A tipificação contida no art. 217-A (Estupro de vulnerável) se aplica a todos os casos ou haveria exceção? esse tipo penal é fechado, incontestável ou o programa da norma poderia ser relativizado em alguns casos?

23/09/2018 às 01:03
Leia nesta página:

O presente trabalho possui por escopo a análise da tipificação contida no art. 217-A do Código Penal, notadamente na discussão acerca de sua aplicação

O delito de estupro de vulnerável encontra-se tipificado no art. 217-A do Código Penal, com a seguinte redação:

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 2o  (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Com o advento da Lei nº 12.015/2009, o sistema de presunções de violência foi abandonado, cedendo espaço à objetividade fática. Isso porque, ainda que haja o consentimento da vítima ou mesmo se esta se encontrar em situação de promiscuidade (ex. prostituição) haverá crime. Trata-se de presunção juri et juri (absoluta).

A configuração do tipo estupro de vulnerável prescinde da elementar violência de fato ou presumida, bastando que o agente mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de catorze anos, como se vê, claramente, da redação do art. 217-A, nos termos da Lei n.º 12.015/2009”[1].

Cumpre realçar, que no crime de estupro de vulnerável apenas o erro de tipo é capaz de afastar a sua incidência. Indo ao encontro disso é a lição de Victor Eduardo Rios Gonçalves:

Apenas o erro de tipo (que não se confunde com presunção relativa) é que pode afastar o delito, quando o agente provar que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, pensava que a moça, que concordou em ter com ele relação sexual, já tinha 14 anos ou mais, por ter ela, por exemplo, mentido a idade e ter desenvolvimento corporal precoce[2].

No específico, é importante que se diga que o erro deve incidir sobre a idade da vítima e não sobre a situação de vulnerabilidade. Nesse sentido:

(...) o agente não sabia que estava fazendo sexo com alguém menor de 14 (quatorze) anos. Como não se pune a modalidade culposa, a conduta é atípica. Entrementes, é evidente que o erro só ocorrerá naquelas situações em que a vítima, de fato, aparenta ser maior de 14 (quatorze) anos. Contudo, atenção: o erro de tipo deve incidir sobre a idade da vítima, e não sobre a vulnerabilidade. Portanto, se o agente, sabendo que a vítima é menor de 14 (quatorze) anos, com ela faz sexo, sob o argumento de que não a considerava vulnerável, pois se prostitui, ocorrerá o delito do art. 217-A, pois a presunção de violência é absoluta[3]

Feitas tais considerações, insta salientar, acerca da necessidade, conforme o caso em concreto, de relativização da vulnerabilidade pelo magistrado, quando por ocasião do julgamento, em atenção, inclusive, a recentes posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça.

Em interessante julgado do STJ a Ministra Relatora Maria Thereza de Assis Moura votou consoante adiante consignado:

Não me parece juridicamente defensável continuar preconizando a ideia da presunção absoluta em fatos como os tais se a própria natureza das coisas afasta o injusto da conduta do acusado (...) O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais[4].

Por tudo isso, conclui-se que a despeito de o art. 217-A, com a redação conferida pela Lei nº 12.015/2009 prever presunção absoluta de vulnerabilidade, há vozes na doutrina e posição jurisprudencial defendendo a possibilidade de relativizar o conceito de vulnerabilidade diante do caso concreto, notadamente o grau de conscientização do menor para a prática do ato sexual (análise das condições pessoais do ofendido), para apenas após verificar se o agente a que se imputa a prática delitiva deva ser realmente responsabilizado penalmente pela conduta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Presunção de violência contra menor de 14 anos é relativa. 27 mar 2012. Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105175. Acesso em 14 set. 2014.

CASTRO, Leonardo. Legislação comentada - artigo 217-a do CP - estupro de vulnerável. Jus Brasil. Disponível em: http://leonardocastro2.jusbrasil.com.br/artigos/121943504/legislacao-comentada-artigo-217-a-do-cp-estupro-de-vulneravel. Acesso em: 14 set. 2014.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal esquematizado: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 537.


[1] EDcl no AgRg no Ag 706012 / GO, 5ª Turma, relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 22/03/2010.

[2] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal esquematizado: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 537.

[3] Disponível em: http://leonardocastro2.jusbrasil.com.br/artigos/121943504/legislacao-comentada-artigo-217-a-do-cp-estupro-de-vulneravel. Acesso em: 14 set. 2014.

[4] Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105175. Acesso em: 14 set. 2014.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Sobre a autora
Isadora Chaves Carvalho

Analista do MPU, pós graduada em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera - Uniderp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos