3 CONCLUSÃO
Encerrada a breve discussão, observa-se que a ideia de insignificância remonta ao direito romano civil, sendo trazida ao direito penal como causa supralegal de excludente da tipicidade penal material, dada a mínima ofensividade material ao bem jurídico tutelado.
De modo geral, o princípio da insignificância é aplicado no Brasil, analisando-se os requisitos elencados pelo STF a cada caso, cujos vetores foram determinados para sua padronização.
Contudo, nalgumas vezes os julgados não são consistentes sobre os critérios utilizados, aplicando a bagatela ora sim, ora não, mesmo diante de circunstâncias idênticas ou semelhantes.
Cabe ainda destacar que quando o tema é “princípio da insignificância”, o ativismo judicial revela-se como perigosa ferramenta de ruptura da sistemática constitucional de separação de poderes, bem como de violação ao princípio da segurança jurídica.
A utilização desenfreada e “irracional” desse princípio, muitas vezes motivada pela ímpeto de diminuir a qualquer custo o número elevado de processos em uma Vara Criminal, apenas representa uma falsa efetividade. Ela vem embutida de um alto preço ao Estado Democrático de Direito, pois o ilegítimo ativismo judicial contribui principalmente para a sensação de impunidade e para a insegurança jurídica, além de representar uma invasão nas funções de outro Poder (no caso, no Legislativo).
O que se defende, portanto, é que o princípio da insignificância tem extrema importância, cuja essência encontra respaldo no Direito Penal brasileiro, que tem como princípios basilares a fragmentariedade e a intervenção mínima. No entanto, a maneira desarrazoada, a ausência de critérios, a discricionariedade judicial em si, com que vem sendo aplicado, indicam uma grave falha jurídica, devendo ser padronizada a sua incidência em prol da segurança jurídica, proporcionando os mesmos resultados para acusados em situações idênticas ou semelhantes.
Aqui vale aquela importante pergunta, a que o intérprete deve se fazer quando aplica um princípio jurídico: em todos os casos idênticos poderei interpretar neste determinado sentido, com igualdade, ou haverá casos que excepcionarei o princípio? Se a resposta à primeira parte da questão for negativa, é um claro indicativo, muito forte, do não cabimento do princípio em si, ou, o que é mais perigoso, de que não se cuida de um princípio jurídico.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CINTRA, Adjair de Andrade. Aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes que tutelam bens jurídicos difusos. 2011. Tese (Doutorado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi:10.11606/T.2.2011.tde-13062012-165850. Acesso em: 2018-09-25.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 6. ed., rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2006.
MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Direito penal: parte geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
______________________. Manual de Direito Penal. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
______________________. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral - Arts. 1º a 120 - v. 1. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro. v. 1: parte geral. 7. ed. ver. e atual. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
Notas
[1] Do latim, que significa “O pretor não cuida de coisas pequenas”. Cf. CINTRA, Adjair de Andrade. Aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes que tutelam bens jurídicos difusos. 2011. Tese (Doutorado em Direito Penal) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. doi:10.11606/T.2.2011.tde-13062012-165850. Acesso em: 2018-09-25.
[2] MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 41.
[3] ROXIN apud BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6.
[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Direito penal: parte geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 85.
[5] BITTENCOURT. Op cit., p. 5.
[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro V. 1: parte geral. 7. ed. ver. e atual. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 485.
[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 4. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 219.
[8] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 6. ed., rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2006, p. 94.
[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Direito penal: parte geral. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 86.
[10] BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5
[11] LUIZ REGIS PRADO. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral – Arts. 1º a 120 – 7ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 154 e 155.
[12] Apud PERISSOLLI. Diogo de Oliveira. Análise detalhada do princípio da insignificância. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16481&revista_caderno=3> Acesso em: 17 set 2018.
[13] MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 43.
[14] STJ: HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 19.04.2004; HC 196.132/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, j. 10.05.2011.
[15] STF, HC 99054, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 30/11/2010, DJe-055 DIVULG 23-03-2011 PUBLIC 24-03-2011 EMENT VOL-02488-01 PP-00016.
[16] STF, HC 98944, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 04/05/2010, DJe-100 DIVULG 02-06-2010 PUBLIC 04-06-2010 EMENT VOL-02404-02 PP-00396.
[17] STJ, AgRg no REsp 1.549.698, 6ª T., j. 13/10/2015; STJ – AgRgno AERsp: 983530 MG 2016/0243396-9, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 20/04/2017, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2017.
[18] TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1498139-4 - Curitiba - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - J. 30.06.2016.
[19] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 7ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 231 e 232.
[20] STJ. AgRg no AREsp 1307157/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 27/08/2018.
[21] STF: HC 126.866, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 2-6-2015, Segunda Turma, DJE de 22-6-2015; HC 118.040, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-10-2013, Segunda Turma, DJE de 8-10-2013; HC 97.772, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-11-2009, Primeira Turma, DJE de 20-11-2009.
[22] CINTRA, Adjair de Andrade. Aplicabilidade do Princípio da Insignificância aos que crimes que tutelam bens jurídicos difusos. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/.../Tese_Completa_Adjair_de_Andrade_Cintra.pdf>. Acesso em: 18. set. 2018.
[23] [...] a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja citável [...] (Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas Corpus de números 123.734/MG, 123.533/SP e 123.108/MG. Relator Min. Roberto Barroso. Julgado em 03/08/2015).
