FGTS: quem está ganhando com ele?

10/10/2018 às 17:00
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O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), instituído pela Lei nº 5.107/66, ora revogada, e atualmente regido pela Lei nº 8.036/90, objetiva, principalmente, conceder proteção ao trabalhador, por meio de uma “poupança forçada” a ser usada em momentos delicados, como em casos de demissão sem justa causa, aposentadoria e certas doenças, conforme o art. 7º, III, da Constituição Federal.

O empregador deposita em conta aberta na Caixa Econômica Federal (agente operador do FGTS, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.036/90) em nome do empregado e vinculada ao contrato de trabalho, o correspondente a 8% (oito por cento) do salário do funcionário, de acordo com o art. 15, caput, da Lei nº 8.036/90.

Não obstante a clara diretriz da legislação, a sistemática aplicável para remunerar os depósitos do FGTS, na prática, redunda em flagrante ofensa aos direitos do trabalhador, pois este não possui qualquer possibilidade de, segundo sua livre escolha, buscar junto ao mercado uma forma de remunerar o patrimônio segundo os índices mais vantajosos, nem ao menos os que recomponham aquilo que é efetiva e comprovadamente corroído pela nefasta inflação.

O Estado, que nenhum direito de propriedade exerce (ou deveria exercer) em relação à quantia depositada, cabe a gestão do dinheiro, o que lhe permite, contraditoriamente, “usar e abusar” do dinheiro alheio. Tem-se, então, o seguinte quadro: de um lado, o empregado, titular do direito, sem o poder de remunerá-lo minimamente de acordo com os índices inflacionários mais vantajosos; de outro, o ente estatal, que, independentemente da vontade do titular do direito, usufrui da remuneração depositada, na maioria das vezes percebendo juros muito superiores ao índice utilizado para a correção dos Fundos, corrigidos pela Taxa Referencial - TR (índice usado para corrigir as cadernetas de poupança) mais juros de 3% (três por cento) ao ano.

A utilização do FGTS, por parte do Estado, para financiar programas governamentais também é indevida, uma vez que viola o princípio da moralidade administrativa. Assim, nada justifica a inegável e flagrante inversão da lógica em relação a tal Fundo. O que se vê, na prática, é o mais completo desvirtuamento do FGTS pelos governos, que não raro fazem uso eleitoreiro do patrimônio do trabalhador em obras públicas que deveriam ser custeadas pela arrecadação tributária.

Cabe registrar, por oportuno, que não somos contrários à utilização - sempre em caráter subsidiário, convém frisar - de uma parcela dos recursos do FGTS em prol de programas habitacionais, por exemplo. O que não se pode admitir, no entanto, é que a segurança do trabalhador em períodos críticos seja desmerecida e relegada a segundo plano, situação que infelizmente vem ocorrendo no país, notadamente quando o Estado fica inerte e não fiscaliza se as regras jurídicas pertinentes estão sendo cumpridas pelo empregador, a quem cabe realizar os depósitos fundiários no prazo legal (art. 15, caput, da Lei nº 8.036/90).

Como se vê, o trabalhador é o único que literalmente “paga o pato”, para usar de um jargão popular, uma vez que os perversos efeitos corrosivos da inflação transformam aquilo que deveria funcionar como uma economia particular para momentos críticos em ganhos fabulosos para o estado às custas do trabalhador, o que certamente configura uma ofensa ao princípio constitucional da moralidade administrativa.

Ademais, nem mesmo a certeza de que receberá os valores depositados o trabalhador ostenta, uma vez que não é de todo incomum a prática das empresas de não efetivar a parcela de seus depósitos e, pior, apropriar-se indevidamente das parcelas do próprio trabalhador (o que, inclusive, constitui delito próprio previsto no artigo 203 do CP), fazendo com que, ao final, o trabalhador nada receba (na hipótese de empresas que simplesmente deixam de existir) e sequer possa acionar a União ou a sua gestora, a CEF, pela ausência de fiscalização dos recursos.

Lembrando, ainda, que o trabalhador é "optante compulsório" do FGTS, não podendo, pois, simplesmente recursar o seu correspondente desconto em contracheque...

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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