AS CONCEPÇÕES TEÓRICAS COM RELAÇÃO A DISTINÇÃO ENTRE AUTOR E PARTÍCIPE

16/10/2018 às 08:28
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA COAUTORIA E DA PARTICIPAÇÃO NO DIREITO PENAL.

AS CONCEPÇÕES TEÓRICAS COM RELAÇÃO A DISTINÇÃO ENTRE AUTOR E PARTÍCIPE

Rogério Tadeu Romano

I – A TEORIA FORMAL-OBJETIVA. O MONISMO E A TEORIA DA CAUSALIDADE

O fato punível pode ser obra de um só ou de vários agentes. Seja para assegurar a realização do crime, para garantir-lhe a impunidade, ou simplesmente, porque interessa a mais de um o seu cometimento, reúnem-se os consórcios, repartindo entre si as tarefas em que se pode dividir a empresa criminosa, ou então se coopera apenas na obra de outro, sem acordo embora, mas com a consciência dessa cooperação. Fala-se em concurso de agentes.

A doutrina tradicional do concurso de agentes vem do direito romano posterior, mas, sobretudo, aos práticos do direito intermediário, distingue, para diversa punibilidade categorias bem definidas de partícipes, segundo a natureza da participação. Foi essa doutrina que os penalistas clássicas trouxeram para diversas legislações.

No direito penal no que concerne ao estudo com relação a concurso de agentes, tem-se a preocupação de distinguir autor e participe pela realização do ilícito penal.

Segundo um critério formal-objetivo, seria autor aquele que realizasse a ação executiva, a ação principal do delito, a ação típica. Segundo este critério, é autor aquele que realiza, com a própria conduta, o modelo legal do crime. Nessas ordem de ideias, partícipe seria aquele que “não executa o tipo legal, mas cuja conduta constitui tão-só uma ação prévia ou preparatória.

No pensamento penal do século XIX, essa teoria predominou até há algum tempo. Aderiram a essa corrente: Merkel, von Lizst, Sauer, Dohra, Reling e Mezger. Assim como na Alemanha, essa corrente de pensar alcançou prestígio na Alemanha, como se vê do Código Zanardeli, Santoro, Bettiol, Antolisei, quanto ao regime do Código Rocco.

Diversos são os penalistas que, no Brasil, adotaram o critério formal-objetivo. São eles: Anibal Bruno, Salgado Martins, Frederico Marques, Mirabete, René Ariel Dotti e Beatriz Vargas Ramos.

Como bem ensinou Nilo Batista(Concurso de Agentes, 2ª edição, pág. 61), entre os finalistas brasileiros há quem – como Mastieri – não se preocupe com a distinção, há quem adote o critério formal-objetivo como Damásio de Jesus, até 1999. Há quem,  embora se ocupando do critério final-objetivo, opte pelo critério formal-objetivo, como se lê de Heleno Fragoso. Mas, Miguel Reale e Luiz Régis Prado propuseram combinar o critério formal-objetivo com o final-objetivo.

Há três linhas de fundamentação para o critério formal-objeitivo. A primeira procura assentar-se em que a circunstância de executar o delito revela uma maior periculosidade e reprovabilidade que um fato de cometer um mero ato preparatório. A segunda almeja fixar-se no teor literal dos preceitos penais. A terceira cifrada naturalmente nos códigos que o permitem, busca derivar o critério formal-objetivo dos textos legais referentes a autoria e coautoria, como concluiu  Ordeig.

Na lição de Anibal Bruno (Direito Penal, tomo segundo, 1967, pág. 258), a maneira de resolver o problema da coautoria está presa ao ponto de vista que se adote em relação à causalidade, como ensinou Mezger (Strafrecht, 1949, pág. 412).

Assim admitida pelo Código Penal, em sua redação original para a parte geral, na explicação do nexo causal, a equivalência de condições, cada condição é uma causa, e todo indivíduo só por haver posto uma condição para o resultado, assume a posição de autor. Todo o colaborador é autor. Pouco importa que um tenha consumado a ação típica de matar alguém e outro apenas fornecido a arma ou ficado de tocaia para garantir a segurança do matador.

