A QUESTÃO DE PALMAS

08/10/2018 às 10:47
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O ARTIGO DISCUTE COM RELAÇÃO A IMPORTANTE QUESTÃO DE FRONTEIRAS ENVOLVENDO O USO DA ARBITRAGEM INTERNACIONAL.

A QUESTÃO DE PALMAS

Rogério Tadeu Romano

No caso do Prata, Argentina e Brasil herdaram as disputas seculares entre Portugal e Espanha. A fronteira entre Argentina e Brasil é fluvial, com exceção do trecho que compreende as nascentes dos rios Peperi e Santo Antônio, afluentes do Uruguai e do Iguaçu. Originalmente tais divisas foram definidas pelo Tratado de Madri firmado em 1750, a convenção constituiu a primeira tentativa de dirimir o litígio entre Portugal e Espanha no tocante dos limites de suas colônias, substituindo o antigo Tratado de Tordesilhas. Seria introduzido pelo diplomata Alexandre de Gusmão a doutrina da posse efetiva do solo e dos acidentes geográficos como limites naturais, ao invés das linhas convencionais.

O governo português conquistava a ocupação das terras da margem oriental do Rio Uruguai e a posse da área que compreende o Rio Grande do Sul, renunciando as ilhas das Filipinas e cedendo também a Espanha a Colônia de Sacramento e o território da margem norte do Rio da Prata. Porém, se encontravam no chamado território das Missões aldeamentos indígenas organizados por jesuítas espanhóis que resistiam a passar para o domínio português, além disso, os portugueses recusavam-se a entregar a Colônia ao domínio espanhol. Em 1761, o acordo do El Pardo anulava o de Madrid.

Anos mais tarde, em 1777, um novo tratado foi ratificado, o de Santo Ildefonso, que devolvia a região dos Sete Povos das Missões, parte oeste do Rio Grande do Sul a Espanha, dessa forma o rio Uruguai tornava-se espanhol até a foz do Peperi. Em 1788, os comissários espanhóis procediam aos trabalhos de demarcação na região quando descobriram um novo rio que batizaram de Peperi, ao passo que a contravertente do rio que deságua no Iguaçu foi denominada de Santo Antônio, tais rios configuram nos mapas brasileiros com os nomes de Chopim e Chapecó, então, novas divergências surgiram sobre este trecho da fronteira. As desavenças permaneceram até 1857 quando foi firmado um novo tratado, mas que não foi ratificado pelo governo argentino. Já em 1870, após o fim da Guerra do Paraguai, novas tentativas se sucederam sem sucesso. Em 1885, um novo acordo aprovado pelos dois países determinava, com o apoio de uma comissão mista, o reconhecimento e a classificação dos rios em litígio na região das Missões. A comissão brasileira foi liderada por Guilherme Schüch Capanema, o Barão de Capanema e integrada pelos militares José Candido Guillobel e Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira. Todavia, a situação agravou-se em 1888, quando Argentina apontou como divisas os rios Chapecó e Jangada, adentrando ainda mais no território brasileiro. Com o advento do novo regime, seria assinado um novo tratado em 1889, que repartia em partes iguais a área em conflito, mas o Congresso brasileiro em 1891 não sancionou os seus termos e recomendava a utilização do artifício do arbitramento. Vale a pena assinalar que a área em litígio correspondia a cerca de mais trinta mil quilômetros, conhecida como a “Questão de Palmas”, da comarca do mesmo nome, se estendia pela parte oeste dos atuais Estados do Paraná e Santa Catarina. A Argentina reivindicava parte do território brasileiro que, consequentemente, reduzia o território do estado do Rio Grande do Sul. Para o Governo brasileiro, se tratava de uma região que merecia atenção especial devido ao movimento de cunho separatista ocorrido entre 1834 e 1845, a chamada Revolução Farroupilha. Já nos primeiros anos da República, a batalha entre federalistas e republicanos envolvendo as tropas gaúchas, entre 1893 e 1895, poderia suscitar novamente o desejo de separação do restante do país. .

A Argentina reivindicava a região Oeste dos atuais estados do Paraná e de Santa Catarina, pretendendo estabelecer as fronteiras pelos rios Chapecó e Chopim, supostamente com base no Tratado de Madri (1750). Pouco antes da proclamação da República do Brasil (1889), as chancelarias de ambos os países haviam acordado que o litígio seria solucionado por arbitramento.

Com a Proclamação da República do BrasilQuintino Bocaiuva, Ministro das Relações Exteriores do Governo Provisório, assinou o Tratado de Montevidéu (25 de janeiro de 1890), que dividia a região entre ambos os países.

