1.INTRODUÇÃO
Pretende-se, com este trabalho, esclarecer como a concepção antropológica se articula com a ideia de construção da paz perpétua, a partir do pensamento do filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) realizado a partir de três textos considerados chaves para a compreensão da visão antropológica kantiana, a saber, Antropologia do ponto de vista pragmático de 1798, a Ideia de uma História Universal de um ponto de vista Cosmopolita de 1784 e A Paz Perpétua de 1795. Isto não significa que Kant aborde essa questão a partir de outros textos como bem aponta Bonaccini (2010). Também não nos deteremos numa possível tipologia das antropologias como indica Schmidt (2007), classificando-a de quatro modos possíveis, a saber: transcendental, empírica, pragmática e moral. Nosso interesse direciona-se, isso sim, para uma questão ligada aos direitos humanos, uma vez que, se se pretendem direitos humanos universais se pressupõe a existência de um “ser humano” portador de uma identidade comum. Se se pretende uma paz perpétua subentende-se seres humanos de capacidade racional para pensa-la e torna-la efetiva.
2.O PROJETO KANTIANO
Na carta a C.F Staudin, de 1793, Kant descreve sua intenção mostrando que o seu objetivo era responder às perguntas: 1- o que eu posso conhecer? 2- O que eu devo fazer? 3- O que eu devo esperar? 4- O que é o ser humano? Ele assim indicava que o ser humano pode ser compreendido sob variadas perspectivas: epistemológica, prática, estética, política, jurídica, etc. Indica, assim, que o homem pode ser visto não apenas como um ser biológico, formado pela natureza, mas sim como um ser que se configura pela liberdade, e enquanto tal se afirma com o poder de decidir o que fazer, como ser, podendo e devendo fazer-se a si mesmo. O homem pode sim ser analisado segundo suas capacidades, sexo, disposições, temperamentos, idade, etnia e cultura. Pode-se certamente pensar numa antropologia empírica, mas no centro dessas possibilidades se encontra a liberdade como conceito fundamental.Como indica Bonaccini (2010, p. 147), que o projeto kantiano é uma tentativa de conciliar interesses diversos, e de outro observar e descrever o homem individual e coletivamente para formular um conceito de natureza humana
2.1 O que eu posso saber?
A primeira ruptura do pensamento kantiano foi com o pensamento grego. Para os gregos, a ordem universal nos permitia contemplar sem a possibilidade de intervir, o conhecimento mostrava de um lado a grandiosidade do universo, a sua ordem, seu movimento, e diante dela restava ao homem à contemplação pasmática de um grande outro sem o qual o sujeito também não poderia ser ou existir. E porque conhecer a partir da contemplação? Por que a verdade buscada estava explicitada na própria ordem universal. O universo é ordenado e a ordem universal dá-se a conhecer, pois está explícita no movimento natural do universo. Para conhecê-lo faz-se necessário um ser que possua as condições necessárias e possa elaborar um saber acerca do mundo. O conhecimento passa a ser dado pela razão humana e não um dado do universo. Já que é dado pela razão humana, só nos é permitido conhecer o que podemos intuir e só nos é possível intuir dados sensíveis (PASCAL, 1992). O ponto de partida do conhecimento é a sensação, isto é, a impressão produzida por um objeto na sensibilidade.
2.2 O que eu devo fazer?
Para Kant, o homem deve agir de uma forma desinteressada, por puro respeito à lei moral. Caso contrário, ou seja, aja objetivando ser reconhecido, ele não estará agindo moralmente. A parte da natureza se completa com a liberdade, é o fundamento para as questões práticas: a moral, o direito e a política. Nesse ponto também ocorre um distanciamento da visão grega. Se tomarmos a teoria aristotélica perceberemos que o conceito de eudaimonia é norteador para as ações, configurando-se como teleológica. A perspectiva kantiana se configura como deontológica. Isto significa que não devem ser os interesses e inclinações o que orientará as ações. Estas devem ser orientadas por princípios posicionados para além dos interesses pessoais. Uma das vertentes de desenvolvimento do pensamento kantiano se fez no sentido de fundamentar a prática. Dedicando, pelo menos, duas obras no sentido de fundamenta-la, a saber, a Crítica da Razão Prática e a Fundamentação da Metafísica dos Costumes. A Fundamentação das ações morais tornou-se premente para Kant. Considerando a liberdade como o ponto de partida, estabeleceu alguns critérios racionais para poder julgar quando uma ação deve ser considerada moral. O critério por excelência posto pelo filósofo de Königsberg é o imperativo categórico em suas quatro formulações. Esse critério é suficiente, na perspectiva deontológica para estabelecer a validade de uma ação sob o ponto de vista moral.
2.3 O que me é permitido esperar?
Todos nós somos merecedores de esperar a felicidade e essa esperança está diretamente ligada com a crença na existência de Deus. A tentativa de encontrar verdades através das experiências, o desejo de se ter um aperfeiçoamento moral e a busca pela transcendência do sensível - fazem com que os homens busquem por uma recompensa. Todos nós somos merecedores de esperar a felicidade e essa esperança está diretamente ligada com a crença na existência de Deus. Já que a esperança de sermos felizes está intrinsicamente ligada com a crença na existência de Deus, surge o problema da felicidade como princípio moral. Toda atividade humana é orientada em busca de uma finalidade. A ideia de finalidade é, pois, um conceito a priori, regulador e não constitutivo, conforme indica Kant: “por esse conceito a natureza é representada como se algum entendimento encerrasse em si o princípio da unidade da multiplicidade das suas leis empíricas” (KANT, 1993, p.25). A ideia de finalidade é retomada em A Paz Perpétua e com ela, ele consegue nos mostrar aspectos concernentes ao que ele entende por finalidade. Em A Paz Perpétua, Kant trata da possibilidade de constituição de um Estado Cosmopolita. Somente neste Estado, teríamos um progresso moral do homem e consequentemente haveria paz entre os povos. Mas o homem ainda não é um ser moral, ele ainda age motivado por móbiles não racionais. Em seu texto Resposta à pergunta: O que é esclarecimento? Kant afirma ser o homem um ser menor, preguiçoso, e, portanto, incapaz de se orientar pelo seu próprio entendimento, valendo-se sempre do entendimento dos outros, e desta forma, sendo incapazes de pensar, de raciocinar.
