As Agências Reguladoras: O Estado Democrático de Direito no Brasil e sua Atividade Normativa.

Reflexões sobre o pensamento de Marcelo Figueiredo

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Trata-se de reflexão crítica sobre a obra : 'As agências reguladoras: o Estado democrático e direito no Brasil e sua atividade normativa', de autoria de Marcelo Figueiredo.

INTRODUÇÃO

O autor inicia sua exposição destacando que não se deixa surpreender com o novo, sobretudo quando ele faz parte do nosso cotidiano, do nosso universo de convivência jurídica. Assim parece ter ocorrido com os termos “regulação”, “poder regulador”, “agências reguladoras” e tantos outros.

O autor ressalta que o debate sobre o denominado Estado Regulador, ao qual estamos vivenciando insere-se em um período de transformações ou crises por que passa o Estado contemporâneo. Para ele, seu resultado está na revisão de seus princípios de legitimação, na quebra da articulação clássica entre os “poderes” do Estado, nas transformações do papel do legislador (Parlamento), do Executivo e de suas relações com o legislador; no aprofundamento da discussão da razão democrática legitimadora do poder; na confrontação entre poder político-poder privado; no crescimento da tecnocracia em face da política; no domínio do econômico sobre o político.

Neste contexto, o autor lança alguns questionamentos, tais como: 1) O princípio da legalidade, em face dessas transformações no Estado, assume nova identidade?; 2) A Constituição e o Estado, afinal, deixam de ser garantes do cidadão (Estado Liberal), para serem promotores dos direitos sociais (Estado Social) e de políticas públicas vinculantes; para se converterem (especialmente o segundo) em um árbitro distante dos conflitos sociais?; 3) Sob que fundamentos jurídicos?; 4) As transformações jurídicas em curso são de molde a melhor posicionar o Homem em seu tempo, são legítimas, constitucionais, legais, se confrontadas com o próprio ordenamento constitucional? 5) Há de fato uma “nova” ordem?; os quais pretende responder ao longo do trabalho.

Por fim o autor explicita que é possível afirmar que o Direito Constitucional clássico preocupava-se em fixar a estrutura do Estado, definindo-lhe a forma e os poderes, indicando os órgãos destes poderes e definindo o funcionamento desses órgãos bem como as suas recíprocas relações. Ao mesmo tempo, preocupava-se com o homem (liberdades individuais), com a sua defesa contra a ação invasora do Estado, e esta era, sem sombra de dúvida, a parte que os antigos constitucionalistas mais cuidavam.

Capítulo 1

O CONSTITUCIONALISMO E SUA EVOLUÇÃO

O autor frisa que a Inglaterra, com o seu direito costumeiro foi, sem dúvida alguma, o berço histórico do direito constitucional e de suas conquistas mais notáveis. Na Europa da idade média, procurava-se, de todas as formas, circunscrever o poder absoluto desenvolvido nos séculos anteriores, limitando os poderes do soberano. Erigiu-se, pois, um sistema de garantias que pudesse confrontar o poder político. Assim, quando se fala em Constituição, idéia-síntese do constitucionalismo, necessariamente, devemos entender que antes dela já havia todo um caminho trilhado para alcançá-la.

Neste sentido, o autor explicita que a idéia de Constituição é precedida pela afirmação das liberdades do homem e do cidadão, notadamente por meio de princípios de igualdade política, abolindo-se os privilégios hereditários da nobreza monárquica, e do princípio de liberdade do cidadão que o leva a erigir mecanismos contra a ingerência e abuso do poder político, tais como a liberdade de pensamento, a de expressão, a proibição de prisão arbitrária, a liberdade de domicílio, a de circulação, a de associação, a de reunião e tantas outras.

A grande parte dos princípios da liberdade do cidadão e a afirmação de suas garantias foi resultado de dois importantes momentos históricos: a guerra da independência americana (1776) e a Revolução Francesa (1789).

O autor ensina que malgrado o nosso possível complexo de inferioridade, revelado pela constante importação de modelo alienígenas, que somente pode ser analisado por especialistas nas ciências da mente e da antropologia humana, em termos jurídico-políticos o período foi fecundo para um efeito. Nele, o princípio da legalidade afirmou-se no direito público e constitucional, com vantagens inegáveis ao longo do tempo, à exceção de sua deturpação nos períodos negros da história (nazismo, fascismo e autoritarismo).

