A QUESTÃO DO ACRE

14/10/2018 às 09:16
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O ARTIGO DISCUTE IMPORTANTE TEMA DA HISTÓRIA DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL.

A QUESTÃO DO ACRE

Rogério Tadeu Romano

Em dezembro de 1902, durante o governo de Rodrigues Alves, o Barão do Rio Branco assumia o ministério das Relações Exteriores e logo teve de cuidar de um grave problema de fronteiras: a questão do Acre. Em 1867, o Brasil, durante o segundo Império, havia feito com a Bolívia o Tratado de Ayacucho, que reconhecia como limite entre os dois países uma linha oblíqua que ia da margem esquerda do rio Madeira até as nascentes do rio Javari, incluindo o Acre nas terras bolivianas. No entanto, seu acesso só era possível pelos caminhos fluviais da bacia amazônica em território nacional.

O Tratado de Ayacucho, também denominado de Tratado da Amizade, foi assinado entre Brasil e Bolívia no dia 27 de março e selado em 23 de novembro de 1867, na cidade boliviana de La Paz. Assinaram o tratado o então presidente boliviano, General Mariano Melgarejo e o Imperador brasileiro, Dom Pedro II. O tratado faz parte de uma série de acordos de ordem geopolítica e militar relacionados à demarcação territorial das regiões pertencentes ao atual Estado brasileiro. O Tratado foi antecedido pelo Tratado de Madri, assinado em 1750 e pelo Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1777. O Tratado de Ayacucho prescrevia uma revisão nos limites geopolíticos estabelecidos pelos tratados anteriores, a partir dos quais, a fronteira da Bolívia chegava às regiões dos atuais estados do Acre, Rondônia e parte do Amazonas, indo até o rio Madeira, próximo a atual cidade de Humaitá, município do Estado do Amazonas. Futuramente, o Tratado seria utilizado para justificar o poderio boliviano na região do atual Estado do Acre, gerando um conflito denominado de Revolução Acreana (1899).

Composto por trinta artigos, tal tratado punha um aparente fim aos conflitos geopolíticos entre o Império Brasileiro e a Bolívia no contexto da Guerra do Paraguai (1864-1870). A partir dele, o tráfego pelos principais rios da região e o intercâmbio comercial entre os dois países foi ampliado. As embarcações bolivianas passaram a ter acesso aos rios brasileiros, desde que seguissem com o reconhecimento do poderio do Império. Apesar disso, o mais beneficiado na assinatura do Tratado foi o Império Brasileiro, já que as fronteiras bolivianas foram recuadas, permitindo a ampliação das fronteiras brasileiras. Outro nome dado ao acordo foi Tratado de Cunha Gomes, já que as fronteiras passaram a ser estabelecidas a partir dos rios Guaporé e Mamoré, passando pelo rio boliviano Beni e seguindo uma linha reta que recebeu o nome de Cunha Gomes a qual, atualmente, estabelece os limites entre os estados do Acre e do Amazonas.

Alguns anos depois do tratado, descobriu-se que a zona era excelente para o cultivo da borracha. Levas e levas de nordestinos castigados pela seca para lá se deslocaram. Travava-se então entre bolivianos, que haviam fundado uma cidadezinha na região e brasileiros, que a ocupavam uma luta armada. O agrimensor Plácido de Castro chefia os brasileiros e à frente de 33 homens toma Xapuri e proclama o Estado Independente do Acre, em 7 de agosto de 1902.

Embora fosse uma região pertencente à Bolívia, os bolivianos não se preocuparam muito em povoar o espaço, o que levou ao maior interesse do governo brasileiro, o qual pagou 2 mil libras esterlinas para anexar o território ao país, rico em florestas e reservas de seringais.

A 15 de janeiro de 1903, inicia-se o ataque a Puerto Acre, que resiste por nove dias ao assédio. Na manhã do dia 25 de janeiro, os bolivianos rendem-se.

As tropas bolivianas são derrotadas e é proclamada, pela terceira e última vez, o Estado Independente do Acre, o que soluciona militarmente o litígio. O presidente boliviano, General Pando, percebendo que não poderia manter o controle sobre o Acre, busca finalmente o entendimento diplomático. Em 21 de março de 1903, ele concordou com a ocupação e administração brasileira na região até a conclusão dos termos do acordo que culminaria com o Tratado de Petrópolis, assinado meses depois.

A defesa boliviana concentrou-se em Puerto Acre. Arregimentando tropas pelo caminho, Plácido de Castro avança para Santa Rosa e Costa Rica, capturada depois de uma breve luta.

O Itamarati encontrava-se numa posição considerava difícil: deveria apoiar os brasileiros em nome do uti possidetis ou ceder aos argumentos jurídicos dos bolivianos e ajuda-los a rechaçar os seringueiros? Nesse interim, a Bolívia resolve arrendar o território em tela a uma companhia americana, Bolivian Syndicate.

O Barão do Rio Branco propôs a compra do território, e logo em seguida uma troca.

Dizia o Barão do Rio Branco, então: “O dever do estadista e de todos os homens de verdadeiro senso prático é combater a propaganda de ódios e rivalidades internacionais”. Manda ao governo da Bolívia a mensagem de que “o governo brasileiro continua pronto para negociar um acordo honroso e satisfatório para as duas partes”.

Em 1903, assinou-se o chamado Tratado de Petrópolis. Por ele o Brasil recebia mais de 190.000 quilômetros quadrados, todo o território habitado por brasileiros. Em troca, entregava 3.196 quilômetros quadrados à Bolívia e mais o pagamento de 2.000.000 de libras esterlinas e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de grande utilidade para o comércio de ambos os países, em distrato assinado em 26 de fevereiro de 1903.

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O Tratado de Petrópolis praticamente selou o destino do Acre, que até hoje permanece como integrante da federação brasileira de modo praticamente incontroverso. O Peru seguiria mais alguns anos manifestando-se diplomaticamente por direitos na região, mas acabaria chegando a um acordo com as autoridades brasileiras.

Foi mais uma lição significativa do Barão do Rio Branco para o direito internacional:  “As combinações em que nenhuma das partes interessadas perde, e, mais ainda, aquelas em que todas ganham, são sempre as melhores.”

Com isso, o Brasil avançou nas obras de infraestrutura a fim de facilitar o transporte bem como a exploração da região, declarado no Artigo VII: “Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no Rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal que, passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo (Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquezas e tarifas. ”

Assim, devemos ressaltar que ambas as partes obtiveram vantagens com o Tratado de Petrópolis, que além de estreitar os laços entre os dois países facilitou as relações exteriores, comerciais, políticas, exemplificado no Artigo III: “Por não haver equivalência nas áreas dos territórios permutados entre as duas Nações, os Estados Unidos do Brasil pagarão uma indenização de £ 2.000.000 (dois milhões de libras esterlinas), que a República da Bolívia aceita com o propósito de a aplicar principalmente na construção de caminhos de ferro ou em outras obras tendentes a melhorar as comunicações e desenvolver o comércio entre os dois países.”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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