A HUMANIZAÇÃO DA JUSTIÇA

Conciliação, Mediação e Justiça Restaurativa

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15/09/2018 às 00:03
Leia nesta página:

[1] ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 32.

[2] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: Primeiros Estudos. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p.23.

[3] ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.33.

[4] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 29.

[5] Ordenações Manuelinas. Disponível em: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/ordemanu.htm>. Acesso em: 29.05.2017.

[6] Constituição Política do Império do Brazil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm> Acesso em: 29.05.2017.

[7] VELLASCOS, Ivan de Andrade. O juiz de paz e o Código do Processo: vicissitudes da justiça imperial em uma comarca de Minas Gerais no século XIX. Artigo, 2003. p.4. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/66121>. Acesso em: 29.05.2017.

[8] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:02.06.2017.

[9] Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em:  <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em: 27.06.2017.

[10] Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 27.06.2017.

[11] Manual de Mediação Judicial. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao-portal-da-conciliacao/publicacoes>. Acesso em: 27.06.2017.

[12] CABRAL. Marcelo Malizia. Os Meios Alternativos de Resolução de Conflitos: Instrumento de ampliação do acesso à justiça. Disponível em:<htps://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/corregedoria_geral_da_justica/colecao_administracao_judiciaria/doc/CAJ14.pdf>. Acesso em: 27.06.2017.

[13] SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça restaurativa e paradigma punitivo. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2009. p. 146

[14] ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a Justiça. Tradução de Tônia Van Acker. Título Original: Changing Lenses: a new focus for crime and justice. São Paulo: Palas Athena, 2008.p.170/171.

[15] Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos. Missão da Justiça Restaurativa. Disponível em: < http://www5.tjba.jus.br/conciliacao/index.php?option=com_content&view=article&id=10&Itemid=12>. Acesso em: 25.07.2017.

[16] ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a Justiça. Tradução de Tônia Van Acker. Título Original: Changing Lenses: a new focus for crime and justice. São Paulo: Palas Athena, 2008.p.192.

[17]CAMEDS. Câmara de Mediação em Direito da Saúde. O que é a CAMEDS? Disponível em: <http://www.cameds.com.br/sobre.html>. Acesso em: 07.08.2017.

1.   INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo a explanação dos métodos alternativos de solução de conflitos, com uma abordagem histórica e conceitual, de modo a entendermos a crescente utilização destes métodos, visando humanizar o Poder Judiciário e mudar a atual cultura da judicialização de ações, transformando-a na cultura do diálogo.

Neste aspecto, observaremos a importante atuação do Poder Judiciário na tentativa de resgatar e implementar as figuras da autocomposição no atual ordenamento jurídico.

Por fim, vale ressaltar, que será apresentado alguns casos práticos já implementados e as vantagens que tais medidas vem apresentando, além da celeridade e tratamento adequado a resolução de conflitos.

2.   Considerações Históricas acerca das Formas de Resoluções de Conflitos

            De acordo com o nobre filósofo THOMAS HOBBES em O Leviatã “o homem é o lobo do homem”, de modo que, quando os homens desejam algo em comum, mas não podem desfrutá-la igualmente, estes entram em conflito, por isso, de acordo com que a sociedade vai evoluindo, também há a necessidade da evolução do Direito e o desenvolvimento das modalidades de composição de conflitos.

            A autotutela é a mais primitiva das resoluções de conflito, conhecida como a lei do mais forte, incide no emprego da “justiça” com as próprias mãos, o exemplo mais antigo é a lei de talião, encontrado no código de Hamurabi em 1780 a.C., refere-se a máxima “olho por olho, dente por dente”, ou seja, o criminoso deveria ser punido na mesma proporção do crime cometido, cada um defendia o seu interesse individual na medida do dano sofrido, de modo arbitrário.

            Cabe ressaltar, que no Direito contemporâneo a autotutela é um instituto repelido, uma vez que, cabe ao Estado, de forma exclusiva, exercer a jurisdição e dizer o que de direito. Entretanto, o ordenamento jurídico brasileiro admite exceções a autotutela que pode ser usada como autodefesa de direitos previstas em lei.

            Nos dizeres de José Eduardo Carreira Alvim:

“Os Estados modernos, reconhecendo que, em determinadas circunstâncias, não podem evitar que se consume uma lesão de direito, permitem que o próprio indivíduo defenda seus interesses, mesmo com o emprego, se necessário, da força material, nos limites traçados à atividade individual (delimitação legal). Exemplos típicos de autodefesa podem ser citados no direito moderno: a legítima defesa, no âmbito penal; o desforço incontinenti e o penhor legal, no âmbito civil; o direito de greve, no âmbito trabalhista”.[1]

            No entanto, Rosemiro Pereira Leal, diferencia os termos autotutela de autodefesa, explica que a autotutela é o exercício das próprias razões, utilizando-se da violência de forma arbitrária, distinguindo-se da autodefesa que possui previsão normativa, vejamos:

“Quando a ordem jurídica autoriza a autodefesa, não está delegando ao indivíduo a função jurisdicional tutelar que continua a se originar de lei prévia estatal. Não, há, portanto, como muitos entendem, uma exceção ao monopólio jurisdicional, que o Estado abre à prática selvagem da autotutela, tal como concebida em épocas primitivas da sociedade”.[2]

            A segunda forma de resolver os conflitos é por meio da autocomposição, trata-se de uma forma pacífica de solução de conflitos, mesmo advinda dos primórdios da civilização em conjunto com a autotutela se mostra mais evoluída que esta, as partes envolvidas deixam de utilizar a força física e passam a usar a razão como um meio mais conveniente de resolver seus litígios.