Capítulo 2

O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SEUS DESDOBRAMENTOS

O autor ensina que a legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido.

Ressalta ainda que o princípio da legalidade, tal qual como hoje conhecemos na doutrina, passou por uma lenta evolução. Em um primeiro momento, a idéia central da legalidade focava-se no mito de que a sociedade estaria protegida do Estado pela muralha do Direito. Aos poucos, foi-se alargando a competência legislativa para além da fronteira original da lei, fazendo com que o conceito de legalidade tivesse novas realidades. Entretanto é preciso registrar, desde logo, que ao princípio democrático não interessou tanto determinar a matéria da lei, mas preocupar-se com a qualificação do órgão que era chamado a emitir atos com força de lei; já aos princípios de Estado de Direito e de separação de Poderes interessou a qualidade do ato, a matéria de lei, para, por meio deles, limitar qualquer forma de arbítrio. Posteriormente, desfeita a equiparação racional-iluminista da lei ao direito, pela compreensão de que a lei não é, só por si, o direito – já que ela não é só direito, podendo, inclusive, manifestar-se em contradição com ele -, a validade das leis vai implicar valorações exógenas à sua gênese e estrutura; pois a lei não pode ser já o “fundamento normativo” de si própria; caminhamos assim, para a análise dos princípios jurídicos fundamentais, ao serviços dos quais estará agora a generalidade, sendo as leis juridicamente inválidas se desconformes com tais princípios (no dizer de Karl Larenz).

O autor aduz ainda que o princípio da legalidade no Estado contemporâneo assume relevo e dimensão constitucional, imbricando-se com as garantias fundamentais do cidadão, com o conteúdo e limites da elaboração normativa, circunscrevendo o papel do legislador em várias dimensões.

Neste sentido, para o autor, o princípio da legalidade comporta interpretação e aplicação constitucionais e tem inúmeras funções e destinatários, dos quais se destacam: a) o legislador infraconstitucional; b) o administrador público e quem lhe faça as vezes; c) o Estado-juiz; d) as entidades ou entes criadas ou autorizadas pelo Estado; e) os particulares.

Por fim, o autor destaca que acredita que por meio dos princípios, é possível questionar a regra jurídica acerca de sua justificação, é dizer: afirma-se que a legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração. Contendo os princípios uma dimensão valorativa (axiológica) inegável, é possível, por intermédio deles, de algum modo, aferir também a racionalidade das regras jurídicas.

Capítulo 3

PECULIARIDADES DE UMA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

O autor frisa que a interpretação jurídica incide sobre todo o fenômeno do direito. Entretanto, a doutrina é unânime em apontar peculiaridades que justificam uma hermenêutica constitucional diferenciada, advogando métodos, de certo modo especiais, além dos tradicionais, para interpretar e aplicar a norma constitucional.

O autor explica que por meio dos princípios, introduz-se uma válvula, uma abertura para interpretações constitucionais e, com ela, a possibilidade de constante alimentação do conteúdo do ordenamento jurídico constitucional.

Para Marcelo Figueiredo, os princípios constitucionais são normas abrangentes vocacionadas a concretizar e desenvolver a legislação infraconstitucional. Assim, no chamado círculo hermenêutico, o intérprete vai compreendendo e revelando os sentidos dos princípios e regras constitucionais, como que “criando”, preenchendo os sentidos normativos e concretizando a norma para e a partir de uma situação histórica real.

Na seqüência, o autor elenca e explicita o conteúdo de alguns princípios úteis à uma hermenêutica constitucional.

a) Princípio da unidade da Constituição

O princípio da unidade da Constituição apresenta-se como a norma-síntese da “pirâmide” jurídica. É a Constituição a norma fundamental hierarquicamente superior que confere unidade e caráter sistemático ao ordenamento jurídico.

