OS CONTRATOS DE ADESÃO, O COMPROMISSO E A ARBITRAGEM

18/10/2018 às 08:16
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O ARTIGO DISCUTE OS CONTRATOS DE ADESÃO E A ARBITRAGEM.

OS CONTRATOS DE ADESÃO, O COMPROMISSO E A  ARBITRAGEM

Rogério Tadeu Romano

O negócio jurídico de compromisso tem de satisfazer os pressupostos comuns aos contratos, como a capacidade dos figurantes. Se o compromisso for estabelecido em declaração unilateral de vontade, em títulos ao portador, negócio abstrato, tem de satisfazer os pressupostos dos negócios jurídicos unilaterais.

O compromisso há de referir-se ao objeto do litígio, pendente ou futuro sobre o que há de proferir-se a decisão arbitral, bem assim ao lugar que se produza a sentença arbitral(artigo 10, III e IV). Assim tem de mencionar os nomes, profissões e domicílios dos árbitros e das partes, qualificáveis, outrossim, por seu estado civil, como ainda a identificação da entidade a qual se delegarem a indicação dos árbitros (artigo 10, I e II).

O compromisso impede a constituição da relação jurídica processual, se logo exercida a exceção de compromisso, e faz, ao por si, cessar a relação jurídica processual que já se estabeleceu. Tanto assim que, se extingue o compromisso, ou se lhe é decretada a nulidade, não se prossegue na causa que pendia.

Fala-se na cláusula compromissória, que é tratada na Lei nº 9.307/96, artigos 3º, 1ª parte, 4º, 5º, 7º, 8º e 38, V, segunda parte,  (“as controvérsias que surgirem na intepretação ou na execução deste contrato serão submetidas a juízo arbitral”) é pacto de compromisso, ou mesmo, negócio por declaração unilateral de vontade em que ainda não se determinou a demanda ou não se determinaram as demandas que têm de ser decididas por árbitros. O compromisso é o contrato, dificilmente o negócio por declaração unilateral de vontade, em que já se determinava a demanda submetida ao juízo arbitral. A eventualidade é que dilata em cláusula, aplicada a demandas, apenas determináveis, o pacto de compromisso.

Mas a cobrança de dívida fiscal não se submete ao compromisso (Lei nº 6.830/80, artigos 5º e 38). A convenção das partes nesse sentido é nula, mas a lei especial pode submeter controvérsia fiscal à arbitragem(essa lei será federal, pois há competência privativa da União).Também o artigo 32 da Lei de Arbitragem estabelece outras hipóteses de nulidade. 

 Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/96.

O CDC, em seu art. 51, VII, dispõe que “São nulas de pleno de direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que determinem a utilização compulsória de arbitragem”. O art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem, por sua vez, dispõe que: Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

 A dúvida surge, então, justamente quando se trata de contratos de adesão entabulados com fundamento em uma relação de consumo, pois a redação dos mencionados comandos legais sugere uma possível incompatibilidade entre os mesmos.

Observe-se o posicionamento proferido pela 4ª Turma desta Corte Superior, quando do julgamento do REsp 1.189.050/SP (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 14/03/2016), que foi assim ementado: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. CONTRATO DE ADESÃO. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. POSSIBILIDADE, RESPEITADOS DETERMINADAS EXCEÇÕES. 1. Um dos nortes a guiar a Política Nacional das Relações de Consumo é exatamente o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (CDC, art. 4°, § 2°), inserido no contexto de facilitação do acesso à Justiça, dando concretude às denominadas "ondas renovatórias do direito" de Mauro Cappelletti. 2. Por outro lado, o art. 51 do CDC assevera serem nulas de pleno direito "as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem". A mens legis é justamente proteger aquele consumidor, parte vulnerável da relação jurídica, a não se ver compelido a consentir com qualquer cláusula arbitral. 3. Portanto, ao que se percebe, em verdade, o CDC não se opõe a utilização da arbitragem na resolução de conflitos de consumo, ao revés, incentiva a criação de meios alternativos de solução dos litígios.

