O presente trabalho visa analisar a possibilidade de os Municípios promoverem a revisão dos lançamentos do IPTU dos últimos cinco anos para se exigir o pagamento do imposto correspondente a diferença de área construída constatada por meio de georreferenciamento realizado nos imóveis localizados em seu território.
Como se sabe, o Código Tributário Nacional prevê o valor venal do imóvel, ou seja, o valor que o bem alcançaria em condições normais de mercado, como base de cálculo do IPTU (art. 33).
A maioria das fórmulas adotadas pelos Municípios, senão todas, a define como sendo o resultado da soma do valor do terreno e do valor da benfeitoria (construções) nele existente.
Para aferir esses valores costuma-se adotar por lei, como já admitido pela nossa jurisprudência, as chamadas plantas genéricas de valores, que são constituídas por um conjunto de tabelas, fatores e índices determinantes dos valores médios unitários de metro quadrado ou linear de terreno e de construção.
Desta feita, pode-se concluir que o tamanho da área construída é um dos elementos utilizados para apuração do valor venal do imóvel e, portanto, do valor a ser pago a título de IPTU.
Isso considerando que a base de cálculo é elemento que integra o aspecto quantitativo do fato gerador, sobre a qual se aplica a alíquota prevista em lei para ter-se como resultado o valor do tributo.
Nesse contexto, o cadastro imobiliário constitui-se num importante instrumento para a apuração e lançamento do IPTU nos Municípios, o qual, como regra, é exercido de ofício, ou seja, pela própria autoridade fazendária, independentemente de qualquer atividade do sujeito passivo da obrigação tributária.
Nele devem estar reunidas as informações relativas ao imóvel objeto da referida tributação, de modo que mantê-lo atualizado é fundamental para o correto recolhimento do imposto.
Embora esse dever de atualização do cadastro seja geralmente atribuído aos contribuintes pelas respectivas legislações locais, sob pena inclusive de aplicação de penalidades, não há óbice à sua realização pelo próprio Fisco nos casos em que este, após a devida fiscalização, constate que ele se encontra defasado.
Frise-se, no entanto, que o número limitado de fiscais e a enorme quantidade de imóveis dificulta a realização de vistorias in loco pelos Municípios com vistas à referida atualização, especialmente no que diz respeito à verificação da metragem da área construída de cada um deles.
Diante disso, tem sido comum a utilização pelos referidos entes do serviço de georreferenciamento por meio da captação de imagens aéreas de alta resolução que permitem a identificação de edificações não tributadas.
Já há decisões judiciais favoráveis à sua adoção para efeito de atualização cadastral, haja vista ser este considerado por profissionais da área um método eficiente e com reduzida margem de erro, quando comparado a qualquer outro utilizado pelas administrações tributárias1.
Sendo assim, diríamos que a atualização de ofício do cadastro após o referido levantamento, assim como o consequente lançamento do imposto com base na real metragem da área, constitui não apenas uma faculdade, mas um dever do Fisco local.
Afinal, dúvida não há de que o gestor responsável precisa arrecadar efetivamente os tributos instituídos e combater firmemente a sonegação, nos termos inclusive do que se extrai dos arts. 11 e 13 da intitulada Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000).
Portanto, caso as referidas imagens aéreas sejam obtidas no decorrer deste ano, o IPTU do próximo exercício já deverá ser lançado considerando essas diferenças, observadas, claro, eventuais alterações que ainda vierem a ser efetuadas no imóvel até o final do ano.
Elas garantem a constatação pelo Fisco de que o imóvel possuía área construída maior antes de 1º de janeiro do próximo exercício, ou seja, antes da efetiva ocorrência do fato gerador do IPTU, em estrita consonância com o disposto no art. 144 do Código Tributário Nacional, segundo o qual o lançamento deve se reportar à referida data.
Já a revisão do lançamento referente ao ano corrente e anteriores (observando-se o prazo decadencial previsto no art. 173 do CTN) com base exclusivamente nesse método requer certa cautela pelas razões adiante expostas.
Não se desconhece a possibilidade de o Fisco revisar de ofício o lançamento original do qual o contribuinte já foi devidamente notificado nos casos em que se constate que este incorreu em erro de fato, nos moldes previstos nos arts. 145, III, e 149, IV, VII, VIII, IX, e parágrafo único do Código Tributário Nacional.
Tal como pode ter ocorrido em muitos desses casos, verificando-se que o lançamento original reportou-se à área menor do imóvel, por desconhecimento à época por parte do Fisco de sua real metragem, estar-se-á diante de hipótese autorizadora da revisão de ofício contida no art. 149, VIII, do referido Código.
Segundo esse dispositivo, o lançamento pode ser revisto de ofício pela autoridade administrativa "quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior".
Em caso semelhante, o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.130.545 - RJ, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, já decidiu nesse sentido; senão vejamos:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IPTU. RETIFICAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DO IMÓVEL. FATO NÃO CONHECIDO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR (DIFERENÇA DA METRAGEM DO IMÓVEL CONSTANTE DO CADASTRO). RECADASTRAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REVISÃO DO LANÇAMENTO. POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO.
1. A retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN.
(...)
10. Consectariamente, verifica-se que o lançamento original reportou-se à área menor do imóvel objeto da tributação, por desconhecimento de sua real metragem, o que ensejou a posterior retificação dos dados cadastrais (e não o recadastramento do imóvel), hipótese que se enquadra no disposto no inciso VIII, do artigo 149, do Codex Tributário, razão pela qual se impõe a reforma do acórdão regional, ante a higidez da revisão do lançamento tributário.
11. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (Grifo nosso).
A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na Apelação nº 10001836-90.2015.8.26.0575 se alinha a essa orientação do Superior Tribunal de Justiça e a ela inclusive faz menção, apesar de o caso concreto ali analisado envolver situação diversa em que o erro de fato não restou configurado.
Ocorre, porém, que a revisão nesses termos somente será possível se o Fisco tiver condições de comprovar que no momento da ocorrência do fato gerador (1º de janeiro do ano a que se referir) o imóvel já possuía essa área construída por força do que dispõe o supracitado artigo 144 do Código Tributário Nacional.
Nesse toar, pode-se afirmar, em princípio, que o georreferenciamento realizado pelo Município por meio de imagens captadas somente agora não seria hábil para comprovar que os imóveis já possuíam essas características no dia 1º de janeiro do ano corrente (menos ainda dos anteriores), de modo a justificar a pretendida revisão.
Cumpre salientar que, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional, o ônus da prova de que a matéria tributária ou a base de cálculo existe compete à fiscalização, só podendo esta praticar o lançamento posteriormente a esta efetiva comprovação.
Isto posto, por tais razões, a conclusão do trabalho de georreferenciamento que vier a ser realizado pelo Município deverá ser considerada para a imediata inscrição de ofício da diferença de área apurada e para o lançamento do IPTU dos próximos exercícios.
O mesmo não se diga para a revisão dos lançamentos anteriores. Para que isso seja possível, deve o Fisco adotar providências para a obtenção de outros meios de prova capazes de demonstrar que o imóvel já possuía essa característica no momento da ocorrência dos respectivos fatos geradores do IPTU (por exemplo, contrato firmado pelo proprietário cujo objeto seja a realização da obra, entre outros).
Como sugestão, poderia o Município notificar esses contribuintes informando-lhes a respeito dessa diferença de área construída e requerendo o seu comparecimento às repartições competentes, munidos das documentações pertinentes.
Isso considerando inclusive que essa irregularidade não perpassa apenas pelo aspecto tributário, mas também configura desrespeito às normas de polícia administrativa aplicáveis às construções realizadas no território municipal.
Por meio dessa providência talvez seja possível obter as provas necessárias - até mesmo, quem sabe, uma confissão por escrito do próprio contribuinte a respeito do momento da sua conclusão - que legitimem a revisão dos referidos lançamentos.
Para incentivar essa regularização em todos os seus aspectos poderia inclusive o Município avaliar a conveniência de se editar uma lei prevendo anistia das penalidades previstas na legislação pela realização de obra em desconformidade com os limites urbanísticos até a data de sua publicação.
Não se pode também descartar a eventual possibilidade de revisão do lançamento do IPTU deste ano, independentemente da adoção dessas medidas, caso seja possível demonstrar que a área construída não tributada captada pelas imagens já existia em 1º de janeiro em virtude do seu porte e/ou de suas características.
Eventual revisão promovida nesses termos, assim como a dos anos anteriores, poderá ser feita por meio de lançamento de ofício que se refira apenas ao valor devidamente atualizado das diferenças não apuradas nos respectivos exercícios, sem a incidência de acréscimos moratórios (juros e multa), uma vez que a constituição do crédito pelo Fisco se dará apenas com a realização desta providência e a sua devida notificação ao contribuinte (arts. 142 e 145 do CTN).
Esse ato administrativo é denominado pelo saudoso tributarista Alberto Xavier como lançamento suplementar, que assim o conceitua2:
Ato pelo qual o Fisco, verificando que foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ocorre aqui a figura da ´substituição´ou ´reforma´, pois ao ´efeito destrutivo´da declaração de nulidade parcial adiciona-se o ´efeito construtivo´ da prática de um novo ato (este de novo primário) que titula juridicamente a diferença quantitativa apurada.
E acrescenta:
Não se trata, pois, de uma ´renovação do lançamento´ou de um ´novo lançamento´, mas sim de uma substituição parcial ou ´modificação´ do ato primário, pois a lei respeita a identidade do lançamento inicial, mantendo todos os seus efeitos, limitando-se a exigir que a Administração fiscal, pela prática de novo ato, titule juridicamente a diferença. Ao invés de o destruir e substituir, o novo ato ´adiciona-se´ ao primeiro como ato ´integrativo´, concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida. (Grifo nosso).
Ainda no que diz respeito ao ano corrente, ressalve-se que se tiver sido adotada por lei local o IPTU proporcional, à semelhança do que fez o Município de São Paulo, o lançamento do imposto relativo à ampliação do imóvel pode ser imediatamente realizado após a captação das imagens pelo período proporcional ao restante do ano.
E, para finalizar, convém lembrar também que as conclusões resultantes deste trabalho poderão ainda ser aproveitadas para o incremento da receita de outros tributos municipais, tais como do ISS incidente sobre as referidas construções, da revisão da base de cálculo do ITBI utilizada em transações passadas e até mesmo de algumas taxas conforme o que dispuser a legislação local.
1Nesse sentido inclusive já decidiu a 7ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal em sede de Mandado de Segurança impetratado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Processo nº 0705855-97.2017.8.07.0019.
2XAVIER, Alberto. Do Lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Pág. 257/259.