Como afirma Luís Roberto Barroso “O papel do princípio da unidade é o de reconhecer as contradições e tensões – reais ou imaginárias – que existam entre normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de cada uma delas”.

b) Princípio da máxima efetividade, também denominado princípio da eficiência ou da interpretação efetiva

O autor ensina que este princípio decorre de uma preocupação que se intensificou a partir dos trabalhos da doutrina européia, notadamente a italiana, que se empenhou em alcançar uma orientação, ainda não satisfatória, mas já capaz de produzir resultados alentadores, relativamente à eficácia e à aplicabilidade da norma constitucional.

A idéia essencial, segundo o autor, está em que cada norma constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa ser, até onde seja suscetível de execução.  Conjugado a esse esforço, não há como não reconhecer que a doutrina ou o princípio da força normativa da Constituição (Hesse), que veremos mais adiante, também contribuiu decisivamente para o seu desenvolvimento.

c) Princípio da força normativa da Constituição

O autor explicita que o princípio é antigo, mas tem renovada inspiração na obra de Konrad Hesse, intitulada A força normativa da Constituição. Nela o autor defende ardorosamente as potencialidades do direito constitucional, contrapondo-se essencialmente às reflexões de Ferdinand Lassale, para demonstrar que o desfecho do embate entre os fatores reais de Poder e a Constituição não há de verificar-se, necessariamente, em desfavor desta última.

d) Princípio da interpretação conforme a Constituição

O autor explica que este princípio traduz a necessidade de que o intérprete da Constituição deve tomá-la como fundamento básico e superior de interpretação e jamais realizá-la a partir das leis.

e) Princípio da concordância prática ou da harmonização

Segundo o autor este princípio postula e impõe ao intérprete da Constituição que busque, no problema a ser solucionado, confrontar os bens e valores jurídicos que estão em pauta, e eventualmente em conflito, de modo a encontrar, no caso concreto, os valores em tensão e a determinar, preservando a unidade da Constituição, qual deve prevalecer para a solução do caso.

f) Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

O autor é bem claro ao ensinar que o princípio da razoabilidade tem sua origem e largo desenvolvimento ligados à garantia do devido processo legal, que, por sua vez, como sabemos, advém do direito anglo-saxão.

Frisa ainda que, mesmo em relação ao princípio da proporcionalidade, de algum modo, é preciso também considerar sua conexão no plano da teoria da argumentação, com a razoabilidade na medida em que ambos expressam, em essência, condensar e exprimir um pensamento aceito como justo e razoável, de grande utilidade no encaminhamento das soluções constitucionais.

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Capítulo 4

A RIGIDEZ E A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

O autor inicia sua exposição destacando que um dos elementos mais nobres do direito constitucional é o princípio da supremacia da Constituição, sem o qual o edifício constitucional desmoronaria. Naturalmente as normas e comportamentos contrários à Constituição não afastam sua supremacia, nem a ferem mortalmente. Sua capacidade de regeneração virá logo a seguir ao ataque a ela perpetrado. A Constituição deve, a tod custo, subsistir.

O autor ensina ainda que a origem histórica deste princípio assenta-se já na Antiguidade, quando Aristóteles fez a distinção entre leis ordinárias e a Constituição ou politéia. Já era, de certo modo, a discriminação incipiente entre a Constituição política e social da comunidade e as leis comuns ordinárias.

O princípio da supremacia e rigidez constitucional é, portanto, regra fundamental para a defesa da alma da Constituição e de seus valores mais caros. Nesse contexto, é relevantíssimo compreender a importância teórica do princípio da supremacia da Constituição, sobretudo para defender a Constituição brasileira, peça jurídico-política do nosso povo.

Dando seqüência a sua exposição o autor afirma que de nada adianta proclamarmos, em verso e prosa, a importância do princípio da supremacia e rigidez constitucional se os órgãos controladores do sistema não vêm na cláusula constitucional (art. 60, §4º, da CF) todas as suas potencialidades.

Capítulo 5

A SEPARAÇÃO DE PODERES

O autor explicita que o princípio da separação de poderes é outra viga mestra do edifício constitucional, que grande evolução sofreu desde sua formulação original e que toca de perto o nosso tema.