Ressalva-se, no entanto, apenas, a forma de imposição da cláusula compromissória, que não poderá ocorrer de forma impositiva. 4. Com a mesma ratio, a Lei n. 9.307/1996 estabeleceu, como regra geral, o respeito à convenção arbitral, tendo criado, no que toca ao contrato de adesão, mecanismos para proteger o aderente vulnerável, nos termos do art. 4°, § 2°, justamente porque nesses contratos prevalece a desigualdade entre as partes contratantes. 5. Não há incompatibilidade entre os arts. 51, VII, do CDC e 4º, § 2º, da Lei n. 9.307/96. Visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade. Ademais, há situações em que, apesar de se tratar de consumidor, não há vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção. 6. Dessarte, a instauração da arbitragem pelo consumidor vincula o fornecedor, mas a recíproca não se mostra verdadeira, haja vista que a propositura da arbitragem pelo policitante depende da ratificação expressa do oblato vulnerável, não sendo suficiente a aceitação da cláusula realizada no momento da assinatura do contrato de adesão. Com isso, evita-se qualquer forma de abuso, na medida em o consumidor detém, caso desejar, o poder de libertar-se da via arbitral para solucionar eventual lide com o prestador de serviços ou fornecedor. É que a recusa do consumidor não exige qualquer motivação. Propondo ele ação no Judiciário, haverá negativa (ou renúncia) tácita da cláusula compromissória. 7. Assim, é possível a cláusula arbitral em contrato de adesão de consumo quando não se verificar presente a sua imposição pelo fornecedor ou a vulnerabilidade do consumidor, bem como quando a iniciativa da instauração ocorrer pelo consumidor ou, no caso de iniciativa do fornecedor, venha a concordar ou ratificar expressamente com a instituição, afastada qualquer possibilidade de abuso. 8. Na hipótese, os autos revelam contrato de adesão de consumo em que fora estipulada cláusula compromissória. Apesar de sua manifestação inicial, a mera propositura da presente ação pelo consumidor é apta a demonstrar o seu desinteresse na adoção da arbitragem - não haveria a exigível ratificação posterior da cláusula -, sendo que o recorrido/fornecedor não aventou em sua defesa qualquer das exceções que afastariam a jurisdição estatal, isto é: que o recorrente/consumidor detinha, no momento da pactuação, condições de equilíbrio com o fornecedor - não haveria vulnerabilidade da parte a justificar sua proteção; ou ainda, que haveria iniciativa da instauração de arbitragem pelo consumidor ou, em sendo a iniciativa do fornecedor, que o consumidor teria concordado com ela. Portanto, é de se reconhecer a ineficácia da cláusula arbitral. 9. Recurso especial provido.

Destaque-se ainda outra decisão do STJ na matéria:

Com efeito, visando conciliar os normativos e garantir a maior proteção ao consumidor é que entende-se que a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição, não havendo, por conseguinte, falar em compulsoriedade. Isto é, só haverá falar em eficácia da cláusula compromissória já prevista em contrato de adesão se o oblato/consumidor vier a tomar a iniciativa do procedimento arbitral, ou se vier a ratificar posteriormente a sua instituição, no momento do litígio em concreto, confirmando a intenção da eleição de outrora. (...) Dessarte, a instauração da arbitragem pelo consumidor vincula o fornecedor, mas a recíproca não se mostra verdadeira, haja vista que a propositura da arbitragem pelo policitante depende da ratificação expressa do oblato vulnerável, não sendo suficiente a aceitação da cláusula realizada no momento da assinatura do contrato de adesão. Com isso, evita-se qualquer forma de abuso, na medida em que o consumidor detém, caso desejar, o poder de libertar-se da via arbitral para solucionar eventual lide com o prestador de serviços ou fornecedor. É que a recusa do consumidor não exige qualquer motivação. Propondo ele ação no Judiciário, haverá negativa (ou renúncia) tácita da cláusula compromissória. Assim, é possível a cláusula arbitral em contrato de adesão de consumo quando não se verificar presente a sua imposição pelo fornecedor ou a vulnerabilidade do consumidor, bem como quando a iniciativa da instauração ocorrer pelo consumidor ou, no caso de iniciativa do fornecedor, venha a concordar ou ratificar expressamente com a instituição, afastada qualquer possibilidade de abuso (REsp 1.189.050/SP, 4ª Turma, DJe 14/03/2016).

Conforme noticiou o site do STJ, em 17 de outubro do corrente ano, em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a cláusula arbitral não prevalece quando o consumidor procura a via judicial para a solução de litígios. Segundo os ministros, é possível esse tipo de solução extrajudicial em contratos de adesão, mas desde que haja concordância entre as partes, pois o consumidor sempre terá a possibilidade de optar por levar o caso à Justiça estatal.

Ali se disse:

“O autor da ação que resultou no recurso especial buscava a rescisão contratual e a restituição das quantias pagas após desistir de comprar um imóvel. Em primeiro grau, os pedidos foram julgados parcialmente procedentes. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), porém, declarou a incompetência da Justiça comum para julgar a ação, tendo em vista a existência de cláusula arbitral entre as partes.