Considerando que o diplomata extrapolou as suas atribuições, tendo feito excessivas concessões territoriais, o Congresso Nacional do Brasil não ratificou os termos do Tratado (1891), e a questão foi submetida ao arbitramento do presidente estadunidenseGrover Cleveland (1893–1897), cujo laudo foi inteiramente favorável ao Brasil (5 de fevereiro de 1895), definindo-se as fronteiras pelos rios Peperi-Guaçu e Santo Antônio. A cidade de Clevelândia, no estado do Paraná, localizada na área do litígio, teve o nome dado em homenagem ao presidente americano.

Estreou como advogado do Brasil, a partir de 1893, José Maria da Silva Paranhos Júnior, barão do Rio Branco, escolhido pelo presidente Floriano Peixoto (1891–1894) para substituir o barão Aguiar de Andrade, falecido no desenrolar da Questão. Rio Branco apresentou ao presidente Cleveland uma exposição, acompanhada de valiosa documentação, reunida em seis volumes: A questão de limites entre o Brasil e a República Argentina (1894). A solução desta arbitragem só seria obtida quando o Chanceler do Brasil era o General Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira o qual também cedeu nome a um município brasileiro, em Santa Catarina. Esta missão contou com a secretaria de Domingos Olímpio, que durante algum tempo teve de residir nos Estados Unidos.

Como se vê o centro da discórdia era a determinação de quais rios formavam a linha de limites. Para o Brasil, esses rios eram o Pepiry-Guaçú e o Santo Antônio, enquanto para a Argentina eram o Chapecó e o Chopin; entre eles, o território de Palmas, grande faixa de terra de mais de 30.000 quilômetros quadrados. O próprio Visconde do Rio Branco, pai do Barão do Rio Branco, havia, em 1857, negociado um tratado a este respeito, reconhecimento o direito do Brasil sobre essas terras. Baseara-se o Visconde no princípio do uti possidetis, pelo qual o direito de um país a um território é baseado na sua ocupação efetiva. Entretanto, o tratado permaneceu letra morte, e as negociações foram sucessivamente reabertas, até que, em setembro de 1889, ficou resolvido que o presidente Grover Cleveland, dos Estados Unidos, seria o árbitro.

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Reiterando o que foi dito , dois meses depois da proclamação da República, em novembro de 1889, houve uma alteração da situação; o novo ministro das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva, chegou mesmo  ir até Buenos Aires, com a missão de entregar à Argentina parte do controvertido território. No entanto, o Congresso do governo provisório recusou-se a aprovar tal tratado, e a questão voltou a ser objeto de arbitramento do presidente americano. O Barão Aguiar Andrada, escolhido para defender as posições do Brasil, em Washington, morreu mal iniciara os trabalhos, e o nome do Barão do Rio Branco foi lembrado.

O convite ao Barão do Rio Branco para a defesa do Brasil na questão de Direito Internacional Público, em março de 1893. Disse ele:

- Para perdermos a causa, será necessário que não presida espírito de justiça ao julgamento.

O fundamento doutrinário de seu trabalho consistia nos princípios antes sustentados pelo visconde do Rio Branco a respeito do uti possidetis. Em 1893, escrevia o Barão do Rio Branco: dos 5.793 habitantes da parte contestada, 5.763 eram brasileiro e trinta estrangeiros, sem que lá houvesse um só argentino.

Foi redigida por ele uma longa Memória, provando que o rio Pepiry já era fronteira do Brasil reconhecida no Tratado de Madri de 1850. Mostrava também que os rios Chapecó e Jopim só haviam sido descobertos em 1788. Mas a peça mestra de seu trabalho foi uma cópia do Mapa das Cortes de 1749, que fora desencavado pelo Barão nos arquivos franceses. Exatamente nesse mapa, Zeballos, o plenipotenciário argentino, fundava a sua argumentação. O Barão do Rio Branco iria provar que os documentos argentinos, embora usados de boa fé pelo advogado, diferiam dos documentos autênticos que ele possuía e pretendia exibir para o árbitro. Disse o Barão do Rio Branco: “O estudo desse mapa”, disse o Barão do Rio Branco em seu trabalho “mostrará que o rio Pequiry ou Pepiry é o mesmo rio que os brasileiros defendem como fronteira no território ora contestado”.

No direito clássico, os interditos tutelavam a posse eram: os interdicta retinendae possessionis causa (recuperação da posse), que não admitiam, como defesa, a alegação de propriedade por parte do réu. Os interditos retinendae possessionis causa eram: o uti possidetis (coisa imóvel) e o utrubi (coisa móvel), sempre tutelando possuidor cuja posse não era injusta. No interdito utrubi, protegia-se apenas o possuidor que, no ano em curso, houvesse estado maior tempo na posse na coisa.

5 de novembro de 1895 foi o dia marcado para a entrega dos laudos.

A decisão arbitral foi favorável ao Brasil, tendo a Argentina perdido as Missões em 1895.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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