Há autores que ponderaram que uma coisa é a causalidade física, que o princípio da equivalência pode reger sem restrições, outra a realidade jurídica, necessariamente complexa, em que há sempre que distinguir. Para Mezger, embora seja concebível punir todos os concorrentes sem distinção, como autores do fato, uma sensibilidade jurídica mais apurada não seguirá este caminho, mas distinguirá de modo mais preciso as diversas formas de participação no fato punível.

Para os monistas, diante do concurso de agentes, o crime é um só. Todos os atos são frações de um unitário e pelo resultado visado por todos responde cada um dos agentes.

Aliás, Magalhães Noronha(Direito Penal, volume I) afirmou: “Abraçou a nossa lei a teoria unitária ou monista.”

Mas, de outro lado, Nilo Batista(obra citada, pág. 37) disse: “Se se quiser ignorar aquela “classificação subterrânea mas real” a que se referiu Esther de Figueiredo Ferraz, e, por vezes nem tão subterrânea e, como veremos, pode-se afirmar que o Código penal de 1940 – e isso não foi modificado pela reforma de 1984 – adotou uma visão indiferenciada de autores e partícipes, baseada numa concepção extensiva da autoria de base causal. Daí não decorre logicamente tenha optado pelo monismo(consideração em que todos concorrem num só crime), tal constatação terá que ser perquirida sobre outras bases)”.  

Importante a conclusão de Nilo Batista(obra citada, pág. 37): “Um ponto de partida residiria  no emprego da voz “crime” no singular pelo artigo 29 do CP como observara Damásio E. de Jesus(Da Codelinquência, pág. 17) acerca do artigo 26 da redação de 1940. De maior espectro parece-nos a observação de que, em inúmeros dispositivos que regulam o assunto, o texto legal se refere a uma atividade de convergência que não pode ser depurada do conteúdo da vontade e reduzida às mera causação: “concorre para o crime”(art. 29), “cooperação no crime”(art. 62, inciso I), “se algum dos concorrentes quis participar do crime menos grave”(artigo 29, § 2º). E o art. 31 liquida a discussão, pois se extrai com tranquilidade que “o crime” nele referido é algum conceito superior – ou pelo menos diverso – das formas participativas ali contempladas”.

Para Nilo Batista é evidente que uma teoria que configura o concurso criminoso de pessoas como pluralidade de crime distintos não pode conviver com tais dispositivos por mais que a equiparação de base causal surgirá o entendimento da autonomia do título de punibilidade dos concorrentes. Assim não será possível, a partir deles, ascender àquela construção tão cara ao pluralismo que apresenta o ato de partícipe como um crime condicional, de punibilidade dependente da realização do fato principal.

De forma sintética afimou Latagliata(obra citada, 30): "o aspecto monista do concurso considera a determinação do tipo de conduta coletiva vedada e o momento pluralista se resolve no princípio fundamental da individualidade da culpabilidade". A cláusula acrescentada à disciplina do concurso pela reforma de 1984, segundo a qual a punibilidade de cada concorrente se determina segundo sua própria culpabilidade, parece responder a essa inclinação, como ensinou Nilo Batista(obra citada, pág. 39): "monista no injusto, pluralismo na reprovabilidade".

Na doutrina brasileira, a quase totalidade dela faz da teoria do concurso de agentes repousar sobre a contribuição causal para o delito. Mesmo assim sua aplicação prática nos crimes omissivos e de perigo abstrato traz sérias dúvidas.

Daí perguntou Nilo Batista(obra citada, pág. 42): "Será efetivamente o artigo 29 um colorário do artigo 13?

Analisando esses dois artigos do Código Penal, em sua parte geral, ditada pela reforma penal de 1984, antes de mais nada, observe-se que tal regra somente é aplicável a crimes de resultado(quando haja um resultado, impõe-se a relação causal).