O autor faz um resgate histórico deste princípio, lembrando que a idéia segundo a qual os poderes devem ser distintos nasce na filosofia política de Aristóteles. Para o grande filósofo há três funções capitais do Estado e três espécies de órgãos: o poder consultivo, que tem de se pronunciar acerca especialmente da guerra e da paz e acerca das leis; a jurisdição; e o magistrado, competente para os restantes assuntos da administração.

A idéia central da separação dos poderes da separação dos poderes alcançou um significado político nos Estados a partir das obras de Locke, Cromwell, Bolingbroke e Montesquieu. Não se trata apenas de formulações teóricas, mas, sobretudo, a noção desenvolveu-se por conta de abusos dos reis em suas regências ou, ainda, em virtude de ingerências indevidas em assuntos e competências do Parlamento.

No entanto, o autor observa que a teoria da separação dos poderes não resolve de forma absoluta – nem sequer poderia – o delicado problema do equilíbrio entre os “poderes” do Estado. Como é sabido, cada Poder exerce sua função própria, não com exclusividade. Cada Estado, por intermédio de sua Constituição e de seu sistema de governo deve encontrar a solução que melhor implemente o princípio e a teoria dos checks and controls.

O autor ressalta também que no caso do Brasil, o princípio da separação de poderes – e seus desdobramentos – assume particular interesse nos estudos de direito constitucional, porque poderia, se adequadamente manejado, ser efetivamente instrumento de controle do poder.

O autor afirma, no contexto do trabalho, que o Estado de Direito contém alguns elementos mínimos, basilares, sem os quais não pode prosperar. Entre eles, destacam-se: a) a supremacia da Constituição; b) separação de poderes; c) a superioridade da lei; d) a garantia dos direitos fundamentais.

Capítulo 6

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O autor inicia sua exposição destacando que as Constituições, ausentes os direitos fundamentais (sobretudo os direitos do homem), serviriam muito pouco. O conjunto de direitos e garantias do indivíduo, como é de amplo conhecimento, precedeu a própria noção de Constituição escrita e rígida, incorporando-se a seguir em seus textos ao longo do tempo.

O tema dos direitos fundamentais, segundo o autor, aparece conjugado ao da liberdade em geral, vista no princípio como a faculdade que todo homem tem de desenvolver-se, exercitando seus direitos individuais de modo consciente e autônomo, através da garantia da lei.

O autor ensina que também será na Inglaterra que encontraremos uma grande parcela do desenvolvimento dos direitos individuais. Eles foram o resultado de sua história e se apresentaram como sua forma mesma de governo. Eles se manifestaram e se encontram garantidos principalmente na Magna Carta, na Petição de Direitos e na Declaração de Direitos, conseqüência de uma ampla luta mantida durante séculos entre o povo e os parlamentos e o poder absoluto dos reis.

A democracia moderna, segundo o autor, reinventada quase ao mesmo tempo na América do Norte e na França, foi a fórmula política encontrada pela burguesia para extinguir os antigos privilégios dos dois principais elementos do ancién regime – o clero e a nobreza – e tornar o governo responsável perante a classe burguesa. O espírito original da democracia moderna não foi, portanto, a defesa do povo pobre contra a minoria rica, mas sim a defesa dos proprietários ricos contra um regime de privilégios estamentais e de governo irresponsável.

Por fim, o autor afirma que, da mesma forma que os direitos individuais representam um movimento de restrição da burguesia contra os governantes, os direitos humanos contemporâneos têm um papel fundamental no Estado (Democrático) de Direito, qual seja, o de reafirmar a cidadania, a participação da sociedade na construção de seus destinos e de seus valores.

Capítulo 7

DO ESTADO DE DIREITO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O autor inicia este capítulo lançando alguns questionamentos, entre os tantos: qual o modelo jurídico-político adotado pelo constituinte de 1988?; É o Brasil um Estado de Direito, um Estado Social de Direito ou um Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF)?; Qual a significação básica desses conceitos?

Para o autor, a matéria, também porque diz com a filosofia política e com a teoria geral do Estado, parece não ter recebido tratamento condigno dos estudiosos do direito constitucional ou de seus tratadistas.