            José Eduardo Carreira Alvim esclarece que:

“O vocábulo “autocomposição” se deve a Carnelutti, que, ao tratar dos equivalentes jurisdicionais, aí a incluiu, sendo integrado do prefixo auto, que significa “próprio”, e do substantivo “composição”, que equivale a solução, resolução ou decisão do litígio por obra dos próprios litigantes”[3].

            CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO ensinam que o exercício da autocomposição se dá de três formas: “a) desistência (renúncia a pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas) ” (2006, p.15)

            Por ser a autocomposição, em sua forma de transação o foco deste trabalho, veremos com mais detalhes à frente, contudo, vale ainda observar que estas formas de solução continuam existindo e estão vigentes no ordenamento jurídico brasileiro.

            Com o passar dos tempos, começando pelo Império Romano, os litigantes passaram a concordar em deixar um terceiro imparcial decidir quem tinha a razão, surgia então, uma forma de heterocomposição chamada de ‘arbitragem voluntária’, em princípio, exercida pelos sacerdotes por serem figuras que tinham ligação com a vontade divina, mais tarde passou-se a ser decidido pelos anciãos do grupo, pois estes tinham mais condições de decidir com base nos costumes. Entretanto, diante das vantagens apresentadas pela arbitragem, logo esta tornou-se obrigatória. Embora a intervenção fosse pequena naquela época, mesmo assim, tinha certa participação na solução do litigio, de maneira que o direito romano se desenvolvia em duas fases: in jure, perante o pretor; e apud judicem perante o árbitro escolhido pelas partes e nomeado pelo pretor para decidir o conflito.

            Após o período arcaico e clássico do Império Romano, de forma gradual, o Estado foi se fortalecendo e o pretor passou a conhecer do mérito dos litígios e até a proferir decisões, é dessa maneira que nasce a fase cognitio extra ordinem (conhecimento fora da ordem), diante da necessidade de o Estado impor sua soberania, este monopolizou a função jurisdicional, trazendo para si o poder de solucionar conflitos entre particulares.

            A jurisdição, portanto, aparece assim, como a última etapa de resolução de conflito, na tentativa de se fazer justiça, garantindo aos litigantes segurança jurídica, substituindo a vontade das partes por um ponto de vista totalmente jurídico e formal.

            Cintra, Grinover e Dinamarco, conceituam:

“A atividade mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos dá-se o nome de jurisdição. Pela jurisdição, como se vê, os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos (vedada a autodefesa); a elas, que não mais podem agir, resta a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional”[4].

            Porém, desde que o Estado passou a dirimir conflitos, de forma exclusiva, o crescente acesso aos órgãos jurisdicionais passou por abarrotar o Poder Judiciário, de tal maneira, que o principal escopo, qual seja, a promoção da pacificação social, não tem sido eficiente ante a lentidão Judicial. Os próprios juízes, diante do enorme número de processos, acostumaram-se a decidir com superficialidade. Por este motivo o Estado vem se socorrendo da autocomposição, pois tem se mostrado um meio mais conveniente para aliviar a máquina judiciária.

3.   Autocomposição no Brasil e a importância do Juiz de Paz

Na época da colonização, perante o enriquecimento de Portugal, graças a exploração do pau-brasil e da cana de açúcar, os nativos portugueses começaram a migrar e a estabelecer moradia no Brasil, por causa disso, aos poucos, a sociedade brasileira se desenvolvia, de tal modo, que o rei de Portugal, D. João III, em 1534 precisou desenvolver o sistema de capitanias hereditárias, consistia em repartir o território brasileiro e entregar a administração, de cada parte, a pessoas que tinham relações com a coroa. Enfim, aos poucos a administração judiciária passava a ser centralizada e a legislação vigente na época era as Ordenações Manuelinas (assim chamadas em referência ao rei de Portugal, Dom Manuel I), este código era composto por cinco livros, no Terceiro Livro, Título XV – Da Ordem do Juiz, parágrafo primeiro, trazia a seguinte regra:

“E no começo das demandas dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despesas, e sigam entre eles os ódios, e dissensões, se devem de concordar, e não cuidar de guardar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é muito duvidoso: E isto que Dizemos de induzirem as partes a concórdia, não é de necessidade, mas somente de honestidade, nos casos em que o bem poderem fazer”[5].