Julio Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, volume I, 7ª edição, pág. 217 e seguintes) estudando a causalidade física e psíquica diz que "na questão do concurso de pessoas, a lei penal não distingue entre os vários agentes de um crime determinado em princípio, respondem por ele todos aqueles que concorrem para a sua realização. A causalidade psíquica(ou moral), ou seja, a consciência da participação no concurso de agentes, acompanha a causalidade física(nexo causal). Quando a lei determina que aquele que "de qualquer modo concorrre para o crime incide nas penas a este cominadas", a amplitude do texto deve ser entendida em correspondência com a causalidade material e psíquica. Consequentemente, quem concorre para um evento, consciente e voluntariamente(visto que concorrer para o crime e desejá-lo), responde pelo resultado." Essa a linha identificada em diversas decisões: RT 531/328, 548/449, dentre outros.

Assim, inexistente o nexo de causalidade, não ocorrerá o concurso de agentes ainda que o sujeito desejasse participar do ilícito. Desta forma se alguém empresta ao executor de um delito de homicídio uma arma que, afinal não é utilizada na prática do crime, não há que se responsabilizar o fornecedor da arma como concorrente do citado ilícito.

Mirabete(obra citada, pág. 221) adota a teoria formal-objetiva que delimita com nitidez a ação do autor(autoria) e a do partícipe(participação), complementada pela ideia de autoria mediata. Autor é quem realiza diretamente a ação típica, no todo ou em parte, colaborando na execução(autoria direta), ou quem a realiza através de outrem que não é imputável ou não age com culpabilidade(autoria mediata). São autores, para Mirabete, por exemplo: tanto os que desfecham golpes contra a vítima como os que a imobilizam para ser golpeada(autoria direta) a quem induz um menor a praticar um furto(autoria mediata). São coautores, para Mirabete, os que conjuntamente realizam a conduta típica. Os demais, ou seja, aqueles que, não sendo autores mediatos, colaboram na prática do delito sem realizarem a conduta típica, sem participarem da execução, são partícipes.

Observou, outrossim, Nilo Batista(obra citada, pág. 43), que quanto à segunda parte do art. 13, onde reside a adoção da teoria da equivalência dos antecedentes, não tem destino mais ressonante. Ali se consagra uma forma peculiar de conceber a causalidade, que deverá ser empregada sempre nos estritos limites em que o princípio causal funciona.

Por outro lado, dentro desse estudo, aconselhou Nilo Batista(obra citada, pág. 44) que "se se agrega à argumentação o art. 1º CP, que institui como reflexo do mandamento constitucional o princípio da reserva legal, a expressão "de qualquer modo" do art. 29 se problematiza. Não pode ser interpretada como um voo para fora do tipo do delito, porque seria inconstitucional. Não pode ser concebida como sinônima de "qualquer que seja o nível da eficiência causal", porque estaria ou contrariando o postulado básico da teoria da equivalência de antecedentes, ou reduzindo-se a inútil redundância. Só pode ser entendida se conjugada às formas monossubjetivas de autoria da parte especial, e às demais formas de autoria e participação que se logre extrair da parte geral."

Para Anibal Bruno, o autor é aquele que, em princípio, realiza a ação típica. É o agente do fato principal, em volta da qual se podem desenvolver todas as formas de concurso.

Assim para ele, se daria a coautoria quando vários agentes participam da realização da ação típica. Atuem, então, em conjunto, consciente cada um deles da cooperação que presta à obra comum, e é esta consciência de colaborar em fato coletivo que constitui o nexo psicológico que unifica as ações de todos e dá ao resultado o caráter de delito único, fazendo da hipótese uma das formas de codelinquência. Não haveria, então, um fato principal de outrem, a que adira, como acessória, a atividade do coautor; cada um dos consórcios participa da realização do fato punível na sua inteira configuração legal. A execução da figura típica é subjetivamente e objetivamente uma obra de cada um deles. Pode haver entre eles uma divisão de tarefas, que como Beling chama de ação dupla, como o roubo por exemplo: um dos agentes mantém a pistola apontada contra a vítima, enquanto o outro a despoja dos seus valores.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Vejamos, na análise do fato punível, à luz da corrente expressa, quem realiza a ação típica.

Para Enrique Bacigalupo(Lineamientos de la teoria del delito, 1974, pág. 116), apenas aquele que dispara sobre a vítima realiza a ação típica, ou também aquele que a subjuga para que o dispara seja feito?

Para Soler(Derecho Penal Argentino, 1970, volume II, pág. 244), autor é, em primeiro lugar, o sujeito que executa a ação expressada pelo verbo típico da figura delitiva.

