Mamãe passou açúcar em mim (sugar daddy)

14/10/2018 às 23:53
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O artigo tem por objetivo analisar mais uma relação que foge do modelo tradicional - o sugar daddy, em especial nos aspectos patrimoniais, penais e familiares.

Quando pensei em escrever esse artigo confesso que tive uma certa dificuldade no início. Sempre defendi que a realidade está à frente da lei. É fato: o poliamorismo, a barriga de aluguel, reprodução post mortem, etc.

Sempre ouvimos que “a profissão mais antiga do mundo é a prostituição”. Não pretendo entrar neste mérito. Vou falar um pouco da figura do sugar (açúcar) daddy (pai). É isso mesmo que você leu: pai de açúcar: supostamente um homem “mais velho” que se realiza em bancar os desejos de uma “jovem. Não há que se falar, em tese, em prostituição, pois o pagamento não se dá em razão de serviços sexuais prestados, posto que pode haver ou não relações sexuais.

De acordo com alguns depoimentos de algumas jovens, sugar babies, que fiz questão de entrevistar, são “mimos”, presentes... que ganham do sugar daddy, como por exemplo, joias, bons restaurantes, viagens, roupas de grife...

Em geral o encontro é intermediado por sites especializados em sugar. Pelo que entendi não há uma obrigação de sexo por dinheiro, não, é diferente. Nas relações de “açúcar” os envolvidos se relacionam em uma relação madura, transparente, verdadeira. Eles buscam companhia, com ou sem ato sexual, com a contrapartida dos mimos oferecidos às babies.

A controvérsia diz respeito a conduta praticada, se criminosa ou não. O Código Penal, de 1940, prevê no Capítulo V, o lenocínio, ou seja, a facilitação ou promoção da prática de atos de libidinagem ou a prostituição de outras pessoas.

No início de 2017, Flávio Tartuce1, menciona o texto de José Fernando Simão, em que trata juridicamente do “Sugar Daddy”, da “Sugar Baby” e do site Meu Patrocínio: “Como destaca o jurista, “Sugar – açúcar em inglês – e daddy – papai — são duas palavras que, somadas, indicam que o homem, mais velho e, por isso, papai, se dispõe a ‘bancar’ mulher mais jovem. Não se trata de um site de prostituição em que homens, após manutenção de relação sexual, pagam pelos serviços prestados. É uma relação em que o homem mais velho tem prazer em se relacionar com mulher mais jovem que gosta de ser mimada, ganhar presentes, viajar, comer em bons restaurantes, sair para lugares chiques. Já o homem mais velho, normalmente em uma fase da vida pela qual poucas mulheres mais jovens sentem atração, paga para ela e proporciona alguns luxos, prazeres que a ela estariam negados em razão do custo”. Ainda segundo Simão, tal relacionamento demonstra a transparência das relações contemporâneas, pois as partes já sabem de antemão como este se dará: “transparência significa que as partes não ocultam seus interesses. Ela não quer uma relação amorosa, nem ele. São pessoas que buscam companhia e convívio com regras bem claras: ‘Tudo é combinado, sem mal-entendidos’”. Para ele, em continuidade, dois aspectos da pós-modernidade são claros nessas relações. (Ver em https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/417619840/sugar-daddy-e-sugar-baby-transparencia-nas-relacoes-afetivas-parte-1)”.

Em que pese inúmeras opiniões em contrário, entendo que não há crime de lenocínio. Estamos em pleno século XXI em que novos modelos de relações surgem de forma frenética, o que não significa que a relação “açucarada” não venha a ser levada ao judiciário:

  1. direito patrimonial; e

  2. direito de família no caso de concepção.

E como dizia Wilson Simonal, em Mamãe passou açúcar em mim:

“Eu era neném

Não tinha talco

Mamãe passou açúcar em mim...”


Nota

1 Coluna do Informativo Migalhas, de janeiro de 2017.

Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

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