2.4 O que é o homem?
Para Kant, o homem é um ser racional e ele existe como um fim em si mesmo. Essa conclusão é inferida da análise da existência do homem, conforme indica Soraya Nour: (2004, p. 10). Importa primeiramente destacar que a antropologia kantiana é uma tentativa de superar a psicologia empírica da escola wollfiana, conforme aponta Bonaccini (2010, p. 151/152). A interpretação de Bonaccini indica a defesa de teses contrárias por parte dos estudiosos de Kant, por exemplo, ao questionar se a antropologia Kantiana é ou não uma ciência. À parte dessas discussões vamos nos ater a ideia básica de tentar dizer algo acerca da pergunta que moveu Kant e também nos mobiliza. Desse modo, buscamos uma resposta que nos indique a possibilidade de pensar como é possível os Direitos Humanos e uma sociedade cosmopolita a partir de uma concepção de homem que ultrapassa o homem empírico. Kant não tem uma resposta definitiva para essa pergunta, porém ele chega a um conceito aproximado do que seja o homem, quando ele trata do ser humano tomado universalmente. Para responder a essa pergunta, é necessária a análise do conceito de ser racional e da existência desse ser. Para Kant, o homem é um ser racional e ele existe como um fim em si mesmo. Essa conclusão é inferida da análise da existência do homem, conforme indica Soraya Nour: (2004, p. 10) “o ser racional existe como fim em si, como um valor absoluto, e não como meio para outros fins com valor relativo”. E ela retoma essa ideia a partir de uma das formulações do imperativo kantiano que diz que a ação praticada em relação a outro ser humano deve considerar a humanidade na pessoa do agente como nas demais, sempre como fim e jamais como meio.O conceito de ser racional em geral deve ser suficiente para distingui-lo de todo os demais seres existentes na natureza, principalmente se tomarmos a classe dos animais. Essa racionalidade desdobra-se, como já visto, no aspecto cognitivo, volitivo, escatológico e sintetiza-se sob a forma da antropologia. Kant percebe, via processo cognitivo, que a natureza atua seguindo leis inexoráveis. O homem é capaz de conhecer e reconhecer tais leis, e também busca, mediante a vontade, estabelecer leis a fim de regular seu próprio comportamento, pois se “tudo na natureza atua conforme leis”, lê-se aí um indicativo para fins de regulação das ações. Apenas um ser racional tem a faculdade de agir conforme a representação de leis, isto é, conforme princípios, pois é dotado de vontade.
3-METODOLOGIA: Bibliográfica e descritiva.
4-CONCLUSÃO
Viu-se, em Kant, a ideia de uma concepção antropológica que está vinculada à construção dos direitos humanos e da paz perpétua. Saber quem é o homem era a pergunta mais importante para o prussiano. Seus esforços teóricos foram no sentido de desvela-lo. Sua filosofia do conhecimento nos indicou dois caminhos, as condições de possibilidade de todo conhecimento dependem de um tipo de juízo, aquele capaz de síntese entre entre as proposições empíricas e a condição transcendental apriorística que garantem necessidade e universalidade. O outro caminho é aquele que delimita a possibilidade do saber, mas abre-se para o fazer, para o mundo das ações.A ação moral constituiu uma das ocupações centrais do pensamento de Kant. As ações também podem ser objetos para uma investigação filosófica. Se a natureza age segundo leis, a liberdade é condição fundante de toda ação a partir de onde se elaboram as leis que vão reger as ações humanas. O esforço de Kant vai no sentido de determinar quais são os fundamentos básicos da moral. Todo esse processo é regido por uma lógica que aponta para o caráter eminentemente racional da moral e, mais adiante, do direito.A paz perpétua é resultado de uma construção racional que se desdobra em aspectos diferentes: cognitivo, valorativo, escatológico e, como síntese, uma compreensão que somos complexos desde nossa constituição, que somos livres e nos reelaboramos moralmente, socialmente, politicamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KANT, IMMANUEL. Fundamentação da metafísica dos Costumes E Outros Escritos. 2. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2005.
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_____. Crítica da razão prática. Tradução de Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes. 2003.
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_____. Antropologia do ponto vista pragmático. Tradução de Clélia Martins. São Paulo: Iluminuras, 2006.
PASCAL, G. O pensamento de Kant. 4. Ed. Tradução de Raimundo Vier. Petropolis: Vozes, 1992.
NOUR, SORAYA. A paz perpétua de Kant: filosofia do direito internacional e das relações internacionais. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
PEREZ Daniel Omar. A antropologia pragmática como parte da razão prática em sentido kantiano. Manuscrito – Rev. Int. Fil., Campinas, v. 32, n. 2, p. 357-397, jul.-dez. 2009.
BONACCINI, Juan. Antropologia, ciência da natureza humana “por analogia”. Kant e-Prints. Campinas, Série 2, v. 5, n. 3, p. 145-161, número especial, jul.- dez., 2010.