O Aborto numa abordagem de direito civil

Questões que tem passado a latere na discussão penal do tema

19/09/2018 às 11:56

Resumo:


  • O debate sobre o aborto no STF está focado principalmente na esfera penal, mas a questão é mais complexa e envolve também aspectos civis.

  • Existem implicações diretas no direito civil em relação aos direitos do nascituro, como a proteção aos direitos de personalidade desde a concepção.

  • A discussão sobre o aborto envolve questões técnicas e éticas que vão além do aspecto criminal, incluindo a proteção da vida desde a concepção e a necessidade de um debate mais amplo e maduro sobre o tema.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em momento em que o STF se prepara para analisar a questão do aborto sob um viés criminal, busca-se levantar alguns aspectos de direito civil que parecem estar sendo esquecidos mas que são relevantes para a resolução do impasse

QUESTÕES CÍVEIS RELEVANTES A RESPEITO DO ABORTO QUE ESTÃO PASSANDO A LATERE NO STF

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA

MAGISTRADO E PROFESSOR DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO DA UNITÁ FACULDADE E DA UNIP CAMPINAS, COORDENADOR NACIONAL DA PÓS GRADUAÇÃO EM PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL DA ESD E DA PÓS EM DIREITO MÉDICO DA VIDA FORMAÇÃO EM SAÚDE, AUTOR DE LIVROS E ARTIGOS JURÍDICOS MESTRE EM PROCESSO CIVIL PELA PUC-CAMPINAS, ESPECIALISTA EM DIREITO PRIVADO PELA USP

Muito se tem discutido no país, a questão do aborto, sob a sua perspectiva criminal, inclusive diante de posicionamentos do STF em julgamento do crime de aborto e a partir de ADPF movida por um partido político, observando-se intenção movimentação de grupos de ativistas pró e contra o aborto em audiências públicas.

No entanto, há um exame que me parece simplista, resumindo a questão somente ao âmbito da seara penal, quando em verdade, a questão é muito mais complexa, com vieses que apontam ramificações diretas no âmbito cível, como se pretenderá expor nesta oportunidade.

Não obstante eu tenha opinião formada a respeito do tema, procurarei examinar a questão sob uma perspectiva preferencialmente técnica, destituída de ideologias ou sentimentos pessoais, eis que existem, como apontarei, obstáculos técnicos em torno da questão que a tornam muito mais complexa do que a simplista discussão dos aspectos penais.

Isso porque, como professor de direito de família tenho observado de modo atônito que a discussão, há mais de ano, parece ter como foco central a questão a luz do direito penal e do direito da mulher ao próprio corpo (não o nego, isso é evidente, mulheres tem direito ao próprio corpo, mas, em que medida, o óvulo fecundado não seria outro corpo ?) enquanto que isso tem óbvias implicações no direito civil - aliás, basta ver o Enunciado nº 1 das Jornadas de Direito de Família, para que se constate que já se entende que existe vida desde a concepção (nidação do ovo no útero, como aponta a Professora SIlmara Chinelato).

Sobre a questão, observe-se a transcrição literal:

ENUNCIADO Nº 1: A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.

Disso se extrai, inequivocamente, que os direitos de personalidade se adquirem independentemente do nascimento com vida. Em síntese, o feto já tem direito à vida, na perspectiva civil – do contrário os alimentos gravídicos não seriam possíveis ou haveria necessidade de repetição dos alimentos se o nascituro não viesse ter entrada de ar nos pulmões.

Isso, aliás, explica discussões de biodireito e bioética no sentido de que não se devam descartar embriões excedentários, antes de três anos, a proteção do nome (direito de personalidade) do natimorto (não é mais uma questão de capacidade condicional mas de efetivo direito desde a concepção).

Outro detalhe, se preservamos a vida desde a concepção (hoje vi um comentário do no CONJUR que duas células não podem prevalecer sobre bilhões de células - a questão não é essa - essas duas também virarão bilhões), o fato é que o feto não se confunde com o corpo da mulher, é outro corpo - simples assim.

E se todos tem direito ao contraditório efetivo, qualquer procedimento tendente a extirpar a vida latente do nascituro deve pressupor a indicação de um curador ao mesmo - do contrário o procedimento (a CF é clara no sentido de que o contraditório resta como inerente ao processo e ao procedimento administrativo) será inexistente por falta de capacidade postulatória negada ao nascituro - coloco isso para ilustrar como o tema suscita discussões muito mais profundas do que as que estão sendo colocadas, de modo raso, numa discussão criminal.

Nessa medida, não criminalizar o aborto no âmbito criminal é permitir-se a supressão de indivíduo dotado de direitos no âmbito do direito privado – direitos materiais e direitos processuais.

Alguns partidos políticos não conseguem maioria para a aprovação de suas pautas no Congresso Nacional – que representa a população e que, se sabe, é majoritariamente contra o aborto. Esses mesmos partidos agora tentam uma reversão no âmbito do Supremo Tribunal Federal analisando a perspectiva puramente criminal, mas existem, repito, implicações e impactos diretos no âmbito do direito civil

No Uruguai, citado com exemplo progressista de algumas correntes, por exemplo, em que se verificou a legitimação do aborto nos primeiros meses de gravidez, a Corte Constitucional se deparou com outra questão cível instigante. Em caso de separação, pode a mãe abortar o nascituro daquele pai, contra a sua vontade ? Isso lá não foi permitido, concedendo-se liminar ao pai.

O Livro Freaknomics aponta no sentido de que a permissão do aborto diminui a violência eis que os que tendem a ser violentos, por não serem amados (o que seria uma justificativa sociológica para o aborto), não nasceriam, mas pondero, também para iniciar a discussão:

Com tantas pessoas querendo adotar neste país, com todos os percalços que as mesmas tem que passar para adotar uma criança, não seria mais lógico que se permita que essas crianças venham a nascer e se organize um cadastro para que já sejam encaminhadas a uma família que as queira, desde o primeiro dia ?

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Repito, mulheres e homens tem direito ao próprio corpo, mas não tem direito de matar vida que não é órgão de seu corpo. Em última análise, tenho visto analogias no sentido de que se tenha a proteção de filhotes e ovos de animais (tartarugas, por exemplo) por grupos ambientalistas (postura mais do que louvável, diga-se de passagem).

Mas não haveria aí, uma certa desproporcionalidade, tratando-se a vida humana com menos valor do que a vida de uma animal (sabe-se que os animais no moderno direito europeu estão perdendo a natureza de coisas para se constituírem em categoria própria, mas não se permite que tenham precedência sobre a vida humana – haveria séria desproporcionalidade).

Sei que muitas pessoas se submetem a situações indignas buscando realizar abortos clandestinos em clínicas irregulares, mas isso não parece ser justificativa para que se ignore que existam aspectos cíveis da questão e o fato de que o feto não tem culpa alguma pelo comportamento de seus pais - restaria para ele pagar pelos erros de planejamento de seus genitores, o que igualmente não parece despontar como razoável ou proporcional.

Sei que suscitarei polêmica, mas não pretendo tolher o direito de quem quer que seja, de questionar minhas opiniões, mas o faço apenas e tão somente para suscitar um debate mais maduro e completo em torno dessa questão do aborto.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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