Os filiados ao critério em exame terão que reconhecer como suficiente para determinar a coautoria a simples realização de um “pedaço” da execução de “de uma ação executiva”, quando não se demitam da análise sob o argumento de uma nebulosa execução conjunta.

Ora, segundo esse critério, o organizador de um projeto delituoso que não seja executado diretamente por ele não pode ser considerado autor, já que pessoalmente não cometeu “nenhum fragmento da ação típica”, como concluiu Latagliata. Veja-se o caso de um chefe de quadrilha, um “coronel”, na realidade brasileira, que determina a seu pessoal a eliminação de um desafeto, prescrevendo—lhes o local, hora, modo de execução e fornecendo-lhe os meios, não poderia ser considerado autor do homicídio, mas mero participe. Isso levanta a meditação sobre o caso.

Assim o critério formal-objetivo fracassa quando confrontado com a autoria mediata, no qual o autor não realiza nenhum ato de execução. Entendemos também que Heleno Fragoso(Lições de direito penal, pág. 276, parte geral) e ainda Anibal Bruno insinuam que o autor mediato realiza a ação típica através de terceiro. Mas isso é insustentável, sob a lógica das coisas.

Há ainda um critério material-objetivo em que a distinção entre autoria e participação deveria ser pesquisada sob o prisma da diferença de eficiência ou relevância causal das respectivas condutas. Seria o caso de voltar a analisar a questão diante de condutas causais,

Para Nilo Batista(obra citada, pág. 67), o maior mérito do critério material-objetivo está no questionamento à causalidade “absolutizada”, pela equivalência dos antecedentes.

II – O CRITÉRIO SUBJETIVO E A AUTORIA COLATERAL

Para um critério subjetivo, a distinção entre autor e partícipe residiria em que o primeiro atua com vontade de autor e deseja a ação como própria, enquanto o segundo atua com vontade de partícipe, seja de instigador ou cúmplice e deseja a ação como alheia.

A  autoria colateral se caracteriza justamente por não haver tal vínculo entre os agentes.

Disse Damásio de Jesus que a inexistência do vínculo subjetivo entre os participantes pode levar à autoria colateral. Tal ocorre quando os agentes, desconhecendo cada um a conduta do outro, realizando atos convergentes à produção do evento a que todos visam, mas que ocorrem em face de um comportamento de um só deles.

Mas, tal critério, ainda consoante Nilo Batista, arranca, em verdade, da suposição de que, em decorrência da teoria da conditio sine qua non, seja impossível estabelecer objetivamente qualquer diferença entre autor e partícipe e que, portanto, essa diferença só alcança revelar-se mediante uma investigação subjetiva. Partidários dessa opinião estavam: Von Buri, Mezger, Köhler, Busch, dentre outros, segundo se informa de Maurach.

Ainda Maurach, ao criticar tal concepção subjetiva, afirmou que a “estereotipada” fórmula de querer o fato como próprio ou alheio representa um “concepto carente en último término de contenido”. Para Bockelmann a suposição de um animus auuctoris é sempre problemática e do animus socii diz ser uma “pura ficção”, não uma realidade psíquica.

III – O CRITÉRIO FINAL-OBJETIVO E A COAUTORIA E PARTICIPAÇÃO

Mas há o critério final-objetivo.

Na linha formulada pela doutrina alemã, com base em Welzel e ainda Roxin, sou dos que entendem que a lei brasileira, com a reforma penal de 1984, adota a teoria do domínio final do fato. É o critério final-objetivo, como disse Nilo Batista, onde autor do crime será aquele que, na concreta realização do fato típico, consciente, o domina mediante o poder de determinar o seu modo e quando possível interrompê-lo. Autor é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. Não é só aquele que executa a ação principal, o que realiza a função típica (matar, roubar, furtar, causar dano), como ainda aquele que se utiliza de uma pessoa  que não age com dolo ou culpa(elemento subjetivo do tipo penal), como é o caso do autor mediato. Já o partícipe limita-se a colaborar com o fato, dominado pelo autor e coautores, de modo finalista, podendo advir por cumplicidade ou instigação, que abrange a determinação e a instigação propriamente propriamente dita, temos a conduta que faz reforçar e desenvolver no autor direto a resolução ainda que não concretizada, mas preexistente.