O autor assevera que é necessário deixar assinalado que o conceito de Estado Democrático de Direito não ode ser visto como um mero qualificativo do Estado. Conquanto com ele se instaure um novo tipo de Estado de modo algum desaparecem os elementos do Estado de Direito, isto é, as suas conquistas são incorporadas a esse novo tipo de Estado em prol da cidadania e na busca da democracia.

As leis do país, as ações governamentais e as políticas públicas devem, segundo o autor, atender aos comandos da cidadania, da dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e ao pluralismo político (art. 1º da CF). Assim, para o autor, não basta ao Estado Democrático do Direito a lei. A lei há de ser fruto de um Parlamento representativo da sociedade e do povo. As regras do processo eleitoral, dos partidos políticos e do Parlamento devem ser legítimas, democráticas. O processo público deve ser acessível, aberto e constantemente participativo.

Assim, para o autor, o Estado Democrático de Direito pode ser considerado uma evolução do Estado de Direito. Este, como se sabe, tinha como nota essencial o império do direito, a construção de barreiras jurídicas contra o poder arbitrário através da lei (secundum legem) e, por conseguinte, também do direito.

Capítulo 8

AS FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL

O autor inicia sua exposição nos fazendo refletir que entendida como fonte a manifestação da norma jurídica no direito constitucional, encontramos a própria Constituição, escrita ou não-escrita. A primeira abrange, em um sentido amplo, as leis constitucionais, as leis ordinárias e complementares e todas as demais normas regulamentares e regimentais. Nas fontes não-escritas, a doutrina assinala o costume e os usos constitucionais. Em outra aproximação teórica, poderíamos inclusive entender como fonte de direito constitucional (em sentido impróprio) a interpretação das normas constitucionais, a doutrina e a jurisprudência.

Na seqüência de sua explanação o autor afirma que a Constituição é a fonte das fontes. Inaugurando um novo sistema, original, portanto, configura e estrutura toda uma ordem jurídica com rigidez e superioridade. Para ele, lamentavelmente, poucos autores nacionais, em seus manuais de direito constitucional, dedicam um capítulo para o tema fontes no direito constitucional.

Como a Constituição é a norma que determina a produção de outras normas é natural que a produção normativa e, de certo modo, o conteúdo de suas normas, sejam ambos pautados pela própria regra constitucional. Assim, o tema das fontes imbrica-se no nosso modelo, com a) a rigidez constitucional; b) a distinção entre o poder constituinte originário e derivado, que fundamenta a distinção já comentada; c) e a própria estrutura do documento constitucional, suas opções políticas, ideológicas, em uma palavra, seu fundamento essencial.

O autor explicita que atualmente está havendo uma multiplicação de centros normativos e que constitui motivo de grande preocupação para o direito constitucional. Para ele, levamos séculos para construir um modelo que pudesse, de algum modo, garantir ao cidadãos controles efetivos em face dos abusos do Estado, direitos e garantias, enfim; mecanismos que pudessem equilibrar a autoridade e a liberdade. Será possível encontrar ou restabelecer esse equilíbrio com a expansão desordenada e muitas vezes em contraste com o próprio direito positivo?

Para Marcelo Figueiredo, o legislador não é mais o soberano que fora do passado sob o pálio do princípio da legalidade. Mas isso não pode significar que a “legalidade”, vista sob a ótica da Constituição, traga menos garantia do que tínhamos no Estado Liberal, o que seria, evidentemente, um retrocesso absurdo em termos de conquistas para o homem e seus direitos.

Por fim, o autor assevera que neste cenário, embora as constituições tenham instituído Tribunais ou Cortes Constitucionais paralelamente, pressionando por maiores controles, o poder achou por forjar novas figuras, administrações autônomas, entes que, ao lado do Estado ou em seu nome, também ficaram encarregados da produção normativa. Este fenômeno preocupa o estudioso do direito constitucional, pois, como foi visto, levamos séculos para, de uma forma ou de outra, controlarmos as normas jurídicas que regulam nossa vida em sociedade.

Capítulo 9

A PLENITUDE DO ORDENAMENTO

O autor ressalta que não obstante vivermos na era da pretendida integração, é certo que do ponto de vista estritamente dogmático e teorético não há como afastar o chamado dogma da plenitude do ordenamento jurídico. Sem ele, qualquer modelo de sistema cairia por terra, sem base ou fundamento. Para o autor, não somos capazes de imaginar um modelo jurídico que não seja construído, edificado, sem que haja um determinado ordenamento jurídico uno, completo, ou complementável, indivisível e dotado de hierarquia.