Segundo a empresa, essa cláusula foi redigida em negrito e exigiu a assinatura do comprador. Nela estava estabelecido que todas as controvérsias do contrato seriam resolvidas por arbitragem.

Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a relação de consumo do caso está corporificada em um contrato de adesão, como foi reconhecido em primeiro grau. Segundo ela, a dúvida seria se nesse tipo de contrato haveria incompatibilidade entre as leis consumeristas e a da arbitragem.

A ministra disse que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) se limitou a vedar a adoção prévia e compulsória desse tipo de solução extrajudicial no momento da celebração do contrato, mas não impediu que, posteriormente, havendo consenso entre as partes, fosse instaurado o procedimento arbitral diante de eventual litígio.

Segundo explicou, a aparente incompatibilidade das normas não se sustenta ao se aplicar o princípio da especialidade das normas, uma vez que a Lei de Arbitragem versou apenas sobre contratos de adesão genéricos, subsistindo, portanto, a disposição do CDC nas hipóteses em que o contrato, mesmo que de adesão, regule uma relação de consumo.

“Ainda que o contrato chame a atenção para o fato de que se está optando pela arbitragem, o consumidor, naquele momento, não possui os elementos necessários à realização de uma escolha informada”, explicou a ministra ao citar precedentes do STJ no sentido de considerar nula a convenção de arbitragem compulsoriamente imposta ao consumidor.

Em seu voto, ela esclareceu que, com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver em harmonia três regramentos de diferentes graus de especificidade.

A regra geral impõe a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com a derrogação da jurisdição estatal. A regra específica, contida no artigo 4° da Lei 9.307/96, é aplicável aos contratos de adesão genéricos, restringindo a eficácia da cláusula compromissória. Por fim, há a regra ainda mais específica, no artigo 51 do CDC, que impõe a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, em contratos de adesão ou não.

“A atitude do consumidor de promover o ajuizamento da ação principal perante o juízo estatal evidencia, ainda que de forma implícita, a sua discordância em submeter-se ao procedimento arbitral, não podendo, pois, nos termos do CDC, prevalecer a cláusula que impõe a sua utilização, visto ter-se dado de forma compulsória”, informou.

A Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para determinar o retorno do processo ao TJGO, a fim de prosseguir no julgamento, afastada a cláusula arbitral.”

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O Contrato de Adesão é um documento em que nele estão expostas cláusulas que foram previstas, pelo fornecedor, sem que a outra parte (normalmente a mais hipossuficiente da relação de consumo) possa discutir ou introduzir alterações às cláusulas dispostas no contrato.

O contrato de adesão possui condições gerais uniformes de contratação, por ser contrato de massa, visando alcance geral e abstrato sendo possível identificar nas condições características como uniformidade, generalidade e rigidez.

Conseguimos observar a generalidade no contrato de adesão quando o mesmo contrato é elaborado e aplicado, pelo fornecedor, ao máximo número de consumidores, ou seja, uma pluralidade de sujeitos. No que tange a uniformização, o fornecedor deseja o aceite passivo da relação contratual com os consumidores o que torna esta característica da condição uma consequência da simplicidade da atividade econômica, isto significa que, seria impossível exerce-la sob os moldes dos contratos clássicos e paritários.

A rigidez presente nas condições gerais do contrato de adesão é derivada da pré-formulação das cláusulas e da uniformidade, pois do contrário, descaracterizaria a essência do contrato de adesão.

Podemos ainda citar Maria Helena Diniz, que além dos requisitos acima mencionados, nos traz mais algumas condições para a formação do contrato de adesão, que são eles:    

Os contratos de adesão supõem:

2º) Proposta permanente e geral, aberta a quem se interessar pelos serviços do proponente, dirigindo-se a um grupo indeterminado de pessoas. Assim sendo, o contrato se forma com qualquer pessoa, a não ser naqueles casos em que se permitem ressalvas como p. Ex., no da empresa de transporte, que não pode ser obrigada a admitir passageiros além da lotação do veículo;

3º) Aceitação pura e simples do oblato, simplificando, desse modo, a maneira de produzir-se o consentimento;

4º) Superioridade acadêmica de um dos contratantes, que desfruta de um monopólio de fato ou de direito.

Portanto, são requisitos que reforçam ainda mais a ideia da rigidez do contrato em comento e a necessidade do aceite por parte do oblato.

Foi concedido pelo CDC tutela ao consumidor para resolver litígios, a utilização compulsória da arbitragem, conforme dispõe o artigo 51, inciso VII, do CDC, no sentido de fixar cláusulas que instituam compulsoriamente a utilização da jurisdição alternativa da arbitragem serão nulas:

Art. 51 São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

VII – determinem a utilização compulsória da arbitragem.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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