A NÃO ADOÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO NO DIREITO AMBIENTAL

21/09/2018 às 16:15
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A TEORIA DO FATO CONSUMADO E SUA NÃO APLICAÇÃO NO DIREITO AMBIENTAL.

A NÃO ADOÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO NO DIREITO AMBIENTAL

 

Rogério Tadeu Romano

 

A teoria do fato consumado é aplicada no direito brasileiro. O STJ já considerou o fato consumado nos REsp. 1.172.643/SC. e REsp 1200904.  Em suma esta teoria considera a situação que se perpetua no tempo, inclusive por concessões de liminares.

Segundo o site do STJ, em seu informativo de 21 de setembro de 2018, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou jurisprudência da corte e negou provimento a recurso especial aplicando a tese de que não é possível empregar a teoria do fato consumado em matéria ambiental. Um restaurante na Praia do Madeiro, em Tibau do Sul (RN), tentava afastar a suspensão de suas atividades, determinada pelo Ibama, ao argumento de que estava no local havia mais de 15 anos.

Em 2012, o órgão de fiscalização aplicou multa de R$ 100 mil ao proprietário e embargou o estabelecimento, que se situava em área de praia, local protegido pela legislação ambiental. O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região confirmaram a regularidade da atuação do Ibama e consideraram improcedentes os pedidos do proprietário para restabelecer o funcionamento do restaurante.

No recurso especial, a parte alegou que não houve fundamentação legal na atuação do Ibama, já que se tratava de propriedade particular, e não da União, e que possuía as licenças da prefeitura para funcionar. Disse ainda que haveria a necessidade de se manter a segurança jurídica, por já estar no local há quase duas décadas.

Para o relator, ministro Og Fernandes, “a proteção do direito adquirido não pode ser suscitada para mitigar o dever de salvaguarda ambiental, não servindo para justificar o desmatamento da flora nativa, a ocupação de espaços especialmente protegidos pela legislação, tampouco para autorizar a manutenção de conduta potencialmente lesiva ao meio ambiente”. O ministro lembrou que esse entendimento é amparado pela Súmula 613 do STJ.

Em seu voto, o ministro Og Fernandes não acolheu os argumentos da parte quanto a não ter tido direito ao contraditório e à ampla defesa no processo administrativo.

O relator esclareceu que a atuação do Ibama ocorreu em plena observância à previsão normativa e que, no caso, o processo administrativo e suas garantias ocorrem em momento posterior à autuação, para verificar a regularidade das ações do órgão.

“O legítimo exercício do poder de polícia é imbuído de autoexecutoriedade, dispensa ordem judicial. Diante da flagrante irregularidade – construção erigida em área de uso comum do povo e de desova de tartarugas –, o poder público tem o poder e o dever de realizar a notificação e o embargo do empreendimento”, explicou o ministro. Para ele, se a administração adotasse entendimento diverso, ocorreria o esvaziamento da atividade fiscalizatória.

A matéria foi objeto de julgamento no REsp 1.706.625.

A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte. Precedentes:  RE 275.159, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 11.10.2001; RMS 23.593-DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, DJ de 02/02/01; e RMS 23.544-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 21.6.2002.

O STJ possui diversas decisões nesse sentido do que se lê abaixo, por exemplo:

 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE.PROXIMIDADE A LEITO DE RIO. CONSTATAÇÃO DE ATIVIDADE CAUSADORA DE IMPACTO AMBIENTAL. CASAS DE VERANEIO. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO CONSUMADO EM MATÉRIA AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE AQUISIÇÃO DE DIREITO DE POLUIR. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. [...] (AgRg no REsp 1497346 MS , Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA,julgado em 19/11/2015, DJe 27/11/2015).

[...] OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LEGALIDADE NO ATO DO ESTADO DE DISCIPLINAR A UTILIZAÇÃO DA ÁREA E ZELAR PARA QUE SUA DESTINAÇÃO SEJA PRESERVADA. A OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, FEITA DE MANEIRA IRREGULAR, NÃO GERA OS EFEITOS GARANTIDOS AO POSSUIDOR DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAÇÃO DE FATO CONSUMADO EM MATÉRIA AMBIENTAL [...] É firme o entendimento desta Corte de que a ocupação de área pública, feita de maneira a ocupação de área pública, não gera os efeitos garantidos ao possuidor de boa-fé. feita de maneira irregular. ,não gera os efeitos garantidos a esse possuidor.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é firme no sentido da não incidência da teoria do fato consumado em matérias de direito ambiental, haja vista que a sua utilização ensejaria a criação do direito de poluir, conforme elucidada na decisão do AgInt nos EDcl no Recurso Especial nº 1.447.071 – MS (2014/0078023-0).

Observe-se ainda dentre outros julgados:

[...] Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados as gerações futuras carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo -conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APPs e a Reserva Legal justificam - se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em consequência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir. 5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. [...] (REsp 948921 SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009).

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Em um caso que foi recentemente julgado pelo STJ, pleiteou-se que as edificações (casas de veraneio) que estavam construídas em Área de Preservação Permanente (APP) fossem mantidas, em decorrência da teoria do fato consumado e pela existência de licença prévia concedida pelo órgão ambiental para as construções.

Ocorre que, o Ministro Antônio Herman V. Benjamim foi imperativo em sua relatoria, ao mencionar que: “teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale a perpetuar, a perenizar suposto direito de poluir, que vai de encontro, no entanto, ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida”.

Prevaleceu o entendimento de que o direito de propriedade não é absoluto e ao ser confrontado com a defesa do meio ambiente, que é um dos princípios constitucionais norteadores da ordem econômica, poderá sofrer algumas restrições em seu exercício.

Além disso, o exercício do poder de polícia pelo Poder Público na emissão de autorização ou licença ambiental, e ainda a sua validade, estará atrelado às normas legais ambientais, “mas isto não impede que sejam modificadas e recusadas, não somente segundo o direito aplicável à época de sua edição, mas também segundo o direito novo eventualmente aplicável à época de sua modificação” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência. 2 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. Pg. 261.).

Por conseguinte, o STJ e ainda o STF, são categóricos na aplicação do princípio fundamental de defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da CF/88, frente ao direito de propriedade, principalmente, no que se refere às construções em áreas de preservação permanente (APP) ou mangues, sendo defeso a incidência da teoria do fato consumado para justificar o direito de poluir.

O STF, em julgamento do Recurso Extraordinário 609.748 AgR/RJ, relator o Exmo. Sr.  Min. Luiz Fux, 1ª Turma (DJ de 13/09/2011) já havia adotado este entendimento:

“A teoria do fato consumado não pode ser invocada para conceder direito inexistente sob a alegação de consolidação da situação fática pelo decurso do tempo. Esse é o entendimento consolidado por ambas as turmas desta Suprema Corte”.

É que, como ensina o Min. Herman Benjamin (Resp 650728/SC, 2ª T. = DJe de 02/12/2009), a chamada desafetação ou desclassificação jurídica tácita em razão do fato consumado é incompatível com o Direito brasileiro.

Se a revogação de ato administrativo (por exemplo, de uma licença de operação), alicerçada em mero juízo de conveniência e oportunidade, constitui medida excepcionalíssima, o mesmo não ocorre quando tratar-se de ilegalidade. Neste caso, a anulação do ato é impositiva.

Parece realmente absurdo cogitar da hipótese de convalidação de ilegalidades a partir da realização de atos administrativos nulos. Por muito tempo convivemos com situações verdadeiramente intoleráveis: 1 – Uma lei proíbe uma obra ou atividade industrial em determinado espaço territorial; 2 – Um servidor público passa por cima da lei, em benefício do proprietário; 3 – O proprietário adquire o direito de descumprir a lei para todo o sempre.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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