A responsabilidade civil das Agências de Viagens nos casos de atrasos de voo, extravio de bagagem ou perda de conexão

18/09/2018 às 13:56
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As falhas nos serviços prestados a passageiros em viagens de avião são recorrentes. Todavia, não só a companhia aérea pode ser responsabilizada ao pagamento de danos morais ou materiais, mas também (em certas hipóteses) as agências de viagens.

É bastante comum ouvir queixas e reclamações de passageiros por conta de atrasos de voo, perdas de conexão ou extravio de bagagens. Normalmente, tais passageiros buscam a responsabilização civil diretamente em face da companhia aérea por conta de tais infortúnios. Entretanto, vale destacar que, em muitos casos, a companhia aérea que fez a venda do pacote de viagens também pode ser responsabilizada, de forma solidária, pelo pagamento de indenização ao passageiro.

Destarte, no que diz respeito à possibilidade de exigir a reparação pela má prestação de serviços da companhia aérea que comercializou as passagens, não restam quaisquer dúvidas. Agora, apenas para que não restem dúvidas também a respeito da possibilidade de se pleitear a indenização diretamente em face das agências de viagens, uma vez que a relação de consumo se dá diretamente entre elas e o consumidor – quando esta adquire o pacote de viagens -, traz-se o seguinte entendimento:

"A relação contratual do consumidor é com a agência de viagem, podendo exigir desta a qualidade e a adequação da prestação de todos os serviços, que adquiriu no pacote turístico contratado, como se os outros fornecedores seus prepostos fossem" (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 378).

Neste sentido, vale destacar que um dos requisitos mais exigidos pelos Tribunais pátrios para que reste configurada a possibilidade de responsabilização solidária da agência de viagem é a aquisição de um pacote de viagem. Desta forma, o Desembargador Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, asseverou que para que reste caracterizada a aquisição de pacote de viagem, basta que sejam adquiridas passagens aéreas e “alguma circunstância terrestre, como hospedagem”, por exemplo (Apelação Cível n. 0003731-26.2011.8.24.0082, da Capital - Continente, rel. Des. Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 06-11-2017). 

Desta maneira, não basta que a agência de viagem tenha feito apenas a intermediação da compra entre o consumidor e a companhia aérea (na verdade, esta é, inclusive, uma das matérias de defesa mais utilizadas pelas agências ao pleitear sua ilegitimidade passiva), mas se torna necessário observar se houve a aquisição de um pacote turístico junto à agência.

Analisando a jurisprudência, cita-se, como exemplo, trecho da ementa do acórdão proferido na Apelação Cível n. 2008.001843-4, da Capital, cujo Relator foi o Des. Luiz Fernando Boller, também do TJ-SC:

APELAÇÕES CÍVEIS RECIPROCAMENTE INTERPOSTAS. AÇÃO INDENIZATÓRIA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. DEMANDANTES QUE OBJETIVAM A MAJORAÇÃO DO QUANTUM RELATIVO AO DANO MATERIAL.(...) EXTRAVIO DE BAGAGENS EM VIAGEM AO EXTERIOR. APLICABILIDADE DO CDC EM DETRIMENTO DA CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. FATOS OCORRIDOS SOB A VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.078/90. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA OPERADORA DE TURISMO. ALEGADA RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DA EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO. CONSUMIDORES QUE ADQUIRIRAM O PACOTE TURÍSTICO DIRETAMENTE NA AGÊNCIA DE VIAGENS, QUE RESPONDE OBJETIVAMENTE PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS. PRELIMINAR AFASTADA. (...) DENUNCIAÇÃO À LIDE DA EMPRESA DE AVIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EXPRESSA VEDAÇÃO NO ART. 88 DA LEI Nº 8.078/90. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE E CELERIDADE NA DEFESA DOS DIREITOS CONSUMERISTAS. PREAMBULAR REJEITADA. EXTRAVIO DE BAGAGEM DURANTE VÔO A PARIS. FATO INCONTROVERSO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA AGÊNCIA DE TURISMO. DANO E NEXO CAUSAL SUFICIENTEMENTE COMPROVADOS. INAFASTÁVEL OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.

Nota-se que o entendimento do TJ-SC não é apenas pela possibilidade de responsabilização direta da agência de viagens, mas, sobretudo, pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao posicionar-se pela desnecessidade de se provar a culpa da agência na falha pela prestação nos serviços.

Traz-se à baila também o acórdão proferido na Apelação Cível n. 2013.023219-5, de Itajaí, cujo Relator foi o Des. Jorge Luiz de Borba:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. PASSAGENS AÉREAS INTERNACIONAIS VENDIDAS ALÉM DO NÚMERO DE ASSENTOS DESTINADOS AO VÔO. OVERBOOKING. PRÁTICA INDEVIDA. LEGITIMIDADE DA AGÊNCIA DE VIAGENS PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA LIDE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA FORNECEDORA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TRANSTORNOS CAUSADOS AOS PASSAGEIROS QUE ANTECIPADAMENTE ADQUIRIRAM SUAS PASSAGENS PARA DESFRUTAREM DA SUA LUA DE MEL. RETORNO AO BRASIL OCORRIDO DOIS DIAS APÓS O PREVISTO. ABALO MORAL CARACTERIZADO. MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE RESSARCIR. MAJORAÇÃO DO QUANTUMINDENIZATÓRIO DE ACORDO COM O PRATICADO NESTA CORTE. PROVIMENTO SOMENTE AO RECURSO DA PARTE AUTORA.

Ou ainda:

RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE AÉREO. HORÁRIO DA VIAGEM DE IDA ADIANTADO MESES ANTES DO EMBARQUE, SEM COMUNICAÇÃO AOS AUTORES, OCASIONANDO PERDA DO VOO QUE OS LEVARIA AO DESTINO FINAL. AQUISIÇÃO DE OUTRO BILHETE PARA NÃO PERDEREM UM DIA DE VIAGEM. PASSAGEM DE VOLTA CANCELADA UNILATERALMENTE. REACOMODAÇÃO EM VOO COM DESTINO A CIDADE DIVERSA DA INICIALMENTE CONTRATADA. DANOS MATERIAL E MORAL DEVIDAMENTE CARACTERIZADOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA COMPANHIA AÉREA E A DA AGÊNCIA DE VIAGENS. INDENIZAÇÃO MANTIDA EM R$ 10.000,00 A CADA AUTOR. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Cível n. 0002670-36.2012.8.24.0005, de Balneário Camboriú, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 21-03-2017)
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Vale relembrar, ainda, que nestes casos a agência de viagem integra a cadeia de fornecimento, caracterizada pelo art. 7º, parágrafo único, do CDC. Isto porque, em algum momento, ela fez parte do fornecimento do produto ou serviço ao consumidor, podendo ser responsabilizada solidariamente, junto da companhia aérea, pela má prestação do serviço.