Há evidente coautoria nos chamados crimes dolosos, como é o caso do roubo, furto e ainda dano, por exemplo. A maioria da doutrina considera que há coautoria culposa, mas descarta a possibilidade de participação culposa. Realmente discute-se a possibilidade de comum resolução para o fato em caso de crimes culposos, onde há violação do dever. Da mesma forma, não se fala em coatoria, nos chamados crimes omissivos, crimes de dever, pois é impossível falar em domínio do fato frente à estrutura desses crimes, como já expôs Roxin, em seu Täterschaft und Tatherrschaft.

Existe a autoria mediata quando na realização de um ilícito penal, o autor se vale de um terceiro que atua como instrumento. Aqui se realça o domínio do fato, numa zona fronteiriça entre a autoria direta e a participação, não se ocupando os chamados crimes de mão própria, como é exemplo o falso testemunho, que comporta participação e não coautoria ou autoria colateral. Seu campo de aplicação está nos chamados crimes de resultado, não se concebível nos chamados crimes culposos ou omissivos. Será o caso: do erro determinado por terceiro(artigo 20,§ 2º, do CP), uma hipótese de erro do instrumento a respeito de elementos objetivos do tipo legal(o médico entrega a enfermeira, que de nada sabe, veneno, para matar o paciente, seu inimigo); do instrumento que atua sob coação moral irresistível da parte do autor mediato; do instrumento que atua em estrita obediência de dever legal, em hipótese de erro de proibição, em condutas que estão envolvidas num aparelho organizador de poder, como é o caso da criminalidade inserida dentro do poder do Estado.

É a dolosa colaboração de ordem material objetivando o cometimento de um crime doloso. È o famoso caso do vigia, que fica de tocaia, observando a execução do crime pelos coautores, que matam ou roubam ou furtam.

É a dolosa colaboração de ordem espiritual objetivando o cometimento de um crime doloso.

Por determinação se compreende a conduta que faz surgir no autor direto a resolução que o conduz à execução. Por instigação, propriamente dita, temos a conduta que faz reforçar e desenvolver no autor direto a resolução ainda que não concretizada, mas preexistente.

Vem a noção do domínio do fato que é, pois, constituída por uma objetiva disponibilidade da decisão sobre a consumação ou desistência do delito, que deve ser conhecida pelo agente, isto é, dolosa.Nessa forma de pensar o autor será aquele que, na concreta realização do fato típico, consciente o domina mediante o poder de determinar o seu modo e, inclusive, quando possível, de interrompê-lo. Na lição de Nilo Batista, "autor é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. E não só o que executa a ação principal, o que realiza a conduta típica, como também aquele que se utiliza de uma pessoa que não age com dolo ou culpa(autoria mediata). O agente tem o controle subjetivo do fato e atua no exercício desse controle."

Assim o chefe da quadrilha que não executa o crime é ainda autor, por ter o dominio do fato.

Para Gallas, Wessels e Jescheck, a noção de domínio do fato admite uma convivência de momentos objetivos e subjetivos. Como disse Ordeig, a doutrina do domínio do fato é “totalmente objetiva” no sentido de que esta expressão possui tradicionalmente nas teorias da participação.

Para Bacigalupo((La noción de autor, pág. 48) “quem realmente domina o fato não pode modificar essa situação por um ato de vontade”.

Para Welsel, é autor de um delito culposo quem através de uma ação que lesiona o grau de cuidado necessário no trânsito, involuntariamente, produz um resultado típico. Qualquer grau de concausalidade para a involuntária produção do resultado típico através de uma ação que não atenda ao cuidado necessário no trânsito que fundamenta a autoria do correspondente delito culposo. Para ele, não existe, na esfera dos crimes culposos, diferença entre autoria e participação.   

Nos crimes culposos é autor todo aquele que viola o dever objetivo de cuidado a que está adstrito, provocando, de forma isolada, ou em concurso com outras pessoas, o resultado típico.