A plenitude, segundo o autor, é uma exigência dogmática de todo ordenamento que se fundamenta, essencialmente, na obrigação de decidir, de o sistema conferir respostas às demandas que lhe são apresentadas, na exigência de que essas respostas sejam naturalmente jurídicas e que estejam assentadas em formas jurídicas regularmente editadas e produzidas conforme o direito.

O autor ensina que a “plenitude” do ordenamento jurídico consegue sua realização porque o sistema jurídico não é estático, congelado no tempo e no espaço. Por intermédio de distintas técnicas de integração, o próprio sistema autoriza o preenchimento de lacunas, a atualização do direito, a mutação por meio da interpretação, em síntese, a renovação do próprio direito que, como organismo vivo, procura defender-se da própria morte e obsolescência.

Por fim, o autor esclarece que sendo o direito um sistema de normas harmonicamente articuladas, em havendo conflito de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios para resolver a questão: o da hierarquia, de fundamental importância no direito constitucional – pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior -, o temporal – onde a lei posterior prevalece sobre a anterior – e o da especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral.

Capítulo 10

A PRODUÇÃO NORMATIVA: NECESSIDADE DE CONTROLES PARA A DEMOCRACIA E O ESTADO DE DIREITO

10.1 Introdução

O autor inicia este capítulo ressaltando que tarefa das mais árduas consiste em pretender compreender e bem resumir as múltiplas influências incidentes sobre o universo da produção normativa no mundo ocidental. Juristas e historiadores da maior envergadura já produziram magníficas obras pretendendo compreender o fenômeno, que deita raízes na história dos povos, em suas tradições, na política, na engenharia constitucional, na fenomenologia do poder.

A resposta a essa relevantíssima questão – da produção normativa no Estado,  que, segundo o autor, afeta, condiciona e restringe a vida de seu povo e, portanto, seus direitos e deveres parece estar na constante busca de um delicado equilíbrio do poder o que, em certa medida, e do ângulo técnico-jurídico, somente pode ser disciplinado por meio do próprio Direito.

O autor explicita que o modelo constitucional contemporâneo ocidental não está “apenas” preocupado em instituir direitos de defesa em face do poder, mas, sobretudo, em intervir, em prestar serviços, em atuar nos diversos segmentos sociais coordenando-os, consoante os princípios e diretrizes constitucionais, proporcionando liberdade, igualdade e vida digna aos cidadãos, aos administrados, aos jurisdicionados.

Nesse contexto, é natural que o direito constitucional e a Constituição enfrentem novas dificuldades de efetivação e eficácia que seriam impensáveis no século XVIII. O Estado, por força dos movimentos sociais, é pressionado a realizar políticas públicas. Os eixos e as coordenadas de força que atuam no Estado, os atores sociais, alteram-se, sofisticam-se, organizam-se e postulam posturas positivas e participativas.

O autor recorda que a concepção original de Montesquieu, sobre a “separação” de poderes, ganhou o mundo, influenciou o direito e todas as Constituições que advieram após suas idéias, inclusive a norte-americana, como é possível observar em Madison ao defendê-la e aclará-la, afastando a idéia de divisão radical: “nenhuma verdade política é certamente de maior valor intrínseco ou revestida da autoridade de mais esclarecidos defensores da liberdade do que aquela na qual a crítica se fundamenta. A acumulação de todos os poderes nas mesmas mãos, quer de um, de poucos ou de muitos cidadãos, por hereditariedade, autonomeação ou eleição, pode com justiça ser considerada como caracterizando a tirania”.

10.2 Delegação sem previsão constitucional

 

Trata-se de transferência da função normativa atribuída originariamente e constitucionalmente ao Poder Legislativo a órgãos integrantes dos demais Poderes do Estado, cujo exemplo mais marcante dá-se nos Estados Unidos da América, onde os princípios da separação dos poderes e da indelegabilidade de atribuições foram sofrendo reinterpretações sucessivas que possibilitaram sob certas condições, o alargamento da atividade normativa do Executivo.