Trazendo um exemplo jurisprudencial, vale destacar decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – no julgado, a agência de viagem foi condenada, de forma solidária, porque “a sua obrigação é de resultado (no caso em liça, a realização da viagem como prevista e sem os percalços ocorridos, cujas passagens aéreas intermediou ou trocou por milhas ...)”:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALTERAÇÃO UNILATERAL DE VOO, COMPROMETENDO A VIAGEM DO AUTOR E DA SUA FAMÍLIA. VIAGEM AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (CIDADES DE LOS ANGELES E LAS VEGAS). DEVER DE INFORMAR. COMPANHIAS PARCEIRAS. ACORDO FIRMADO DEPOIS DA SENTENÇA ENTRE O AUTOR E A COMPANHIA AÉREA DEMANDADA. APELAÇÃO DA EMPRESA SUPERBÔNUS VIAGENS, ADMINISTRADORA DO PROGRAMA DE BÔNUS DE FIDELIZAÇÃO DO BANCO SANTANDER. DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. A celeuma suscitada pela apelante não se desenvolve como pretende fazer crer. Em síntese, a ré protesta por ter sido considerada integrante da cadeia de fornecedores de serviços ao consumidor, e, portanto, obrigada solidária; afirmando não ter tido qualquer ingerência nos fatos que deram ensejo à propositura da ação, uma vez que a sua participação, na condição de administradora do programa de bônus do Banco Santander, se ultimou com a venda e confirmação de pagamento das passagens mediante o saldo de pontos que o apelado possuía em seu cartão de crédito. Destarte, pretende que a relação jurídica em debate se restrinja ao autor e a companhia aérea. Não tem razão a ré e a sentença, diga-se de passagem, foi até mesmo benigna para com a apelante, poupando-a da condenação pelos danos materiais, muito por considerar, a sentenciante, o fato de a transportadora (companhia aérea DELTA AIR LINES INC.) ter maior poderio econômico. Como fornecedora de serviços e integrante, sem dúvida, da cadeia de fornecedores, responde pelo incidente e deus desdobramentos, pois a sua obrigação é de resultado (no caso em liça, a realização da viagem como prevista e sem os percalços ocorridos, cujas passagens aéreas intermediou ou trocou por milhas, não importa), não se exaurindo a sua obrigação no momento em que finalizou a venda das passagens ao consumidor; (...) (Apelação Cível Nº 70071635197, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 30/03/2017)

Ou ainda:

APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE. TRANSPORTE DE PESSOAS. AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS MORAIS. ILEGITIMIDADE "AD CAUSAM" DA FORNECEDORA RÉ. TEORIA DA ASSERÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DANO MORAL "IN RE IPSA". "QUANTUM".MINORAÇÃO. Preliminar de ilegitimidade passiva "ad causam" que vai rejeitada, com base na Teoria da Asserção, à luz da qual devem ser lidos os termos da exordial. Responsabilidade da agência de viagens que se afirma, ante o descabimento da interpretação do art. 14, §3º, do CDC, no sentido de atribuir responsabilidade individualizada a membro específico da cadeia de fornecedores. Reconhecimento da ocorrência de dano moral "in re ipsa" que se mantém, como desdobramento da falha na prestação do serviço, relativamente aos equívocos na emissão do bilhete aéreo dos autores. "Quantum" indenizatório respectivo que também se mantém, tal como fixado na sentença, pelo Juízo de primeira instância. Preliminar rejeitada. No mérito, apelação cível desprovida. (Apelação Cível Nº 70074248097, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 19/10/2017)

Desta forma, não restam dúvidas de que há a incidência, quando da contratação de um pacote de viagens, do Código de Defesa do Consumidor, especialmente por conta do artigo 3º, § 2° (que trata do fornecimento de produtos e/ou serviços mediante remuneração) - sobretudo quando se tem ciência de que a companhia aérea comercializou as passagens e forneceu o transporte aéreo, e de que as agências de viagens – que venderam o pacote de viagem -, e que são uma espécie de agência de turismo, são definidas pelo artigo 27 da Lei n. 11.771/2008 como “a pessoa jurídica que exerce a atividade econômica de intermediação remunerada entre fornecedores e consumidores de serviços turísticos ou os fornece diretamente”.

Portanto, fica bastante clara a possibilidade de se pleitear a responsabilização civil, de forma solidária, entre a companhia aérea e a agência de viagem que tiver realizado a venda do pacote turístico, opção vantajosa ao consumidor tendo em vista que abre-se uma possibilidade maior na eventual busca pela reparação indenizatória. 

Sobre o autor
Luiz Fernando Calegari

Advogado, OAB/SC 49886, sócio do escritório Fontes, Philippi, Calegari Advogados, graduado em Direito (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC), Especialista em Direito Civil (Rede LFG) e em Compliance Contratual (LFG), Mestrando em Direito (UFSC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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