            Com a independência do Brasil em 1822, perante a transição do Regime Colonial para a implementação do Império, houve a necessidade da organização política, econômica e jurídica do governo, então, em 1824 foi outorgada a Constituição do Império, quando o Imperador Dom Pedro I, a fim de agilizar a justiça, instituiu a figura do Juiz de Paz, verifica-se nos referidos:

Art. 161. “Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.

 art.162. Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei”.[6]

            Entretanto, apenas em 15 de outubro de 1827 é que foi promulgada a lei orgânica das Justiças de Paz, esta lei criava o juiz de paz eletivo, sem maiores requisições, poderiam se eleger os que fossem eleitores, mesmo que fossem leigos. No entanto, foi com a elaboração do Código de Processo Criminal em 1832, que os juízes de paz ganharam importância e atribuições penais.

            De acordo com VELLASCOS,

“A criação do juizado de paz marcava uma mudança importante na configuração do poder judiciário e criava um personagem que marcaria toda a década seguinte, alterando profundamente o cotidiano da justiça. Com atribuições administrativas, policiais e judiciais, o juiz de paz, eleito, acumulava amplos poderes, até então distribuídos por diferentes autoridades (juízes ordinários, almotacés, juízes de vintena) ou reservados aos juízes letrados (tais como julgamento de pequenas demandas, feitura do corpo de delito, formação de culpa, prisão etc.), que passavam então a ter de compartilhá-los com esse intruso personagem. O exercício do juiz de paz envolvia a justiça conciliatória e o julgamento de causas cujo valor e/ou a pena não ultrapassasse certo limite, a imposição do termo de bem viver, a manutenção da ordem pública e emprego da força pública, vigiar o cumprimento das posturas municipais, a condução das eleições, enfim, funções administrativas, judiciais e policiais as mais amplas”.[7]

            Contudo, com o decorrer do tempo, o que deveria servir para agilizar a justiça passou a trazer mais conflitos, pois os juízes de paz passaram a cometer fraudes eleitorais, a perseguir seus inimigos políticos, e não mais puniam os delinquentes de forma correta.

            Parafraseando VELLASCOS, o processo de investidura dos juízes de paz é que, talvez, tenha contribuído para o declínio da justiça conciliatória, pois as eleições favoreciam os grupos que controlavam o eleitorado. Este tipo de recrutamento, influenciava na imparcialidade dos juízes de paz, porque estes deviam a sua investidura ao eleitorado, que era a sua clientela jurisdicional.

            Em 1841, o Código de Processo Criminal sofreu uma reforma, redefinindo a estrutura do Poder Judiciário, por ela os poderes penais e policiais dos juízes de paz foram transferidos a funcionários nomeados pelo governo, reduzindo a competência e atribuições dos juízes de paz.

            Enfim, desde a primeira Constituição do Brasil, vimos que a autocomposição era condição de procedibilidade para o ingresso da ação, a Constituição de 1824 previa, para tanto, os juízes de paz, competentes para compor os conflitos. Todavia, com a proclamação da República em 1889, a justiça de paz começou a ser esquecida, havendo apenas, breves menções nas constituições seguintes. Nas constituições de 1934 e 1937 era previsto a possibilidade de “os Estados manter a Justiça de Paz, fixando-lhe a competência, com ressalva de recurso das decisões para a Justiça togada” (art. 104, § 4º e 104, respectivamente). As constituições de 1946 e 1967 previa “a instituição da Justiça de Paz temporária, com atribuição judiciária de substituição, exceto para julgamentos finais ou recorríveis, e competência para a habilitação e celebração de casamentos ou outros atos previstos em lei” (art. 124, X, e 136, §1º, alínea c, respectivamente).

            A Constituição de 1988 recupera parcialmente a justiça de paz, assim como na Constituição do Império, os juízes são escolhidos por meio de eleição direta, com mandato de quatro anos.

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

II - Justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação[8].

            Portanto, conforme artigo supracitado, a atividade do juiz de paz não tem caráter jurisdicional, mas desde os primórdios da história do Brasil, tem sido uma grande aliada na função de pacificação social com sua atribuição conciliatória.

4.   Conciliação e Mediação

4.1.      Fundamentos Legais

Comecemos pela lei superior, Constituição Federal de 1988, que desde o preâmbulo está “(...) comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, que mesmo não possuindo força jurídica se faz um importante vetor de interpretações. Mas não fica só no preâmbulo, a Carta Magna traz em seu corpo constitucional como princípio fundamental, o essencial objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, I).  No âmbito internacional o Brasil rege-se pelo princípio da solução pacífica dos conflitos (artigo 4º, VII).

            A Constituição vigente, sempre se preocupou com um meio alternativo de solucionar os conflitos, e para tanto determinou que “A União, o Distrito Federal e os Territórios, e os Estados criarão: os juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo (...)” (artigo 98, I), entretanto, apesar de ajudar a garantir com mais intensidade o acesso à justiça, contribuiu para que este se visse afogado diante do grande número de ações que são propostas todos os dias. Portanto, é verificável que não adiantou aumentar o número de varas, e respectivamente o número de juízes, pois é preciso mudar o modo de se chegar ao real interesse das partes e a verdadeira justiça.

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            O código de processo civil de 1973, recepcionado pela Carta Magna, também trazia consigo, a pacificação dos conflitos pela técnica de conciliação, que passou a ser fase obrigatória do processo, como preceituava o artigo 448. “Antes de iniciar a instrução, o juiz tentará conciliar as partes. Chegando a acordo, o juiz mandará tomá-lo por termo”. Todavia, essas audiências de conciliações prévias tornavam-se inócuas, pois, os juízes, totalmente despreparados, tornavam aquele ato mais uma formalidade, quanto a partes envolvidas, estes acabavam por deixar a solução da lide a total responsabilidade do julgador, e tão somente a ele.