10.3 Delegação com assento constitucional

O autor destaca, em apertada síntese, que existem casos de delegação com assento constitucional na Itália, Portugal, França, Reino Unido e Espanha.

10.4 Função legislativa decorrente de atribuição

Para o autor trata-se da possibilidade de o Executivo, em certas circunstâncias graves e excepcionais, deter o poder de legislar diretamente a respeito de determinadas matérias, sem necessidade de autorização prévia do Parlamento. Ainda segundo Mèrlin Clève, fortalecidos os mecanismos de controle político e jurídico, a atividade normativa extraordinária do Poder Executivo não é incompatível com os postulados democráticos.

Por fim, o autor recorda que o tema da separação dos poderes contempla diversas aproximações. Já examinamos algumas delas nos capítulos precedentes. Parece interessante recordar, nesse passo, ainda que muito rapidamente, a distinção entre poderes e funções. Ela é útil até mesmo para a conclusão da inexistência de grande ou marcada distância entre os “poderes” no Estado contemporâneo.

Por fim, o autor destaca que a realização de um Estado de Direito material ou de justiça evidentemente não tem relação apenas com a legalidade da Administração. Ademais, o Estado de Direito é conceito complexo e dinâmico que depende de inúmeras variáveis como a implementação dos direitos humanos, da aplicação dos princípios e regras constitucionais de competência e estruturação.

Capítulo 11

A PREOCUPAÇÃO COM A LEGITIMIDADE E O CONTROLE DOS ATOS NORMATIVOS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

A produção normativa no Estado Democrático de Direito, sobretudo na América Latina, deve incorporar o tema da “política”, da “legitimidade”, em qualquer formulação teórica que se pretenda fazer. No caso brasileiro, com o de resto em toda a América Latina, preocupa-nos o fenômeno da legitimidade da produção normativa e do uso abusivo de instrumentos normativos pelo Poder Executivo, tendência, ao que parece, mundial, o que não infirma ou afasta o problema.

O autor destaca que o Congresso Nacional, na sua função fiscalizadora, tem, ainda, competência para controlar certos atos do Poder Executivo, por delegação sujeita a aprovação (CF: art. 68, §3º), via aprovação a posteriori das medidas provisórias (art. 62), e por meio de poder de rejeitar o veto presidencial (CF: art. 66, §§ 4º e 5º). Esses poderes evidenciam, uma vez mais, a competência legislativa, incondicional, do Congresso Nacional, outorgada pela CF, e enuncia, em normas específicas, as normas fundantes estabelecidas nos seus princípios fundamentais.

Forçoso verificar que o Congresso Nacional é o centro de produção normativa, em relação a outros poderes, porque o procedimento por ele adotado está adotado está vinculado a princípios fundamentais, possui um rígido iter de formação (CF: art. 64 e ss) e consubstancia poder heterônomo relativamente ao poder administrativo (CF: art. 2º).

O autor ressalta que sem prejuízo da análise esquemática das relações jurídicas hierárquicas e do estudo das competências constitucionais desse ou daquele Estado Constitucional, forçoso reconhecer que o modelo clássico tradicional, do Estado de Direito, forjado na preponderância do legislador (Parlamento), ainda remanesce, mesmo que abalada, procura por novos caminhos.

Poder-se-ia contraditar a assertiva, trazendo à colação a experiência norte-americana, paradigma de presidencialismo e de modelo de federação bem-sucedida, a qual, inclusive inspirou nossa República e nossas instituições políticas, ao menos nestes dois aspectos para, paradoxalmente, constatar que, naquela Nação, proliferaram as agências reguladoras, as delegações legislativas diretas ou indiretas, enfim as “produções normativas independentes”, a despeito a Constituição.

Por fim, o autor destaca que no caso americano, ao se forte polêmica e contestação de parcela considerável da doutrina daquele país, a Suprema Corte ao longo dos anos acabou por entender legítima a delegação de poderes legislativos ao Executivo e às agências reguladoras, desde que limites e Standards “razoáveis” fossem estabelecidos na delegação.

Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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