INSPIRAÇÃO EUROPEIA: A TUTELA DO TORCEDOR PREVISTA PELA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL.
1 - Introdução
O presentes artigo, apresenta o estudo da legislação pertinente a violência nos estádios de futebol e suas intermediações. Com ênfase no Estatuto do Torcedor Lei de número 10.671 de 2003, bem como a sua criação de novos tipos penais, especificamente no que tange ao seu artigo 41-B e sua análise principiológica.
Compreende-se a importância da presente temática, pois, atualmente a questão das torcidas organizadas e da violência tem sido um tema abordado principalmente ao atribuírem tal competência a essas entidades. A título exemplificativo pode-se citar que o artigo 39-A do supramencionado diploma legislativo prevê a suspensão do comparecimento ao local de realização dos eventos desportivos pelos associados destas agremiações.
Vislumbrando a legislação em tela, e sua promulgação cabe a verificaçao retrospectiva da sua elaboração acontecimentos impulsionadores, e também seu caráter eminentemente político na busca da satisfação dos anseios populares. Indaga-se como o Estatuto do Torcedor tutela a segurança dos espectadores?
Os objetivos do presente estudo, podem ser subdivididos em: a) Objetivos Gerais: Vislumbrar como o estatuto do torcedor compreende a segurança dos espectadores. B) Objetivos específicos: Discorrer acerca da prática da violência envolvendo os torcedores organizados e Analisar quais as medidas acrescentadas pelo estatuto do torcedor que visa a garantir a segurança dos torcedores espectadores..
Trata-se de uma pesquisa exploratória, devido ao fato conforme elucida Gil (2002), que esta objetiva a aproximação da temática e aproximar-se de conceitos para que se possa futuramente elaborar um problema mais preciso.
A pesquisa de cunho exploratório pode comportar tanto o caráter quantitativo, quanto qualitativo. Neste caso, consistirá em uma pesquisa de caráter qualitativo, isto porque, conforme Minayo (1995, p. 21-22):
A pesquisa qualitativa responde a muitas questões particulares. Ela se preocupa nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis.
As possíveis respostas as nossas indagações iniciais podem ser encontradas na obra: Estatuto do Torcedor Comentado e Leis Penais e Processuais Comentadas. Desta forma, utilizamos como aporte teórico os autores Gomes e Nucci. Para tanto, recorre-se sobre tal texto realizando uma revisão de literatura (GIL 2002), afim de que se possa cumprir o objetivo proposto.
Entendeu-se que por tratar de uma pesquisa direcionada a uma única legislação e também devido ao fato de tratar-se um fenômeno contemporâneo onde os autores não possuem qualquer controle sobre o objeto, conforme orienta Yinn, (2002).
2.1 Futebol e Violência
Antes de tudo é importante compreender o que vem a ser violência. Derivada do latim violentia, pode ser traduzida por “veemência impetuosidade” traduz-se na agressividade na imposição ou transgressão que resulte em morte ou lesão”[1].
Preciosa é a contribuição de Yves Michaud por entender que a violência é um fenômeno muito presente na sociedade humana. Ele conceitua a violência da seguinte maneira:
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou a várias pessoas em graus variáveis, seja na sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em participações simbólicas ou culturais. (MICHAUD, 1989, p. 10). Michaud, Y. A violência.São Paulo: Ed. Àtica 1989.
Ao analisar os elementos formadores de tal fenômeno, Carlos Alberto Máximo Pimenta dita que:
Para melhor compreender a violência, num sentido genérico, existe a necessidade de ultrapassar os limites das justificativas econômicas, pois ela se apresenta de multiformas e sem reduções/determinações. Ao contrário do que possa aparentar, a violência mostra um entrelaçamento de inúmeros fatores que são concorrentes, colocando os centros urbanos, as relações sociais e grupos sociais em xeque. (PIMENTA, 1997, p. 19).
Deste modo, as práticas violentas são geradas por inúmeros fatores, como os de ordem econômica, política, social, psíquica e em diferentes setores da sociedade. Logo, há também o registro de práticas violentas no futebol, inclusive por parte de seus torcedores.
Em inúmeras ocorrências é vislumbrada a prática de atos violentos daqueles que desfrutam do espetáculo esportivo presentes desde atos simbólicos, como a criação de apelidos pejorativos aos adversários ou as provocações realizadas e frequentemente com o enfrentamento corporal.
Cabe ressaltar que determinados autores como, por exemplo, Castilho (2010) atribuem a ocorrência de tal fenômeno aos torcedores organizados. De igual maneira, a mídia também o faz. Acredita-se que tal atribuição é temerária, não contemplando em sua universalidade a complexidade das Torcidas Organizadas, nem mesmo da violência no âmbito esportivo.
O que se pretende, contudo, é verificar o surgimento das Torcidas Organizadas e seu comportamento, bem como os episódios em que há o registro de suas participações em eventos esportivos onde se verifica a ocorrência de atos violentos. É importante ressaltar que o próprio Estatuto de Defesa do Torcedor contempla a atribuição e responsabilização de atos violentos no âmbito civil por parte da torcida.
Posto assim a questão, cumpre analisar a violência no âmbito esportivo, buscando suas raízes históricas tanto europeias quanto brasileiras e realizar um levantamento de dados atuais.
3. Segurança do torcedor conforme a legislação infraconstitucional
O Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº10.671) é respaldado no artigo 217 da Constituição Federal e está vigente desde 15 de maio do ano de 2003. Antes disto, há alguns julgados de segunda instância em que há a aplicação da Lei nº 8.078de1990(Código de Defesa do Consumidor).