            Após a criação do CNJ pela emenda nº 45/2004 (Reforma do Judiciário) houve um avanço considerável na institucionalização das medidas alternativas de solução pacifica de conflitos, porque o CNJ aprovou a resolução nº 125/2010 que institui a Política Judiciária Nacional de TRATAMENTO ADEQUADO dos conflitos de interesses em todo o Poder Judiciário. Com o objetivo de reformar os paradigmas do serviço judiciário de modo a mudar, também, a cultura da judicialização e incentivar a autocomposição. Senão, vejamos:

Art. 2º Na implementação da Política Judiciária Nacional, com vista à boa qualidade dos serviços e à disseminação da cultura de pacificação social, serão observados: (Redação dada pela Emenda nº 1, de 31.01.13) I – centralização das estruturas judiciárias; II – adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores; III – acompanhamento estatístico específico.

Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação[9].

            Acolhendo as diretrizes da resolução nº 125/2010, o Novo Código de Processo Civil de 2015 foi sancionado, substituindo completamente a formalidade processual da conciliação trazida pelo código de processo civil de 1973. O NCPC adota mecanismos que incentiva a solução pacifica do litígio, no âmbito processual e extraprocessual, preocupa-se com o oferecimento de alternativas consensuais e dá as normas que tratam da autocomposição status fundamental.

PARTE GERAL LIVRO I DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS TÍTULO ÚNICO DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS CAPÍTULO I DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL

Art. 3º. (...)

§ 2º.  O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

            Além da inquestionável celeridade que a autocomposição oferece ao judiciário, é também indiscutível que tal medida reduz a judicialização de demandas, pois um acordo bem feito evita até a propositura de novas ações, como por exemplo, de execução, para tanto, previu-se que seria necessária uma nova postura dos sujeitos do processo, diferentemente daquela que trazia o CPC de 73, previu o CPC de 2015 que seria necessária dar um tratamento menos formal e mais humanizado aos interesses dos litigantes, então o NCPC para uma solução mais efetiva, determina:

Art. 3º, § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Art.139. V- Incumbe ao juiz promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais.

Art.334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou mediação (...)[10]

            É possível perceber que o intuito é de mudança, começando pela mentalidade dos operadores do direito, que devem incentivar e promover, sempre que possível, a busca pela autocomposição, pela solução pacífica, que aproximem os cidadãos da verdadeira justiça.

4.2.      Conceitos e atribuições

4.2.1.Conciliação

A conciliação é um mecanismo de negociação, com a ajuda de um terceiro imparcial, que facilita uma conversa harmônica entre as partes, com a finalidade de fazer com que estes, de forma voluntária, pactuem um acordo.

            Assim é definida no Manual de Mediação Judicial:

A conciliação pode ser definida como um processo auto compositivo breve no qual as partes ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito, ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para assisti‑las, por meio de técnicas adequadas, a chegar a uma solução ou a um acordo[11].

            A conciliação pode ser extrajudicial ou pré-processual, ocorrendo antes da judicialização do conflito, é uma alternativa que objetiva pôr fim ao conflito sem a necessidade de interferência do poder estatal. Muitas vezes, deve ser incentivada pelo Promotor de Justiça, Defensor Público ou até mesmo por um Advogado Particular, pois são com estes o primeiro contato das partes.

            Também há a possibilidade de a conciliação ser endoprocessual ou incidental, esta ocorre quando já tem ação tramitando perante o Poder Judiciário, assim sendo, é dever dos juízes promover a conciliação, entretanto, muitas vezes estes não foram capacitados a empregar as devidas técnicas de conciliação, portanto, não foram treinados a perceber qual os reais interesses dos litigantes, para tanto, o artigo 165 do Código Processual Civil de 2015, dispõe que os “tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação (...)”.

            Sendo a conciliação extraprocessual ou endoprocessual, os conflitos podem ser solucionados por meio de alguns institutos, como por exemplo, a renúncia, acontece quando o autor da ação, reconhece não possuir o direito alegado; submissão, o réu reconhece a procedência do pedido do autor, e diante disso, não impõe resistência; e pode haver também a transação, que é um acordo, as partes fazem concessões mútuas de seus interesses e acabam por compor-se.

            Enfim, no geral, sobre a conciliação, dispõe Cabral:

A conciliação constitui um dos meios mais utilizados para a resolução de conflitos, seja como forma de evitar a utilização da jurisdição, seja para abreviar a solução de uma pretensão apresentada perante os tribunais. Na conciliação, a intervenção de uma terceira parte, alheia ao conflito, auxilia os interessados a encontrarem uma plataforma de acordo tendo em vista resolver a disputa, limitando-se o conciliador a promover o contato entre as partes, facilitando sua comunicação. O conflito é resolvido por meio do próprio consenso entre os litigantes e as causas psicológicas e sociológicas que envolvem os interessados são levadas em consideração pelo conciliador neutro, que busca sempre direcionar as partes para chegarem a uma decisão final com concessões e satisfação de ambas[12].