[24] Habeas corpus. Furto de barras de chocolate. Res furtivae de pequeno valor. Mínimo grau de lesividade. Alegada incidência do postulado da insignificância penal. Inaplicabilidade. Paciente reincidente específico em delitos contra o patrimônio, conforme certidão de antecedentes criminais. Ordem denegada. 1. Embora seja reduzida a expressividade financeira dos produtos subtraídos pelo paciente, não há como acatar a tese de irrelevância material da conduta por ele praticada, tendo em vista ser ele reincidente específico em delitos contra o patrimônio. Esses aspectos dão claras demonstrações de ser um infrator contumaz e com personalidade voltada à prática delitiva. [...]” (HC 101998, Relator (a): Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, julgado 23/11/2010).
[25] “O crime de roubo se caracteriza pela apropriação do patrimônio de outrem mediante violência ou grave ameaça à sua integridade física ou psicológica. No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, mormente se se considera que o ato foi praticado pelo paciente mediante grave ameaça e com o concurso de dois adolescentes, fato esse que não pode ser taxado como um comportamento de reduzido grau de reprovabilidade. A jurisprudência consolidada nesta Suprema Corte é firme no sentido de ser inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo” (STF: HC 97.190/GO, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, j. 10.8.2010). No mesmo sentido: STJ: HC 60.185/MG, rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 03.04.2007.
[26] Súmula 589 do STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
[27] “A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica depende de que esta seja a tal ponto despicienda que não seja razoável a imposição da sanção. Mostra-se, todavia, cabível, na espécie, a aplicação do disposto no art. 289, § 1º, do Código Penal, pois a fé pública a que o Título X da Parte Especial do CP se refere foi vulnerada. Em relação à credibilidade da moeda e do sistema financeiro, o tipo exige apenas que estes bens sejam colocados em risco, para a imposição da reprimenda” (STF: HC 93.251/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 05.08.2008).
[28] “Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II – Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. III – Ordem concedida para trancar a ação penal” (HC 139.393/PR, DJe 02/05/2017).
[29] A divulgação de propaganda criminosa dentro da cabine de votação e ao lado da urna eletrônica não pode ser considerada insignificante, pois viola a liberdade de escolha do eleitor no momento sigiloso de confirmação do voto. 2. Inaplicável o princípio da insignificância ao crime previsto no art. 39, § 5º, inciso III, da Lei nº 9.504/1997, porque o bem jurídico tutelado é a liberdade de exercício do voto. Precedentes. 3. Recurso especial eleitoral provido para restaurar a condenação imposta em sentença” (TSE - RESPE 6672/GO, DJe 20/03/2017).
É inaplicável o princípio da insignificância à doação de pessoa física que excede parâmetro previsto em lei para campanhas eleitorais, porquanto o ilícito se perfaz com mero extrapolamento do valor doado, sendo irrelevante a quantia em excesso. Precedentes” (TSE - REPSPE 2007/SP, DJe 20/09/2016).
[30] “O princípio da insignificância não é aplicável no âmbito da Justiça Militar, sob pena de afronta à autoridade, hierarquia e disciplina, bens jurídicos cuja preservação é importante para o regular funcionamento das instituições militares” (STF: HC 108.512/BA, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 04.10.2011). (STJ: HC 160.435/RJ, rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, j. 14.02.2012, noticiado no Informativo 491).
[31] “O princípio da insignificância é aplicável aos atos infracionais, desde que verificados os requisitos necessários para a configuração do delito de bagatela. Precedente” (STF: HC 98.381/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, j. 20.10.2009).
[32] STF: HC 91.759/MG, rel. Min. Menezes Direito, 1ª Turma, j. 09.10.2007; STJ: HC 130.677/MG, rel. Min. Celso Limongi, Desembargador convocado do TJ-SP, 6ª Turma, j. 04.02.2010.
[33] STF: HC 102940, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 15/02/2011, DJe-065 DIVULG 05-04-2011 PUBLIC 06-04-2011 EMENT VOL-02497-01 PP-00109; STJ: HC 158.955/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgado em 17/05/2011.
[34] STF: HC 110.475/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/02/2012.
[35] Habeas Corpus. 2. Subtração de objetos da Administração Pública, avaliados no montante de R$ 130,00 (cento e trinta reais). 3. Aplicação do princípio da insignificância, considerados crime contra o patrimônio público. Possibilidade. Precedentes. 4. Ordem concedida. (HC 107370, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 26/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 21-06-2011 PUBLIC 22-06-2011).
[36] “O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. Hipótese em que o recorrente, valendo-se da condição de funcionário público, subtraiu produtos médicos da Secretaria Municipal de Saúde de Cachoeirinha-RS, avaliados em R$ 13,00. ‘É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfimo, porque a norma busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas moral administrativa, o que torna inviável afirmação do desinteresse estatal à sua repressão’” (REsp 1.062.533/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, j. 05.02.2009).
[37] Súmula 599: “O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”.
[38] STJ: HC 192.696/SC, rel Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, j. 17.03.2011 e STJ: HC 93.859/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 13.08.2009.
[39] STF: HC 112.563/SC, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, j. 21.08.2012, noticiado no Informativo 676; STJ: HC 93.859/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 13.08.2009; HC 112.563, rel. Cezar Peluso, julgamento em 21-8-2012, Segunda Turma, DJE de 10-12-2012.