A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o habeas corpus nº 399.109-SC, por 6 votos (Ministro Rogério Schietti, Reynaldo Soares da Fonseca, Félix Fischer, Antonio Saldanha, Joel Paciornik, Antonio Saldanha Palheiro) à 3 (Min. Maria Thereza, Min. Jorge Mussi e Min. Sebastião Reis) uniformizou o entendimento das 5ª e 6ª Turmas sobre a interpretação do art. 2º, II, segunda figura, da Lei nº 8.137/90, para os casos de ICMS declarado e não pago, decidindo que o não recolhimento de ICMS, ainda que referente à operações próprias devidamente declaradas ao Fisco, caracteriza crime e não mero inadimplemento fiscal.
Este precedente uniformizou os entendimentos anteriores da 5ª e 6ª Turma que divergiam quanto à questão. Isso porque, ao analisar o tipo penal previsto no art. 2º, II, segunda figura, da Lei nº 8.137/90, a 6ª Turma distinguia as hipóteses de inadimplência de ICMS referente às operações próprias e inadimplência de ICMS decorrente de substituição tributária. Entendo que, quando se discutia o não pagamento de ICMS devido de operações próprias devidamente declarado, o fato seria atípico, pois não teria havido cobrança ou desconto de valor de terceiros, uma vez que o comerciante vende a mercadoria com ICMS embutido no preço, não havendo, portanto, no que se falar na ocorrência de crime. Por outro lado, tratando-se de hipótese de substituição tributária o delito estaria configurado em razão da prévia cobrança.
Já para a 5ª Turma, não havia qualquer distinção se o valor do tributo foi descontado ou cobrado do substituto tributário ou do consumidor, considerando-se criminosa ambas as hipóteses. O ponto central da questão residia na interpretação das expressões típica tributo “descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação”.
Uniformizando o entendimento das duas turmas do STJ, a nova decisão entendeu que os termos descontado e cobrado abrangem tanto os tributos diretos quanto aqueles em que há responsabilidade por substituição, sendo irrelevante para a configuração do delito a existência da declaração. Segundo a decisão, nas operações próprias, o ICMS é cobrado do consumidor e, por isso, o não repasse pelo comerciante aos cofres públicos deve ser considerado como uma modalidade de apropriação indébita tributária.
Em que pese ainda caiba recurso ao Supremo Tribunal Federal e a decisão não tenha caráter vinculante, é evidente que irá impactar diretamente casos de inadimplemento de ICMS de operações próprias devidamente declaradas, sendo um péssimo precedente.
Vale destacar ainda que, nestes casos, a instauração de inquérito policial e eventual ação penal pode se dar a partir do momento em que o tributo não é recolhido, ainda que não tenha ocorrido a constituição definitiva do crédito tributário.
*Guilherme Cremonesi é gestor da área penal do escritório de advocacia empresarial Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, é também Presidente da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/Campinas e Presidente da Comissão de Criminal Compliance do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento de Relações Empresariais Internacionais – IBREI.