A suspensão do poder familiar por condenação irrecorrível

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A suspensão do poder familiar por condenação irrecorrível

O Artigo 227 da Constituição garante ao infante a proteção integral e, dentro desse conceito, há a garantia da prioridade absoluta, sendo dever da família, do Estado juntamente com a sociedade proporcionar um ambiente e condições de que estes direitos sejam efetivamente cumpridos.

Já o Artigo 229 da Carta Magna estabelece o dever de assistência, criação e educação dos pais para com os filhos menores, garantindo a reciprocidade assistencial dos filhos aos pais na velhice, carência ou enfermidade.

Para tanto, os pais possuem poder familiar de seus filhos, isto é, aqueles podem dirigir a criação e a educação destes, exercer a guarda unilateral ou compartilhada, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior, conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município, nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar, representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha, exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição, conforme preceitua o artigo 1.634 do Código Civil.

“Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.”.

Da mesma forma dispõe o Artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA):

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Caso o pai ou a mãe abusar do seu dever para com seus filhos, ou seja, se os pais por omissão ou comissão, desviar da finalidade de seus deveres, ou exceder em seus atos e por consequência violar os direitos do filho, os pais abusadores podem ter suspenso seu poder familiar ou mesmo perder dependendo do caso.

Nestes casos, o juiz acionado por algum parente ou pelo Ministério Público, pode aplicar medida que lhe pareça correta para efetivar a proteção dos direitos do infante, podendo inclusive suspender ou provocar a perda do poder familiar aos pais. Esse é o teor do artigo 1637 do Código Civil, senão vejamos:

"Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha."


Antes de prosseguirmos, importante fazer a distinção entre: I - extinção do poder familiar; II - suspensão do poder familiar e; III - perda do poder familiar.

A extinção do poder familiar se da de duas formas: de forma automática por algum fator independente (sem responsabilização), como é o caso da maioridade do filho e no caso de morte dos pais, ou se dá por uma decisão judicial, do qual chamamos "perda do poder familiar" (com responsabilização).

Assim, pode se entender que a perda do poder familiar é uma das formas de extinção.

As hipóteses de extinção do poder familiar estão previstas no artigo 1.635 do Código Civil, senão vejamos:

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;

III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.


A perda do poder familiar ocorre nos casos em que os pais castigam imoderadamente o filho, deixa o filho em abandono, pratica atos contrários à moral a aos bons costumes e incidir reiteradamente nas condutas que levam a suspensão do poder familiar.

Nesse diapasão, o II do artigo 92 do Código Penal prevê um efeito específico, que é a perda do poder familiar, tutela e curatela, no caso de crime doloso e com pena de reclusão, contra os filhos, tutelados e curatelados.


Com relação às hipóteses para a suspensão do poder familiar, estas estão previstas no Artigo 1.637 do Código Civil estão relacionadas com atos abusivos praticados pelos pais, seja pelo abuso do dever para com os filhos, praticando atos que desviem a finalidade do dever constitucionalmente impostos aos pais, ou mesmo se abusarem do poder à eles conferidos excedendo em seus atos, arruinando os bens dos filhos, ou mesmo se os pais forem condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão, a autoridade judiciária poderá suspender-lhes o poder familiar.

Este é o texto do parágrafo único do Artigo 1.637 do Código Civil:

"Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão."

Vale dizer que, a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo por si só para causar a suspensão ou a perda do poder familiar, conforme dispõe o Artigo 23 do ECA.


A questão é: A suspensão do poder familiar, diante a situação de sentença condenatória irrecorrível é aplicada automaticamente ou deve constar expressamente na sentença? Por quanto tempo se dá a suspensão?

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Tanto a perda do poder familiar quanto a suspensão, o procedimento será o mesmo, devendo ser decidido judicialmente, conforme prevê artigo 24 do ECA:

Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

O procedimento da suspensão e da perda do poder familiar estão previstos nos artigos 155 a 163 do ECA.

Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.

A suspensão do poder familiar pode ser sempre revista, quando superados os fatores que a provocaram.

