Reflexões sobre os direitos humanos

18/09/2018 às 02:39
Leia nesta página:

Você está considerando o mundo pela realidade do mundo ou pela sua realidade? Você realmente é contra os direitos humanos ou é contra que eles sirvam a quem não é seu espelho?

Algumas pessoas propagam uma ideia bastante equivocada e simplista do que são os direitos humanos.

Pois bem, direitos humanos são os direitos básicos de quaisquer seres humanos, garantidos às pessoas pelo simples fato de serem humanas. São os direitos relacionados à garantia de uma vida digna a todas as pessoas, independentemente de cor, credo, sexo, gênero, orientação sexual e religião.

Certa vez uma pessoa me falou que achava que o problema dos direitos humanos era querer diferenciar as pessoas por trabalhar as especificidades dos seguimentos da sociedade, a exemplo dos direitos das mulheres, das pessoas negras, LGBT’s etc., afirmando ainda que a única diretriz deveria ser o respeito e tolerância a todas as pessoas e pronto.

Respondo: o norte dos direitos humanos é o respeito universal às garantias fundamentais, mas este norte não deve nos impedir de reconhecer as desigualdades que a sociedade ainda promove ao dar diferentes tratamentos a determinados grupos de pessoas, sobretudo as que mais sofrem preconceitos e violências naturalizadas. Reconhecer desigualdade não é propagá-la, é visibilizar para poder tratar. É como um diagnosticar uma doença para que se possa dar um remédio específico.

O direito do consumo, por exemplo, é um seguimento dos direitos humanos que não carrega tanto estigma, sabe por que? Por que todo mundo, mesmo os que afrontam estes direitos, sentem na pele o que é ser um consumidor em algum momento de suas relações sociais. Entretanto, ser mulher, ser uma pessoa negra ou LGBT, por exemplo, é uma condição de uma minoria social, de modo que só quem vive nesta pele sabe o real significado da afronta aos seus direitos humanos fundamentais ao longo de sua existência.

Certamente o grande estigma e rejeição aos direitos humanos venha da dificuldade das pessoas em ter empatia, ou seja, de se colocar no lugar do outro ou da outra e pensar que o mundo é conforme a sua perspectiva.

O diferencial de quem reconhece e trava uma luta em defesa dos direitos humanos, de fato universais, é compreender que o mundo é muito mais que o seu olho enxerga, o seu corpo sente e seu umbigo é cercado. Que existem outras realidades para além do seu pequeno universo social.

Friso que defender a humanidade de pessoas em cárcere, por exemplo, não é levantar uma bandeira de que a punição a estas pessoas não deva existir, muito pelo contrário. Mas compreender que mesmo aquelas pessoas, que em regra tiveram muitos outros direitos fundamentais agredidos antes da criminalidade, ainda continuam sendo seres humanos e, nos termos da lei penal brasileira, provavelmente ainda retornarão para vida em sociedade. Desumanizar pessoas é sem dúvida uma das maiores sementes da criminalidade, pois é a falta destes direitos em algumas trajetórias que, em muitos casos, as levam a um caminho em que elas mesmas não se enxergam como tal.

A política do “bandido bom é bandido morto” é um entendimento tão equivocado que uma simples reflexão a destrói, afinal seria uma política de pura punição e “enxuga gelo”, não de prevenção. É melhor matar bandidos ou evitar que pessoas entrem no mundo da criminalidade lutando para que todos e todas tenham acesso a garantias fundamentais como dignidade, educação, saúde e segurança?

Outra questão é que a política do “bandido bom é bandido morto” já é a política vigente, pois é justamente a camada social mais marginalizada que hoje mais morre e sem qualquer comoção, tornando-se apenas números para se promover uma falácia de que os que mais morrem são os considerados “homens de bem”.

Assim, a reflexão que este breve texto propõe é: Você está considerando o mundo pela realidade do mundo ou pela sua realidade? Você realmente é contra os direitos humanos ou é contra que eles sirvam a quem não é seu espelho?

Por fim, é importante frisar: o crime nunca vai acabar, algumas pessoas continuarão cometendo crimes mesmo com todo acesso aos direitos básicos, afinal sempre existirão os crimes de oportunidade, as patologias e várias outras razões individuais que independem de classe, cor ou gênero, para o cometimento do crime. Mas estas pessoas são a exceção que não pode ser tratada como regra.

Mas a grande questão, e que fará muita diferença sobretudo nos indicadores de criminalidade, é considerar que realmente existem fatores de prevenção associados ao acesso aos direitos humanos, que existem muitas pessoas “recuperáveis” e que hoje a punição também é seletiva, basta olhar um retrato da população carcerária brasileira.

Assim, pensar com perspectiva de direitos humanos é mais que uma questão de empatia, é uma questão de sensatez e de estratégia.

 

 

 

 

 

Sobre a autora
Anne Caroline Fidelis de Lima

Advogada, bacharela em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, professora universitária, mestra em sociologia pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduada em direito civil, processo civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB/AL e em gestão pública municipal pela Universidade Federal de Alagoas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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