Magalhães Noronha  entende cabível a coautoria em crime culposo. Por sua vez, Nilo Batista é contra.  Para ele, nos crimes culposos haverá autoria ou autoria colateral. Não haveria, pois, neles, seja coautoria ou participação.

Por sua vez, fico claro que, nos crimes omissivos, não se pode falar em coautoria, não sendo possível, segundo Roxin , falar em domínio do fato na estrutura dos delitos omissivos.
Crimes existem como o de falso testemunho, um crime de mão- própria, onde não há coautoria, sendo a execução do delito de caráter eminentemente pessoal, mas aceitando a participação.

Por sua vez, como bem lecionou Nilo Batista , a participação consiste em livre e dolosa colaboração no delito doloso de outrem. Tal colaboração se dará por duas formas:  a instigação e a cumplicidade(chamada de auxílio). A instigação corresponde a uma colaboração espiritual no delito alheio enquanto a cumplicidade corresponde a colaboração material. Tudo levando em conta que o partícipe não detém, de nenhuma forma, o domínio do fato.

Várias teorias tentam definir a natureza jurídica da participação:
a) teoria da participação na culpabilidade, pela qual o partícipe deve ser punido porquanto atua gravemente sobre o autor, instigando, induzindo, corrompendo, convertendo ou contribuindo para que ele se torne um delinquente culpável e merecedor da pena;
b) teoria do favorecimento ou da causação, em que o partícipe deve ser punido não porque contribui na ação, mas porque com sua ação ou omissão colabora para que o crime seja cometido, vendo como intolerável o fato do partícipe favorecer ou induzir o autor a praticar uma conduta socialmente danosa e intolerável;
c) teoria da acessoriedade da participação: a participação é uma ação secundária que adere a uma ação principal. Várias teorias tentam justificá-la como a que vê a acessoriedade como mínima, pois basta que ela esteja ligada a uma conduta típica, não sendo relevante a sua antijuridicidade; por sua vez, a teoria da acessoriedade limitada exige que, para se punir a participação, a ação principal deverá ser  típica e antijurídica, pois o fato é comum e a culpabilidade individual; a teoria da acessoriedade extrema, a importância da participação está atrelada a uma conduta principal que deve ser típica, antijurídica  e culpável, excetuando-se somente as circunstâncias agravantes e atenuantes da pena; por fim, há a hiperacessoriedade, onde a punição do partícipe depende ainda da punibilidade do autor.

Partícipe é todo aquele que cujo comportamento na cena do crime não resta imprescindível à consecução do evento.

A teor da regra do artigo 30 do Código Penal está excluída a acessoriedade mínima,  a máxima e ainda a hiperacessoriedade, restando entender que prevalece, da leitura dos artigos 29, caput e parágrafo segundo, 30, 31, 62 e seus incisos, a acessoriedade limitada.

A participação terá duas formas fundamentais: a instigação e a cumplicidade, ainda chamada de auxílio.

A participação por omissão em delitos comissivos dolosos é solucionada com subordinação aos esquemas de omissão imprópria, mas não é possível construir uma instigação por omissão. Pode haver, entretanto, cumplicidade por omissão, onde a inércia do agente deve significar alguma cooperação, em congruência com o dolo que pode ser eventual. Dela se afasta a conivência, onde a inércia do sujeito não significa objetiva colaboração para o delito, nem ele deseja cooperar ainda que torça pelo sucesso da ação do autor.

A instigação, forma de colaboração, é a dolosa colaboração de ordem espiritual objetivando o cometimento de um crime doloso. Tal instituto poderá abranger a determinação e a instigação propriamente dita. A primeira é a conduta que faz surgir no autor direto a resolução que o conduz à execução. Já a instigação propriamente dita compreende a conduta que faz reforçar e desenvolver no autor direto uma resolução ainda não concretizada, mas preexistente.

Observa-se julgado do  STJ, no RHC 3354, DJU de 4.4.94, pág. 6.690, onde se admite a participação por induzimento. De outro lado, contra, REsp 1.692.212.

A cumplicidade é a dolosa colaboração de natureza material que objetiva o cometimento de um crime doloso. Poderá ser necessária ou não necessária. Tal é muito importante na determinação da significação da ação do participe para o crime(RHC 8.698 – SP, DJ de 18 de setembro de 2000, Relator Ministro Hamilton Carvalhido).

