Controle jurisdicional da discricionariedade administrativa

17/10/2018 às 15:12
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Como pode ser feito o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa?

A Administração Pública é pautada pelo princípio da legalidade, sendo que, ao administrador compete fazer tudo aquilo que é permitido ou obrigado pela lei – diferentemente do que ocorre no direito privado, em que cabe ao particular fazer tudo aquilo que não é proibido por lei.

Desse modo, a lei possibilita duas formas de atuação do administrador: a vinculada, em que a conduta é regulada em sua totalidade - sendo, como afirma Bandeira de Mello (2009), admitido um único comportamento - e a discricionária, onde há uma margem de liberdade e se pode escolher uma conduta possível, conforme critérios de conveniência e oportunidade, buscando satisfazer o interesse público e com observância aos limites impostos pela lei - já que não se confunde discricionariedade com arbitrariedade.

Assim, Hely Lopes afirma que a discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o Poder Público tem que solucionar a cada passo e para os quais a lei, por mais casuística que fosse, não poderia prever todas as soluções, ou, pelo menos, a mais vantajosa para cada caso ocorrente. [1]

Nesse sentido, a doutrina criou o termo mérito do ato, em que, José dos Santos Carvalho Filho conceitua como “a avaliação da conveniência e da oportunidade relativas ao motivo e ao objeto, inspiradores da prática do ato discricionário" (2007, p.113).

É importante salientar que não se fala em mérito quando o ato é totalmente vinculado, pois aqui o legislador já deixou claro o modo de proceder, cabendo ao administrador apenas aplicar a lei.

Desse modo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que nos atos discricionários o controle judicial é possível, mas não ocorre como nos atos vinculados, já que naqueles é necessário o respeito à discricionariedade administrativa nos limites em que a lei a assegura à Administração Pública, pois quando o legislador vai definir determinado ato deixa, de modo proposital, um espaço para livre escolha da Administração pública, sendo que sua opção é dotada de legitimidade.

Assim, o juiz não pode interferir no mérito do ato administrativo, visto que, caso isso ocorresse, feriria o princípio constitucional da separação dos Poderes, porque substituiria, por seus próprios critérios de escolha, a opção legítima feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência.

Podemos observar isso na Ementa do REsp 4.526 SP 1990/0006592-5:

Ato administrativo – Mérito – A tripartição dos poderes enseja a cada um decidir, no âmbito do discricionário, a oportunidade e a conveniência. O mérito do ato é definido, no caso dos autos, pelo executivo. Ao judiciário é vedado substituir o administrador. O exame da legalidade, além do aspecto formal, compreende também a análise dos fatos levados em conta pelo executivo. Inadequado, porém, simplesmente, alterar a opção daquele poder. (STJ - REsp 4.526 - 2 º Turma - Rel. Min. Vicente Cernicchiaro - j. 5 de Setembro de 1990).[2]

Di Pietro aduz que para ampliar o controle jurisdicional dos atos administrativos foram desenvolvidas a teoria dos motivos determinantes, em que o ato discricionário, uma vez motivado, vincula-se aos motivos indicados pelo administrador e, se eles não existirem ou não forem válidos, o ato é nulo.

É possível concluir que nos atos vinculados o controle judicial recai sobre todos os elementos do ato. Já o controle jurisdicional dos atos discricionários fica limitado, pois, como já falado, o mérito do ato administrativo não pode ser controlado pelo Poder Judiciário, o que não impede sua anulação se identificada alguma ilegalidade. Assim, o intérprete pode examinar os motivos, a finalidade e a causa do ato, o que analisaremos a seguir: 

a) Exame dos motivos:  motivo é a situação de direito ou de fato que autoriza ou exige a prática do ato.[3] Deve ser feita uma análise no caso concreto para averiguar se houve uma situação que motivou a realização do ato administrativo. Se houver o motivo, deve ser analisado se ele é adequado e se devia existir para a prática do ato.

Como nos atos vinculados inexiste um juízo subjetivo quanto aos motivos do ato, há uma aplicação praticamente instantânea da lei. Já nos atos discricionários, há tal juízo do administrador, sendo necessária uma motivação detalhada, devendo ser expressa suas razões.

Desse modo, se inexiste o motivo, ou se dele o administrador extraiu consequências incompatíveis com o princípio de Direito aplicado, o ato será nulo por violação de legalidade. [4]

b) Exame da finalidade - desvio de poder: há desvio de poder quando uma autoridade administrativa se desvia da finalidade que lhe era cabível, ou seja, visa um fim diverso daquele para o qual o ato poderia legalmente ser cumprido. Desse modo, o ato que possui tal vício (desvio de poder) é nulo.

Celso de Mello (2009) apresenta as três modalidades de desvio de poder formuladas por Georges Vedel: (i) querer atingir finalidade diversa da pública, visando atender interesses pessoais; (ii) querer atingir finalidade pública que não está abarcada pelas suas competências (iii) utilizar.

c) Exame da causa do ato: consiste em verificar se a relação entre o motivo (pressuposto de fato) e o conteúdo está de acordo com a finalidade prevista em lei, ou seja, se tem um nexo lógico entre elas.

O exame da causa apresenta especial relevo nos casos em que a lei omitiu-se na enunciação dos motivos, dos pressupostos, que ensejaram a prática do ato.[5]

Após essa análise, podemos concluir que esse controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários é uma forma de garantir à população que a Administração agirá para satisfazer o interesse público.

 

REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 26 edição. São Paulo: Malheiros, 2009.

BANDEIRA DE MELLO, C. A. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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CARVALHO FILHO, JOSÉ. Manual de Direito Administrativo.  18 ed. Rio de janeiro: Lumen Iuris, 2007.

DERTONIO, Clarissa. Controle jurisdicional do silêncio administrativo - dissertação de mestrado. Faculdade de Direito – USP. São Paulo, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia. 27ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014.

LEAL, Carolline; ALMEIDA, Gustavo. O controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 268, p. 83-116, jan./abr. 2015.

LOPES, Hely; FILHO, Emmanuel. Direito Administrativo Brasileiro. 42 ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

Recurso especial 4.526 SP 1990/0006592-5. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/594100/recurso-especial-resp-4526-sp-1990-0006592-5?ref=juris-tabs. Acesso em: 21 de outubro de 2017.

TABORDA, Roberto. O controle judicial da discricionariedade administrativa. Curitiba, 2006.

 


[1] LOPES, Hely; FILHO, Emmanuel. Direito Administrativo Brasileiro. 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p.193.

[2] Retirado de: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/594100/recurso-especial-resp-4526-sp-1990-0006592-5?ref=juris-tabs. Acesso em: 21 de outubro de 2017.

[3] BANDEIRA DE MELLO, C. A. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 86.

[4] BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 26 edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p.968.

[5] BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 26 edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p.973.

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