Considerações sobre o tipo do núcleo verbal embaraçar em organização criminosa

18/09/2018 às 18:41
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Portanto, antes de investigar, antes de se punir alguém por embaraçar investigação de infração penal que envolve organizações criminosas, primeiro é necessário observar o principio da legalidade da norma penal sobre cada um dos núcleos verbais que integra

Conforme dispõe o § 1º, do artigo 2º, da Lei 12.850/2013 o indivíduo que impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolve organização criminosa incorre na mesma pena prevista no caput para aquele que promove, constitui, financia ou integra organização criminosa, a saber, reclusão de 03 (três) a 8(oito) anos, e multa.

A doutrina classifica este dispositivo como tipo penal alternativo misto que apesar de dispor mais de um comportamento ou núcleo verbal, basta à ocorrência de apenas um deles para sua consumação.

A estrutura típica adotada pelo legislador brasileiro no § 1º, do artigo 2º, da Lei 12.850/2013, diz que responderá penalmente pelo cometimento desse delito tanto o sujeito que praticar uma ação dolosa que impeça a investigação de um crime que envolva uma organização criminosa, quanto o agente que praticar um comportamento doloso que a embarace de qualquer outra forma.

Isso não quer dizer que o agente que embaraça deva ser investigado nos autos que apuram condutas paralelas.

O procedimento instaurado para apurar as condutas voltadas a embaraçar investigação pertinente ao delito de organização criminosa comporta apreciação independente, sem imbricação necessária e automática com os crimes encartados no bojo dos autos cuja apuração pretende-se ludibriar.

A circunstância de eventual obstrução constituir-se como produto finalístico da investigação que se deseja assolar, contendo até mesmo fatos próximos em seu aspecto subjetivo, mas ambos os fatos devem ser vistos paralelamente, de modo que o primeiro deles supostamente almeja a prática de condutas no contexto de organização criminosa, enquanto que o sobressalente objetiva causar empecilhos à elucidação daquela primeira circunstância delitiva.

Por outro lado, o termo utilizado pelo legislador “embaraçar investigação criminal” não comporta elasticidade para igual compreensão típica de “embaraçar ação penal” numa fase judicial, porque tais termos encontram-se diferenciados na criminalização de conduta de denunciação caluniosa disposta no artigo 339 do Código Penal, confira-se: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”

Já com relação ao primeiro núcleo verbal contido no § 1º, do artigo 2º, da Lei 12.850/2013 que é impedir a investigação de crime que envolva organização criminosa a sua análise não enfrenta maiores dificuldades, já que a infração penal estará consumada quando alguém dolosamente obstar o início de uma investigação de um delito que envolva organização criminosa ou quando alguém fizer cessar a continuidade de uma investigação que já se encontra em andamento.

Prevalece neste caso o entendimento de que o crime de impedir investigação de organização criminosa é um delito material que somente se configura quando a investigação é efetivamente inviabilizada pelo ato do agente.

As interpretações na doutrina sobre eventual possibilidade de se considerar punível a tentativa, pois se o agente tenta “impedir” mas não consegue por circunstâncias alheias a sua vontade, comete embaraço na investigação criminal da qual não me arrimo já que uma conduta não pode ser automaticamente levada, pois, a tentativa de impedir não necessariamente poderá causar o ato de embaraçar qualquer investigação.  

Desta ordem, se por um lado, a primeira parte do § 1º, do artigo 2º da Lei 12.850/2013 não oferece maiores resistências o mesmo não acontece com o núcleo verbal insculpido na segunda parte do § 1º, do artigo 2º, da referida lei pela inconsistência do núcleo do verbo muito mal utilizado pelo legislador.

Nas lições doutrinarias “embaraçar” investigação criminal é sinônimo do termo “impedir”. Na realidade na essência “impedir” é mais forte e provoca cessação; já “embaraçar” é menos intenso significa causar dificuldade.

Na pratica a doutrina tem sido tendenciosa a equiparar a conduta de “embaraçar” com a conduta de “dificultar” que significa obstar, estorvar, dificultar, tumultuar, confundir, perturbar ou atrapalhar investigação criminal, ou seja, dificultar é criar embaraços e vice-versa.

Nesse contexto de incertezas que pairam sobre o referido verbo não se pode negar a possibilidade de se questionar a inconstitucionalidade da segunda parte do § 1º, do artigo 2º da lei 12.850/2013 em razão de uma possível afronta ao princípio da legalidade insculpido no artigo 5º inciso XXXIX da Constituição Federal.

Tal questão merece atenção, pois, não se pode punir acusados de praticar infrações penais quando as próprias leis penais não estão revestidas sequer de segurança jurídica, clareza e de precisão que garanta a defesa do infrator respeitando o devido processo legal.

Questões mal definidas como no presente caso; além de dificultar a interpretação, além de não evitar, não se consegue descontinuar a infração, levando mais ao arbítrio dos órgãos de persecução penal contra aqueles que contrariam os seus interesses do que punir condutas de quem de fato praticam embaraço no contexto de investigações.

Fatos que já saltam os olhos em prejuízos não só de investigados, mas dos próprios advogados que militam em áreas de atuação do direito penal, que fere o direito de ampla defesa e, estreita à paridade de armas necessárias aos combatentes advogados que passaram atuar de forma preocupante ficando quase sempre exposto a vulnerabilidades de seus constituídos e a violações de suas prerrogativas.

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Apenas, como exemplo não se pode dizer que o investigado comete embaraço a investigação se faltar com a verdade no seu interrogatório, não se pode dizer que cometerá embaraço se permanecer em silêncio, porque tais embaraços são garantidos pelo artigo 5º, LXIII, da CF, tampouco, pode se dizer que o advogado que aceita o patrocínio de mais de um cliente no mesmo bojo investigativo possa ser investigado pela conduta de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa em razão de combinação de teses defensivas já que tais fatos estão abrigados não só pelo direito constitucional de ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), como também pelo Estatuto da Advocacia.

Portanto, antes de investigar, antes de se punir alguém por embaraçar investigação de infração penal que envolve organizações criminosas, primeiro é necessário observar o principio da legalidade da norma penal sobre cada um dos núcleos verbais que integram o § 1º, do artigo 2º, da lei 12.850/2013, bem como, a diferença existente entre uma investigação e um processo judicial garantindo aos advogados e seus constituintes o princípio do devido processo legal observando-se os princípios das garantias fundamentais de forma a viabilizar o direito de ampla defesa e o exercício legal da profissão sem o risco para investigados e advogados que vulneráveis ao arbítrio possam ser acusados indevidamente de impedir ou embaraçar investigação de condutas penais decorrentes de organização criminosa.   


referÊncias bibliográficas:

Bittencourt, Bussato, op. cit, pag 84

Nucci, op. cit, p 30-31

Blanco Advocacia , cit, artigo , p. 28 site 

Munoz Conde, Francisco, Garcia parte general p. 103       

Sobre o autor
ENDERSON BLANCO DE SOUZA

ENDERSON BLANCO é advogado criminalista formado em direito pela Universidade de Guarulhos, é pós-graduado em direito processual penal pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, em Direito Penal Econômico e Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em Portugal, especialização em Direito Penal Econômico pela FGV. É frequentador constante de vários cursos de aprimoramento profissional formado por grandes mestres em Direito e profissionais de notório saber jurídico que contribuem com o conhecimento e enriquecimento jurídico desse causídico; É militante da advocacia criminal desde 1.997; atuando primordialmente em Direito Penal Econômico ao qual costuma ser definido com expressões como “crime de colarinho branco” e “crime dos engravatados”, as quais reproduzem os termos estadunidenses “crimes of the powerful”, “white collar criminality” e “criminality of the upper world”, entre outros crimes assim definidos pelo Código Penal, que agrupam entre outros, a defesa penal ou investigação policial de sócios, diretores, administradores, pessoas físicas ou jurídicas de médio e pequeno porte que voluntariamente ou involuntariamente se vejam envolvidos com crimes relacionados a seus negócios ou atividades comerciais. Está devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, secção de São Paulo, sócio ativo da Associação dos Advogados de São Paulo e do Instituto Brasileiro de ciências Criminais onde tem colaborado frequentemente com diversos artigos jurídicos em prol da advocacia criminalista e de todos os advogados militantes na área criminal. É membro da Comissão de Direitos Humanos e de Prerrogativas da OAB; Já participou de diversas operações midiáticas envolvendo comerciantes e empresários a pretexto de acusações de autoridades Municipais, Estaduais e Federais, dentre elas, destacam-se de 2004 a 2018, “Operação Satiagraha”, “OperaçãoVeredas”, “Operação Downtown”, “Operação Receita de Natal”, “Operação Canal Vermelho II”, “Operação Láparos”, “ Operação Farol da Colina”, Zelotes, “Saqueador”, “Véu Protetor”, “Pontes de Miranda” entre outras. Participou ainda de quase todas as Operações deflagradas pela Prefeitura da Capital de São Paulo, contra o comércio ilegal e irregular nos grandes Shoppings Populares da Região Central e Av. Paulista; Nossa missão é construir sempre um bom relacionamento ao longo do tempo, através da confiança, da honestidade e da segurança jurídica de prestar o melhor serviço de advocacia criminal a favor de todos os clientes que se sintam a vontade em nos consultar e confiar sua causa de modo a persistirem para todo o sempre os laços que os uniram. É sócio e integrante do escritório “BLANCO ADVOCACIA” que pela análise da revista 500 mais está entre os escritórios criminalistas mais admirados e recomendados da Capital de São Paulo, é composto por advogados criminalista experientes, éticos que aliado a parcerias especializadas tem atuado obedecendo aos mais rigorosos princípios éticos, sempre perseguindo a melhoria contínua do seu relacionamento com seus pares da advocacia e fieis clientes. Nossa missão é construir sempre um bom relacionamento ao longo do tempo, através da confiança, da honestidade e da segurança jurídica de prestar na medida do possível o melhor serviço de advocacia criminal a favor dos clientes de modo a persistirem para todo o sempre o laços que os uniram. É palestrante assíduo em seminários com o título " A formação de espetáculo nos crimes empresariais"

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Contribuição jurídica para a doutrina e jurisprudência sobre o aprofundamento do campo de vista dogmático jurídico nas investigações penais nas organizações criminosas, o Autor possui vários artigos jurídicos elaborados em sites jurídicos.

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