Como então fazer a distinção entre cúmplice necessário e cúmplice não necessário? A partir das ideias de Ordeig sobre a teoria dos bens escassos, Nilo Batista  expôs que ela se desenvolve em três princípios, em que se teria afirmada a cumplicidade necessária: 
a) deve prescindir-se que teria ocorrido sem a colaboração em exame;
b) toma-se como princípio orientador que a colaboração tenha especial importância;
c) uma prestação de serviços sem a qual  não se poderia fazer isso ou aquilo.
Exemplifica-se: a  nível de prestação de serviços, são ¨bens¨ escassos quaisquer condutas inequivocamente criminosas, como vigiar enquanto os outros furtam; qualquer conduta que importe em conhecimentos técnicos específicos. São ¨bens ¨ abundantes  quaisquer condutas  que não sejam inequivocamente  criminosas como transportar o autor  em automóvel direto ao local do crime, data vênia. 

Mas, afastam-se a participação e a coautoria  dos chamados delitos de fusão.
Assim sendo necessária a existência de crime antecedente, não haverá o crime de receptação, se o segundo delinquente, antes de ser ele executado, acordar com o primeiro criminoso acerca da prática embora a sua intervenção se dê, de forma posterior, quer auxiliando o executor(cumplicidade), quer ocultando a coisa, quer comprando-a. Há um concerto prévio, não obstante a posterioridade da ação. Se o segundo delinquente interveio no plano, houve o pactum sceleris, concorrendo, pois, de qualquer modo, no delito, num concurso de agentes. Disse bem Júlio Fabbrini Mirabete  caso o agente tenha conhecimento do fato antecedente, colaborando de alguma forma na conduta do seu autor material, responde pelo crime antecedente e não por receptação.

Se o agente instiga outrem a efetuar a subtração em seu benefício, comete furto.
O fato da receptação, crime patrimonial, ter por pressuposto um crime doloso, não é circunstância que a aproxime da participação, forma de concurso de pessoas, quando duas ou mais pessoas concorrem para a prática de uma infração penal, sendo que tal colaboração se dá seja quando são vários os autores, como naqueles onde existam autores e partícipes.

Que falar dos crimes de mão própria, como o falso testemunho?

No caso se duas pessoas cometem tal delito, há dois delitos e dois autores, sendo irrelevante que se houvessem posto de acordo sobre o procedimento adotado. Os crimes de mão própria não admitem coautoria nem autoria mediata na medida em que o seu conteúdo de injusto reside precisamente na pessoal e indeclinável realização de atividade proibida, como já concluía Mezger.

Tais delitos, entretanto, admitem participação(instigação e cumplicidade). Se duas testemunhas que se põem de acordo para, na mesma assentada, fazerem afirmação falsa, poderá ocorrer teoricamente participação por instigação da testemunha A no delito da testemunha B, sem embargo da própria autoria de A com respeito ao seu falso testemunho.

 Poderia um agente público, um assistente jurídico,  agir por  conivência?

Na conivência, a inércia do sujeito não representa objetiva cooperação para o delito nem ele deseja cooperar ainda que, de forma íntima, espere que o delito seja executado. Na cumplicidade omissiva, a inércia deve significar alguma cooperação, em congruência com o dolo que deve ser eventual. Mas haveria em ambas as hipóteses a inexistência de um dever jurídico de impedir o resultado.

Seria crível que o assistente jurídico veja o gestor público a exercer atos criminosos à frente da instituição, alegando não ter um dever especial de agir, uma vez que seria mero parecerista, não tendo o seu parecer força vinculante, mas facilita essa conduta criminosa? Haveria uma cumplicidade por omissão, no mínimo. Haveria uma colaboração em congruência com o dolo que pode ser eventual.

Ora, tem o consultor jurídico numa instituição pública, um dever jurídico de impedir um resultado criminoso numa empreitada de que tem conhecimento, devendo impedir o resultado que venha lesar a administração? Penso que sim. Ele tem o dever ético e mais ainda legal de agir, no mínimo aconselhando ao gestor sobre a conduta ilícita.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos