AS VÍSCERAS DE UMA CORRUPÇÃO

17/09/2018 às 06:57
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O ARTIGO DISCUTE CASO CONCRETO ENVOLVENDO A GUINÉ EQUATORIAL.

AS VÍSCERAS DE UMA CORRUPÇÃO

 

Rogério Tadeu Romano

 

Transparência Internacional colocou a Guiné Equatorial no top 12 da sua lista de estados corruptos. Rejeitando as vozes internacionais que exigem mais transparência, O vice-presidente Teodoro Nguema Obiang Mangue, Obiang, por muito tempo, considerou que as receitas do petróleo são um segredo de Estado. Em 2008, o país tornou-se um candidato da "Extractive Industries Transparency Initiative" - um projeto internacional destinado a promover a abertura sobre as receitas do petróleo do governo -, mas não conseguiu se classificar. O grupo de defesa Global Witness tem feito lobby nos Estados Unidos para atuar contra o filho de Obiang, Teodoro, que é vice-presidente e um ministro do governo. Ele diz que não há provas credíveis de que ele gastou milhões de comprar uma mansão em Malibu, na Califórnia, e um jato particular com recursos adquiridos de forma corrupta. Em fevereiro de 2010, a Guiné Equatorial assinou um contrato com a subsidiária MPRI da empresa americana L3 Communications para vigilância costeira e de segurança marítima no Golfo da Guiné.

Segundo informou o Diário de Notícias de Portugal, em 15 de junho de 2017, a” HRW encontrou provas de que os principais dirigentes do Governo têm interesses em empresas públicas que recebem contratos de construção, incluindo o Presidente e a sua família", lê-se no relatório sobre a Guiné Equatorial, hoje divulgado em Paris.

No documento de 85 páginas, o primeiro da HRW feito esta década sobre o mais recente membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a autora, Sarah Saadoun, escreve que "o subfinanciamento da saúde e educação mostra um contraste gritante com os gastos extravagantes em projetos de infraestrutura em larga escala, muitos dos quais têm uma utilidade social questionável e arriscam potenciar a corrupção e má gestão".

O relatório, muito pormenorizado e recorrendo a vários documentos que não são de acesso público, mas que foram obtidos pela organização durante a visita de 10 dias em 2016, que serviu de base ao relatório, dá vários exemplos de indícios que apontam para corrupção.

Entre eles está o fato de um construtor italiano, Roberto Berardi, dizer numa declaração oficial que foi obrigado a fazer um consórcio com o atual vice-presidente e filho do Presidente da Guiné Equatorial, "cuja única função era garantir subcontratos de projetos públicos lucrativos atribuídos à ABC Construction, uma empresa pelo menos parcialmente detida pela primeira-dama".

Além dos casos de corrupção que são revelados ou revisitados neste relatório, o documento traça também um quadro negro relativamente às prioridades de investimento do Governo liderado pelo Presidente da República, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, desde 1979.

"Este relatório mostra como o Governo da Guiné Equatorial esbanjou a promessa possibilitada pela descoberta de petróleo, ao subfinanciar de forma grosseira as políticas sociais e gastar demasiado em projetos de infraestrutura polvilhados de corrupção e que são um desperdício", lê-se no sumário executivo.

Além de introduzir dados novos nos julgamentos que decorrem em França e em Espanha contra o filho do Presidente e atual vice-presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como 'Teodorin', o relatório da HRW "documenta como as empresas, total ou parcialmente detidas pelo Presidente, e membros da sua família e altas figuras do Governo, receberam grandes contratos públicos e, nalguns casos, os empresários dizem que foram encorajados por membros do Governo a apresentar propostas inflacionadas para que eles pudessem receber subornos consideráveis".

Sobre a gestão do Governo, a HRW diz que a saúde e a educação são as áreas mais subfinanciadas e que o acesso a estes dois serviços básicos é praticamente impossível, não só pelas condições de muitas escolas, mas também porque os preços cobrados pelos cuidados de saúde são proibitivos para os equatoguineenses.

"'Ou tens dinheiro para pagar ou então morres', disse à HRW um médico que trabalha no maior hospital da capital", lê-se no relatório, que publica diversas fotografias de escolas degradadas para comprovar os efeitos do subfinanciamento na educação da população.

"Metade das crianças que começam a escola primária nunca a acabam, e menos de um quarto dos que acabam prosseguem para a secundária", diz a HRW, que cita dados oficiais para sublinhar que em 2012 só 57% dos alunos estava no nível correto para a sua idade, o que mostra uma queda de 10 pontos face aos valores de 2000.”

Esse um quadro que não está diante da realidade nos chamados “países do terceiro mundo”, onde a corrupção alcança níveis insuportáveis.

Terceiro Mundo é um termo da Teoria dos Mundos, originado na Guerra Fria, para descrever os países que se posicionaram como neutros na Guerra Fria, não se aliando nem aos Estados Unidos e os países que defendiam o capitalismo, e nem à União Soviética e os países que defendiam o socialismo.

A Guiné Equatorial também está mencionada na operação Lava-Jato.

Troca de mensagens interceptadas pela Polícia Federal entre executivos da OAS revelam as relações próximas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e algumas das maiores empreiteiras do país na obtenção de contratos de obras públicas em países da África e na América Latina. Um caso emblemático revelado na 14ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada no Brasil, é o das negociações com o ditador da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, que governa o país a mão de ferro há 35 anos. Trata-se do mesmo governante que financiou, ao menos em parte, o desfile da escola de samba Beija Flor, campeã do carnaval 2015 do Rio de Janeiro com enredo em homenagem ao país africano – o patrocínio, afirmou na época um representante da Guiné Equatorial, foi iniciativa de empresas brasileiras que atuam no país.

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Não é de estranhar, pois, o que a imprensa noticiou sobre recente episódio envolvendo uma equipe do Executivo daquele país.

Como informou o Estadão, em 16 de setembro do corrente ano, a  Polícia Federal abordou a comitiva do vice-presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang, na sexta-feira, 14, e encontrou US$ 16 milhões em dinheiro e relógios de luxo. Segundo fontes ouvidas pelo Estado, dentro de maletas em posse na comitiva foram encontrados “vultosa soma de dinheiro em espécie, em diversas moedas”, e pertences de “elevado preço”.

O secretário da Embaixada da Guiné Equatorial, Leminio Akuben MBA Mikue, afirmou em depoimento à Polícia Federal que o vice chegou ao Brasil para ‘tratamento médico e posteriormente seguiria para Singapura em missão oficial’. Leminio Akuben MBA Mikue afirmou que os US$ 16 milhões estavam relacionados à missão oficial.

A comitiva foi abordada às 9h35 de sexta-feira. A aeronave Jumbo 77 em que estava o vice da Guiné Equatorial desembarcou na cidade com 11 passageiros. Obiang foi recepcionado e, por causa das prerrogativas do cargo, não foi inspecionado, mas sua equipe passou pelo crivo da Receita.

A  PF e a Receita verificarão agora a origem do dinheiro. Caso o Ministério Público  Federal entenda que possa ser fruto de corrupção, mesmo que praticada na Guiné Equatorial, a ocultação dos valores e sua não declaração à Receita podem ser indícios suficientes para os procuradores da República  oferecerem denúncia de lavagem de dinheiro.

Em dezembro de 2017, o vice-presidente da Guiné Equatorial estava sendo julgado   em um tribunal lotado e abafado de Paris, acusado de ter lavado dezenas de milhões de dólares na França. Os promotores alegam que Teodoro Nguema Obiang Mangue, vulgo “Teodorin”, recebeu cerca de US$80 mil por ano como ministro da Agricultura, mas, não se sabe como, comprou uma mansão de 101 cômodos em uma das ruas mais caras de Paris, além de dezenas de carros de super-luxo e relógios, roupas, vinho e obras de arte no valor de milhões de dólares.

O julgamento talvez assinale a primeira vez que um político de escalão tão alto e no exercício de seu cargo é julgado em outro país por um delito ligado à corrupção. O réu não se encontra em Paris – está sendo julgado à revelia –, mas o julgamento é um marco e exemplifica a importância de uma estratégia global no combate à corrupção.

O caso narrado no Brasil envolve aplicação das chamadas imunidades diplomáticas.

A questão das imunidades deve ser analisada a partir da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, assinada a 18 de abril de 1961, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 103, de 1964, e ratificada em 23 de fevereiro de 1965, e da Convenção de Viena sobre as relações consulares, de 24 de abril de 1963, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 6, de 1967, e ratificada em 20 de abril de 1967.

As imunidades diplomáticas referem-se a qualquer delito e se estendem a todos os agentes diplomáticos (embaixador, secretários da embaixada, pessoal técnico e administrativo das representações), aos componentes da família deles e aos funcionários das organizações internacionais(ONU, OEA, etc) quanto ao serviço . No caso de falecimento de um diplomata os membros de sua família continuarão no gozo dos privilégios e imunidades  a que têm direito, até a expiração de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado acreditado, como se lê do artigo 39, § 3º, da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas.

Estão cobertos pelas imunidades diplomáticas, o chefe do Estado estrangeiro que visita o país e ainda os membros de sua comitiva.

A inviolabilidade dos diplomatas se estende á residência particular ou oficial dos protegidos.

Por sua vez, estão excluídos das imunidades que foram referenciadas os empregados particulares dos agentes diplomáticos, a não ser que o Estado acreditante as reconheça. O Estado acreditado deverá exercer a sua jurisdição sobre tais pessoas de modo a não interferir demasiadamente com o desempenho das funções da missão diplomática.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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