4.2.2.Mediação

No Brasil, a mediação é regulada pela Lei 13.140/2015, e em seu primeiro artigo define a mediação como sendo “a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.

Em outras palavras, trata-se de um mecanismo que visa estimular o diálogo entre as partes, para que estes identifiquem seus reais interesses e necessidades, para que, enfim, ambos encontrem a melhor solução.

Ante a complexidade dos conflitos, há diferentes modalidades de mediação, quais sejam:

  1. Mediação Linear ou Tradicional: modelo de Harvard, tem como base a facilitação verbal, não leva em conta o contexto do qual surgiu o conflito, mas o real interesse encoberto pelas partes, que muitas vezes só é deduzido por meio da comunicação.
  2. Mediação Transformativa: modelo de Bush e Folger, diferente da mediação tradicional, esta modalidade tem como finalidade a transformação adversarial e viabiliza o refazimento de seus vínculos, e consequentemente, uma composição entre as partes.
  3. Mediação Circular Narrativa: modelo de Sara Cobb, foca tanto nas relações interpessoais, quanto no conflito, pois as duas coisas são conexas, e não devem ser vistas de modo isolado, portanto, objetiva uma composição geral.

Todas essas modalidades, objetivam uma composição pacífica dos conflitos, logo, a mediação serve como um instrumento facilitador a essa negociação, seja para desvendar os interesses sociológicos, intrapsíquicos, ou até mesmo relacional, depende muito da situação para saber qual das modalidades será a mais adequada ao caso.

4.3.      Diferenças entre Conciliação e Mediação

A Conciliação e a Mediação, são instrumentos alternativos de composição pacifica de conflitos, estas possuem a mesma finalidade, porém possuem especificidades diferentes para a obtenção de seus objetivos.

Ambos os mecanismos têm a participação de um terceiro imparcial, com a função de facilitar a negociação e de resgatar os reais interesses das partes, discutindo possibilidades, e principalmente, oportunizando a satisfação a ambos litigantes.

Uma das diferenças é exatamente a atuação desse terceiro imparcial, pois na Mediação, este deve ter uma conduta mais passiva, de modo, apenas a facilitar a negociação, não podendo sugerir soluções, porque são as partes que devem por si só encontrar uma solução. Enquanto que na Conciliação, a atuação do terceiro é mais ativa, podendo este, interferir, orientar, e até aconselhar as partes, até que estas cheguem a um acordo.

Diante da complexidade das relações humanas, surge aí mais uma diferença, uma vez que a relação entre as partes tem um vínculo duradouro, anterior, sejam elas de amigos, familiares ou até mesmo de trabalho, recomenda-se a mediação, porque esta permite a conservação destas relações e, portanto, é conduzida com naturalidade, durante e após as sessões. Já a conciliação é adequada para situações mais específicas, como nos casos em que as pessoas não se conhecem, ou seja, não há vínculo anterior, um bom exemplo seria a relação consumerista, porque nesses casos, a lide pode ser resolvida com uma boa conversa e um simples acordo, e após isso, não manterão qualquer relacionamento.

Depreende-se, do art. 165, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil de 2015:

“O conciliador, que atuará preferencialmente em casos que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio”

 “O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”

Além dessas diferenças, é possível perceber que a conciliação objetiva alcançar um acordo, enquanto que a mediação se preocupa com os interesses e necessidades das partes, que quando descobertos, naturalmente, surge um acordo.

4.4.      Estrutura da Conciliação e Mediação promovida pelo Poder Judiciário

O Conselho Nacional de Justiça por intermédio da resolução 125/10, estabelece a Politica Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses (art. 1º), responsável por promover ações de incentivo à autocomposição, através da conciliação e mediação, e para isso, estabelece diretrizes gerais.

Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação.

Art. 5º O programa será implementado com a participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino.

Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ: I – estabelecer diretrizes para implementação da política pública de tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais;(...)

Nesse sentido, os tribunais, por determinação legal, deveriam criar o Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, composto por magistrados, com a finalidade de desenvolver e implementar a Política Nacional no respectivo tribunal, servindo como “núcleo inteligente”, promovendo a capacitação dos magistrados e servidores, bem como, instalando os Centros Judiciário de Solução de Conflitos (artigo 7º, resolução 125/10).

                Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, por sua vez, são responsáveis pela execução da Política Nacional, ou seja, estão encarregados das realizações das sessões e audiências de conciliação e mediação, sendo obrigatória a existência de setores pré-processual, processual e de cidadania, podendo ser, as sessões processuais, excepcionalmente, realizadas nos próprios Juízos, Juizados ou Varas, desde que sejam por conciliadores/mediadores cadastrados pelo tribunal (artigos 8º a 11).

O Código de Processo Civil, também regulamenta a criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e a instalação nos tribunais torna-se obrigatória:

Art. 165.  Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

§ 1o A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

5.   Justiça Restaurativa

No âmbito do Direito Penal a autocomposição também se faz possível.  É um instrumento que, através do diálogo entre a vítima e o infrator, busca a solução do conflito e da violência, de tal modo, que permita ao transgressor a reparação de seus erros e possa ser reintegrado à sociedade.

A origem deste instituto ainda é incerta, nos ensina Marcelo Gonçalves:

“A Justiça Restaurativa não é criação da modernidade ou pós-modernidade, já que a restauração é um processo existente nas mais antigas sociedades e ainda vigente em diversos sistemas sociais e comunitários. Na modernidade, o Estado, dentro da estrutura atual, foi concebido deitando suas raízes em Hobbes, Rousseau e Locke e a concentração da resolução dos conflitos com a razão iluminista, sepultou qualquer forma de resolução de litígio por método não científico”.[13]

            Propondo um novo paradigma de justiça criminal, o psicólogo Albert Eglash, ao trabalhar com adultos e jovens que estavam envolvidos com o sistema criminal, percebeu que o sistema precisava de humanidade e eficiência, foi quando desenvolveu e promoveu o conceito de restituição criativa, base da justiça restaurativa, em seu artigo Beyond Restitution: Creative Restitution (Mais que Restituição: Restituição Criativa) Eglash, afirma haver três respostas ao crime – a retributiva, baseada na punição; a distributiva, focada na reeducação; e a restaurativa, que se baseia na reparação do mal causado pela prática do ato ilícito.

            Outro grande pesquisador da justiça restaurativa é o professor e escritor Howard Zehr, em 1990 o professor publicou a obra: Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça - justiça restaurativa (Changing Lenses – a new focus for crime and justice) e propõe um novo jeito de enxergar os crimes e as punições.

            A esse respeito, afirma Howard:

O crime significa um agravo à vítima, mas poderá também ser um agravo ao ofensor. Muitos crimes nascem de violações. Muitos ofensores foram vítimas de abusos na infância e carecem das habilidades e formação que possibilitariam um emprego e uma vida significativa. Muitos buscam validação e empoderamento. Para eles o crime é uma forma de gritar por socorro e afirmar sua condição de pessoa. Em parte, prejudicam os outros porque foram prejudicados. E não raro são prejudicados ainda mais pelo sistema judicial. Tal dimensão nasce, em certa medida, de outras questões da justiça retributiva.[14]

            Percebe-se que Howard relativiza os papéis de vítima e infrator, de modo que tais papéis podem se confundir, pois o ofensor é fruto da sociedade onde vive e, portanto, muitas vezes é vítima desta. Assim sendo, a verdadeira justiça deveria ter como objetivo a promoção da reparação da lesão e não apenas a aplicação de uma punição.

Os primeiros países a explorar essa proposta alternativa foram o Canadá e a Nova Zelândia, após, este instituto começou a ganhar espaço em diversas partes do mundo e, assim, diante do fracasso da justiça retributiva, porque visava unicamente a punição daquele que cometesse o erro, e ante a visibilidade e eficiência que a justiça restaurativa estava promovendo, garantindo a dignidade e igualdade das pessoas, o Conselho Econômico e Social da ONU instituiu a resolução nº 12/2002  estabelecendo “Princípios Básicos para Utilização de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal”.

            Dentre as regras previstas na resolução nº 12/2002, cabe destacar que “os programas de justiça restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do sistema de justiça criminal, de acordo com a legislação nacional”. Menciona-se ainda, em breve resumo, que as partes podem se autocompor, de maneira voluntária, desde que concordem sobre fatos essenciais, e assumam obrigações razoáveis e proporcionais, mais que isso, “a participação do ofensor não deverá ser usada como prova de admissão de culpa em processo judicial ulterior”.

            Ressalta-se que esta resolução ainda nos traz regras de “Desenvolvimento Contínuo de Programas de Justiça Restaurativa”, nesse sentido dispõe:

Os Estados Membros devem buscar a formulação de estratégias e políticas nacionais objetivando o desenvolvimento da justiça restaurativa e a promoção de uma cultura favorável ao uso da justiça restaurativa pelas autoridades de segurança e das autoridades judiciais e sociais, bem assim em nível das comunidades locais.

           

            Nesse aspecto, é importante observar que a metodologia utilizada nos processos pode variar de acordo com a cultura de cada país, além disso, é relevante notar que os Estados Membros estão encarregados de estimular o desenvolvimento de programas restaurativas.

Por fim, vale lembrar que a justiça restaurativa também faz uso da figura de um terceiro facilitador, que participa dos processos restaurativos de maneira imparcial e é recomendado que estes sejam capacitados para assegurar o mútuo respeito entre as partes, e direcioná-las a melhor solução possível.

5.1.      Justiça Restaurativa no Brasil

No sistema criminal brasileiro, ainda não há práticas totalmente restaurativas, entretanto, existem algumas legislações que podem ser utilizadas para a implementação dessas práticas.

A própria Constituição Federal de 1988 prevê, art. 98, I, “a possibilidade de conciliação em procedimento oral e sumaríssimo, de infrações penais de menor potencial ofensivo. ”

Nesse sentido, a Lei nº 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais Criminais, responsável por definir as infrações penais de menor potencial ofensivo, prevê a possibilidade da aplicação de medidas alternativas, mediante o consenso das partes envolvidas nos crimes de ação penal privada, bem como, na ação penal pública condicionada à representação, sendo admitido antes ou durante o procedimento contencioso, vejamos:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação

A fim de disseminar a prática restaurativa, a emenda nº 1 à Resolução 125/10 do CNJ, incentiva a criação de Núcleos da Justiça Restaurativa, capazes de criar um ambiente propício à composição, com profissionais treinados e preparados a promover um diálogo transformador.

Art. 7o (...)

§ 2o Os Núcleos poderão estimular programas de mediação comunitária, desde que esses centros comunitários não se confundam com os Centros de conciliação e mediação judicial, previstos no Capítulo III, Seção II. § 3o Nos termos do art. 73 da Lei n° 9.099/95 e dos arts. 112 e 116 da Lei n° 8.069/90, os Núcleos poderão centralizar e estimular programas de mediação penal ou qualquer outro processo restaurativo, desde que respeitados os princípios básicos e processos restaurativos previstos na Resolução n° 2002/12 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas e a participação do titular da ação penal em todos os atos.

Nessa perspectiva, foi instituído o primeiro Núcleo de Justiça Restaurativa em Salvador, na região do Largo do Tanque. O núcleo por sua vez, tem algumas missões a ser cumpridas, dentre algumas, está o de facilitar o entendimento entre os envolvidos, prestar apoio e promover a restauração e reparação da vítima, assim como a inclusão social do ofensor, mas, principalmente, responsabilizar o ofensor pelos seus atos em relação à vítima e à própria comunidade.[15]

Percebe-se a influência da obra de Howard:

O primeiro passo na justiça restaurativa é atender às necessidades imediatas, especialmente as da vítima. Depois disso a justiça restaurativa deveria buscar identificar necessidades e obrigações mais amplas. Para tanto o processo deverá, na medida do possível, colocar o poder e a responsabilidade nas mãos dos diretamente envolvidos: a vítima e o ofensor. Deve haver espaço também para o envolvimento da comunidade. Em segundo lugar, ela deve tratar do relacionamento vítima-ofensor facilitando sua interação e a troca de informações sobre o acontecido, sobre cada um dos envolvidos e sobre suas necessidades. Em terceiro lugar, ela deve se concentrar na resolução dos problemas, tratando não apenas das necessidades presentes, mas das intenções futuras.[16]

                Além deste núcleo, ainda há outras iniciativas, como por exemplo, a Comissão Paranaense de Justiça Restaurativa do Tribunal de Justiça do Paraná, que tem a finalidade de deliberar acerca da política de práticas restaurativas no âmbito do Poder Judiciário do Paraná. Não obstante, existe outra iniciativa, que é o programa de Justiça Restaurativa Juvenil de Campo Grande/MS que possui o objetivo de adotar procedimentos restaurativos entre adolescentes infratores, que respondem a processos criminais pela Vara da Infância e Juventude, bem como, os familiares destes, e a vítima.

            Enfim, a Justiça Restaurativa tem ganhado espaço no sistema jurídico brasileiro, por isso cabe esclarecer que, apesar de promover uma composição apenas entre as partes envolvidas no conflito, é, sobretudo, um mecanismo de transformação social, pois favorece as relações humanas e, aos poucos, promove a paz social.

6.   A Humanização da Justiça

“A lei é dura, mas é a lei” (dura lex, sed lex, em latim), é uma expressão jurídica que se refere a necessidade de respeitar a lei, por mais rigorosa que possa ser, tal expressão nos remete ao Direito Romano, que se preserva até os dias de hoje, e com ele trouxe o processo jurisdicional, que vinha se fortalecendo como a grande conquista da civilização.

Entretanto, diante do aumento da jucialização de ações, capazes de abarrotar o sistema jurídico, o Poder Judiciário se viu necessitado a adotar medidas alternativas que fossem capazes de aliviar a demanda.

            Para tanto, notou-se, que a criação dos Juizados Especiais, e que o aumento de varas e magistrados não era a solução, pelo contrário, apesar de ser mais célere e garantir o acesso à justiça, não resolvia o problema da superlotação de ações. Assim sendo, admitiu-se que nem sempre a solução esperada pelas partes litigantes, é uma sentença, esta muitas vezes não é capaz de suprir os interesses das partes, e consequentemente, gera ainda mais conflitos que serão, posteriormente, objeto de nova ação judicial.

            Perante este espiral judicial, percebeu-se que é preciso promover formas de solução pacíficas, resolver os reais interesses das partes e, especialmente, incentivar a cultura da paz. Mas, para que isso aconteça, é imperioso que haja uma mudança interna, uma mudança daqueles que promovem a justiça.

            Em outras palavras, a humanização da justiça, antes de mais nada, deve começar por seus agentes, pois são estes que ao desenvolver suas funções são capazes auxiliar o Poder Judiciário, porque, estes são responsáveis pela administração da Justiça.

            Desse modo, sendo os operadores do Direito, juízes, advogados, conciliadores, mediadores, procuradores, antes são humanos, e, portanto, devem ter a sensibilidade de reconhecer e lidar com interesses humanos, promovendo a satisfação, segurança, e suporte emocional das partes.

Então, e só então, é que será possível afastar a cultura da judicialização e difundir a cultura da paz, empoderando as partes, para que em casos de novos conflitos, aqueles por si só, e por meio do diálogo, possam se autocompor, e mais que isso, supram suas reais necessidades e interesses, de modo a terem uma justiça equilibrada.

7.   Conclusão           

Ante a morosidade do Poder Judiciário, em proferir um julgamento, muitas vezes ineficaz, e perante a grande quantidade de ações que são ajuizadas, é que surgiu a necessidade de formas alternativas, que fossem capazes de prevenir e solucionar os conflitos.

Entretanto, não bastava focar, apenas, no problema da superlotação do Poder Judiciário, era preciso garantir efetividade às soluções, de modo que, fosse possível mudar a cultura da judicialização, e garantir satisfação às partes litigantes.

Assim, percebeu-se que as técnicas da autocomposição, quando bem empregadas, com o auxílio de boas práticas e aplicadas de forma humanitária, apresentar-se-ia como uma excelente inovação, podendo atingir o objetivo.

No início, os profissionais do Direito estavam relutantes, pois a experiência que tinham era aquela vivida nos fóruns, onde o magistrado se dirigia as partes, sem nenhum preparo técnico, e lhes referia a seguinte frase: Tem acordo doutores? Pronto, estava feita a audiência de conciliação, e voltava a fazer o que tinha sido investido a fazer, julgar.

Porém, isto está mudando, o atual sistema jurídico está se preparando para garantir a verdadeira justiça, qual seja, a justiça que as partes, em consenso, consideram ideal. E, devendo a mudança começar de dentro, é que foi instituída políticas públicas, a fim de conscientizar, e fazer com que os operadores jurídicos acreditem que a autocomposição é a efetiva solução.

            Temos como exemplo de política pública, um modelo de justiça restaurativa, um projeto de cidadania da Justiça Federal de Guarulhos/SP chamado Programa de Ressocialização de Réus Estrangeiros (PRORREST), criado em 2012, este programa foi criado para auxiliar estrangeiros que são presos e processados por crimes federais (como, tráfico internacional de drogas, contrabando, uso de passaporte falso, entre outros), porque muitos desses estrangeiros enfrentam dificuldades uma vez que não falam o Português, estão longe de seus familiares e distante de casa, assim sendo, quando ganham o direito de cumprir penas alternativas ou a liberdade provisória, não têm como se manterem, pois não têm dinheiro, trabalho e muito menos documentos válidos no País (porque seus passaportes ficam apreendidos), preferindo estes réus estrangeiros permanecerem presos, pois, de certo modo, encontram segurança e forma de se sustentarem.

Diante dessa situação, o programa visa oferecer a estes estrangeiros a possibilidade de exercer seu direito à liberdade provisória ou o cumprimento de pena fora da prisão, em parceria com a Receita Federal e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Guarulhos (CDDH) a Justiça Federal de Guarulhos garante a obtenção de documento de identidade no Brasil (CPF, RG) e a possibilidade de tirar a Carteira de Trabalho para emprego formal, além disto, os Centros de Defesa dos Direitos Humanos em conjunto com o Aeroporto Internacional de Guarulhos (GRU Airport) patrocinam uma espécie de Albergue Transitório que servirá como endereço temporário, oferecendo assistência social e jurídica e aulas de Português aos estrangeiros réus e a alguns refugiados.

            Não obstante, como exemplo de política pública de mediação, temos a Câmara de Mediação em Direito da Saúde (CAMEDS), ainda muito nova, criada em janeiro de 2017 no Estado do Maranhão. Como é sabido, entre muitas ações existentes a questão da saúde e do fornecimento de medicamentos de alto custo tem sido responsável pela maioria das ações judicializadas, por assim ser, o programa CAMEDS visa a mediação extrajudicial em demandas de saúde, de demandas ajuizadas ou não, entre o particular e os entes prestadores do serviço público de saúde (Município, Estado e Hospitais Federais) de forma gratuita, com sessões presenciais ou eletrônicas[17].

Pois bem, autocomposição é uma mudança de mentalidade social, pois diferentemente da tutela jurisdicional que aponta quem ganha e quem perde, naquela todos os envolvidos saem ganhando, inclusive o Poder Judiciário, porque com tais práticas restabelece a confiança da sociedade em suas instituições jurídicas.

Nesse sentido, vale ressaltar que a autocomposição apresenta algumas vantagens, quais sejam, o empoderamento das partes que através do diálogo expressam suas razões e motivos até chegarem a um consenso. Além disso, quando as próprias partes concordam em algo há um comprometimento maior em cumprir o combinado, mais que isso, há uma manutenção e melhora no relacionamento das partes.

Enfim, a autocomposição, de um modo geral, também é uma garantia ao acesso à justiça, mas diferente da justiça dita pelas leis, essa é uma construção feita pelos próprios litigantes promovendo satisfação pessoal e em busca da pacificação social.

8.   Referências Bibliográficas

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ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a Justiça. Tradução de Tônia Van Acker. Título Original: Changing Lenses: a new focus for crime and justice. São Paulo: Palas Athena, 2008.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006.

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