeiro nacional, especialmente no que tange à atividade de intermediação financeira, a liberdade de contratar encontra limites que se operam em prol da higidez e da estabilidade de todo o sistema.

7. Recurso especial da PROFARMA não provido. Prejudicado o agravo regimental da ABAFARMA.

(STJ, REsp 1568940/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 07/03/2016)

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Informativo STJ n. 546, de 24 de setembro de 2014

Em sede de ação civil pública ajuizada por associação civil de defesa do consumidor, instituição financeira pode ser condenada a restituir os valores indevidamente cobrados a título de Taxa de Emissão de Boleto Bancário (TEB) dos usuários de seus serviços. Com efeito, os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos. Porém, em se tratando de direitos coletivos em sentido estrito, de natureza indivisível, estabelece-se uma diferença essencial diante dos direitos individuais homogêneos, que se caracterizam pela sua divisibilidade. Nesse passo, embora os direitos individuais homogêneos se originem de uma mesma circunstância de fato, esta compõe somente a causa de pedir da ação civil pública, já que o pedido em si consiste na reparação do dano (divisível) individualmente sofrido por cada prejudicado. Na hipótese em foco, o mero reconhecimento da ilegalidade da TEB caracteriza um interesse coletivo em sentido estrito, mas a pretensão de restituição dos valores indevidamente cobrados a esse título evidencia um interesse individual homogêneo, perfeitamente tutelável pela via da ação civil pública. Assentir de modo contrário seria esvaziar quase que por completo a essência das ações coletivas para a tutela de direitos individuais homogêneos, inspiradas nas class actions do direito anglo-saxão e idealizadas como instrumento de facilitação do acesso à justiça, de economia judicial e processual, de equilíbrio das partes no processo e, sobretudo, de cumprimento e efetividade do direito material, atentando, de uma só vez, contra dispositivos de diversas normas em que há previsão de tutela coletiva de direitos, como as Leis 7.347/1985, 8.078/1990, 8.069/1990, 8.884/1994, 10.257/2001, 10.741/2003, entre outras. REsp 1.304.953-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/8/2014.

Há, contudo, municípios que ainda possuem legislação vetusta instituindo a cobrança do referido tributo. A simples alegação do Executivo Municipal de que a cobrança se encontra autorizada em diploma legal ignora todo o debate realizado pelos tribunais pátrios sobre a matéria, inclusive pelo STF em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral.

Não obstante, o cometimento de ilegalidade por parte do alcaide não necessariamente caracteriza ato de improbidade. É que o ato de improbidade exige a demonstração de má-fé, por se tratar de ilegalidade qualificada:

A caracterização do ato de improbidade requer, além da afronta aos princípios que regem a Administração Pública, a presença de elemento subjetivo consistente na intenção deliberada do agente público, ou dos beneficiários do ato, de praticá-lo em proveito próprio ou de outrem. (TJSC Processo: 2008.008717-8 (Acórdão) Relator: Newton Janke Origem: Tubarão Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Público Julgado em: 24/08/2010 Juiz Prolator: Júlio César Knoll Classe: Apelação Cível)

A conduta ilegal só se torna ímproba se revestida, portanto, de má-fé do agente público, de traço de desonestidade, não atingindo o administrador incompetente, inábil ou desorganizado, para cujas falhas ou omissões já existem sanções específicas de natureza administrativa. (TRF 1ª Região, AC 2007.35.00.003119-9-GO, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, unânime, e-DJF1 de 29.04.2001, p. 130).

Diante do exposto, é lícito concluir:

1-           O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou, em 2014, por ocasião de julgamento com repercussão geral, entendimento contrário à cobrança de taxas para emissão de carnês de recolhimento de tributos (Recurso Extraordinário n. 789.218/MG);

2-           A cobrança de “tarifa de emissão de carnê” por instituições financeiras privadas foi vedada expressamente pela Resolução n. 3.919/2010, do Banco Central do Brasil (BACEN);

3-           O Município de Itajaí alegou, sucintamente, que a cobrança tem respaldo legal no Decreto n. 8.454/2007;

4-           Apesar da flagrante ilegalidade, a conduta do alcaide parece carecer do elemento subjetivo indispensável à sua caracterização como ato ímprobo.

Sobre o autor
Roberto Di Sena Júnior

Mestre em Direito (UFSC); Especialista em Direito Público (Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus); Especialista em Direito Processual Civil (UCAM); Analista do MPSC

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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