Isto porque a Lei de número 9.615 de 1988 (Lei Pelé) equipara o consumidor ao torcedor. O artigo42daLei Pelé dispõe, em seu parágrafo 3º, que “o espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos doart. 2ºdaLei nº8.078, de11de setembro de1990”.
Tal equiparação não foi o suficiente para a proteção e tutela do torcedor. Sendo assim, houve a necessidade da elaboração de uma norma própria, reconhecendo os direitos e a importância cada vez maior do esporte como um todo, com ênfase no futebol.
Nessa linha, há o reconhecimento por parte do legislador na própria exposição de motivos que levam à aprovação do Estatuto do Torcedor:
A aprovação do presente Projeto de Lei significa o reconhecimento da relevância de que se reveste a atuação do torcedor na atividade esportiva no País, não apenas como cidadão que deve ser respeitado em sua integridade física e em sua paixão nessa expressão cultural de nosso povo, mas como consumidor amplamente assediado pela oferta de produtos esportivos. Portanto, o torcedor como verdadeiro financiador do futebol brasileiro, necessita que, além da aplicação das normas gerais do Código de Defesa do Consumidor, sejam aplicadas normas específicas, as quais estão presentes neste Estatuto e que envolvem este importante setor da atividade econômica do País. (BRASIL, 2002)
O reconhecimento daqueles que participam e corroboram tanto financeiramente (com aquisição de produtos e ingressos) quanto com o comparecimento, incentivo aos jogadores, amor incondicional ao clube, como sujeitos de direito que merecem, sobretudo, uma legislação específica garantindo-lhes proteção, constitui um avanço legislativo no país.
Embora o Estatuto de Defesa do Torcedor diga a respeito aos demais esportes, notadamente, foi elaborado especialmente para o futebol. Haja vista tratar-se do esporte mais popular do país, bem como o que faz circular um maior valor econômico nacional. Cabe ressaltar que foi mantido pelo Estatuto de Defesa do Torcedor, a equiparação e o reconhecimento a estes enquanto consumidores:
Art. 3º. Para todosos efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei8.078, de 11 de Setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.(BRASIL,2003).
Desta forma, ao equiparar o detentor de mando de campo e as entidades responsáveis pela organização à figura de fornecedor, aquele passa a assumir todos os ônus da pessoa jurídica, conforme explica Calil Simão:
[...] especialmente às responsabilidades pelo fato do produto e do serviço (CDC art. 12 -17) e pelo vício do produto e do serviço (CDC arts. 18-25), práticas comerciais como oferta, publicidade, abusos, proteção contratual,sanções administrativas e infrações penais. (SIMÃO, 2011, p. 21).
Importante notar que esta equiparação favoreceu para que as entidades sejam responsáveis especialmente pela segurança do torcedor, pois de acordo com o artigo 6 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;[...]. (BRASIL, 1990)8.
Porém, ainda que a lei consista um avanço, havia a necessidade do estabelecimento de leis específicas acerca da segurança do torcedor, das responsabilidades civis e suas formas de punições (REIS, 2006).
Deste modo, no ano de 2010 foi aprovada a Lei de número 12.299 que estipula mudanças consideráveis no Estatuto de Defesa do Torcedor, podendo-se citar, como principais medidas, àquelas que visam à diminuição da violência nos estádios: a) a tipificação de condutas, por exemplo, em seu artigo 41-B, b) as condições de permanência no local do espetáculo esportivo; c)tipificação da prática do cambismo (venda de ingressos no valor superior ao vendido nas bilheterias); d)punição por parte das torcidas organizadas(artigo39) e sua regulação enquanto pessoas jurídicas de direito privado, e)a tipificação e a fraude no resultado da partida; e f)prática de alteração e ou falsificação do resultado.
Desta forma, fica evidente a preocupação do legislador com a segurança do torcedor, podendo, inclusive, vislumbrá-la no fato de que, dos quarenta e cinco dispositivos presentes na lei, dezesseis, de maneira direta ou indireta, fazem referência à segurança do torcedor. O Capítulo IV, por exemplo, é denominado “Da Segurança do Torcedor partícipe do Evento” e em oito dos seus doze capítulos consta alguma referência ao tema.
4. Considerações Finais
Seguindo o modelo do Código de Defesa do Consumidor, protegendo o lado hipossuficiente da relação, isto é, o torcedor, nos primeiros artigos, pode-se vislumbrar o objetivo do legislador: hipossuficiente da relação, isto é, o torcedor, nos primeiros artigos, pode-se vislumbrar o objetivo do legislador:
Art. 1º.Este Estatuto estabelece normas de proteção e defesa do torcedor. [...]
Art. 1º-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.(BRASIL, 2003).
O artigo primeiro, como é possível observar, sintetiza o objetivo desta norma, isto é, proteger os interesses do torcedor, que é o sujeito principal desta Lei. O artigo primeiro registra que a prevenção da violência nos esportes não é só de responsabilidade do poder público, mas também das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas dirigentes bem como aqueles que, de qualquer forma, promover, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos. (SIMÃO, 2011,p.14).
Conforme outrora explicitado, os detentores do mando de jogo, bem como as entidades responsáveis pela organização dos jogos, ao serem equiparados a fornecedores, devem zelar pela segurança do torcedor. Por outro lado, o Poder Público, o Estado, deve conferir segurança aos torcedores, em obediência aos dispositivos constitucionais, que tratam da segurança pública(CF art. 6º), bem como a preservação da ordem e do patrimônio, disposto no artigo 144 da Magna Carta.
REFERÊNCIAS
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__________Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm>. Acesso em: 12 jul. 2014.
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[1] MICHAELIS. Dicionário de Português Online. Significado de violência. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=viol%EAncia>. Acesso em: 10 ago. 2014.