Neste sentido, descreve Paulo Lôbo[1]:

A suspensão pode ser total ou parcial, para a prática de determinados atos. Esse é o sentido da medida determinada pelo juiz, para a segurança do menor e de seus haveres. “ [...]

Cessada a causa que levou à suspensão, o impedido volta a exercer o poder familiar plenamente, ou segundo restrições determinadas pelo juiz”

No caso de suspensão do poder familiar por condenação irrecorrível, a suspensão do poder familiar, durará até o quanto durar o cumprimento da condenação.

Conforme explica Jéssica Ramos Farineli [2]:

“Pode-se dizer que a condenação, seja ela a imposição de pena privativa de liberdade, restritiva de direitos, de multa ou medida de segurança, é o efeito principal da sentença criminal condenatória. Existem também outros efeitos, ainda no âmbito penal, denominados secundários, como a reincidência, a impossibilidade e revogação da Suspensão condicional da pena, a revogação do livramento condicional, entre outros. Existem, porém efeitos que se apresentam fora da esfera penal, estes são chamados de efeitos Extra- penais. [...] Os Efeitos Extra- penais, por sua vez, podem ser genéricos ou específicos. Os efeitos genéricos são automáticos, ou seja, não precisam ser abordados pelo juiz na sentença. [...] Quanto aos efeitos específicos, estes não são automáticos, só se aplicam a determinados crimes e em situações específicas. Incumbe ao juiz mencioná-los expressamente na sentença, sob pena de perda de sua eficácia (efeitos).”

É nesse sentido que dispõe o inciso II e parágrafo único do artigo 92 do Código Penal:

Art. 92 - São também efeitos da condenação: II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;

Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Contudo, conforme Fernando Galvão[3] ensina:

“Fica claro que a suspensão do exercício do poder familiar, nas hipóteses mencionadas no caput do art. 1.637 do CC, depende de decisão judicial, em que processo de conhecimento iniciado por requerimento formulado por algum parente ou pelo Ministério Público. Na hipótese do parágrafo único, no entanto, a suspensão do exercício do poder familiar independe de qualquer requerimento ou outra decisão judicial. Vale ressaltar que a expressão igualmente indica existir outra hipótese em que também se suspende o exercício do poder familiar, e não que também seja necessário requerimento para a imposição da suspeição. [...] A suspeição do exercício do poder familiar é efeito automático da decisão condenatória irrecorrível pela prática de crime, na qual tenha o magistrado aplicado pena privativa de liberdade que exceda a 2 (dois) anos de reclusão, detenção ou prisão simples.”

Com isso, diante o exposto, pode-se concluir que é automático a suspensão do poder familiar em caso de condenação penal irrecorrível.

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[1] LÔBO, Paulo - Direito Civil - Famílias. 4ª ed. Saraiva. 2011. P.307

[2]FARINELI, Jéssica Ramos Efeitos da Condenação Criminal. InfoEscola. Disponível no endereço eletrônico www.infoescola.com/direito/efeitos-da-condenacao-criminal/ Acesso 24.05.2016.

[3] GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. 2ª ed. Del Rey editora. 2007. P. 787

Sobre o autor
Gustavo Henrique Cavalcante Marques

www.ghcmarques.com [email protected] ---------------------- Advogado atuante em: Direito à saúde/ Direito médico: Ações contra o SUS, Erro médico, Ações contra hospitais e operadoras de planos de saúde... Direito Empresarial: Assessoria e consultoria de consultórios, clinicas e hospitais. Direito do Consumidor Direito Securitário: Ações contra seguradoras. Advogado; pós graduado em Direito Constitucional e Administrativo; MBA em Gestão de Projetos pela Universidade de São Paulo - USP; realizou curso de Negotiation Skills certificado pela Universidade de Michigan; realizou o Curso International Human Rights certificado pela Université Catholique de Louvain; membro fundador da Academia de Direito do ABC a qual foi Presidente (mandatos 2015/2017 e 2017/2019); professor, escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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