Os municípios estão se deparando com iniciativa dos tribunais de contas dos Estados, visando a efetiva regulamentação do artigo 5º, da Lei nº 8.666/1993, que prevê a obrigatoriedade dos pagamentos efetivados nas fazendas municipais, obedecerem ordem cronológica.
O artigo 5º tem o seguinte teor. É importante entendê-lo para que o deslinde das explicações fique claro:
"Art. 5o Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada."
Aqui destacamos alguns aspectos que merecem acolhida. O primeiro aspecto, a ordem cronológica restringe-se às hipóteses do artigo, que são "fornecimento de bens", "locações", "realização de obras" e "prestação de serviços". Excluídas as demais.
A ordem cronológica não é de todos os pagamentos, devem ser separadas por fonte de recursos, ou seja, cada fonte de recursos tem sua lista. Não se misturam.
O não atendimento da ordem cronológica, pode ser objeto de justificativas, o próprio texto legal indica isso, com a ressalva de que as justificativas devem ser publicadas. Nas justificativas "relevantes" devem privilegiar "razões de interesse público". Como em todo ato administrativo, em primeiro lugar vem o interesse público.
Sobre a necessidade de regulamentação nos deparamos com estudo do Tribunal de Contas da União (TCU), que diz o seguinte:
“As iniciativas com vistas à regulamentação do disposto no art. 5o da Lei 8.666/1993 apresentam-se como medidas essenciais para conferir efetividade à norma”
Assim, a efetividade da norma, segundo o voto constante do Acórdão nº 551/2016 – TC 002.999/2015-3 – RELATOR Ministro Vital do Rego – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – TCU.
O mesmo TCU realizou, recentemente, inspeção em unidades federais com vistas a averiguar o atendimento aos requisitos do artigo 5º, não tendo detectado práticas adequadas ao mesmo.
No âmbito federal, o Ministério do Planejamento, regulamentou a matéria por intermédio da Instrução Normativa nº 2, de 6 de dezembro de 2016. Ela, in casu, tem sido replicada nos municípios sem qualquer aprofundamento ou análise das realidades locais, que são muito diferentes da União e de seus ministérios.
Sobre isso, paira em nosso entendimento, séria dificuldade, acerca dessa Instrução Normativa, quanto ao que prevê o seu artigo 3º. Ele trata do momento em que o credor entra na fila. A bem da verdade, para a Instrução Normativa, o credor entra na fila no ato do recebimento da nota fiscal ou fatura pela unidade administrativa responsável pela gestão do contrato.
Não vejo como melhor técnica esse aspecto, que é fundamental no deslinde das gestões municipais. Em que pese a sapiência do legislador que a elaborou, ela não espelha a realidade dos municípios brasileiros, mormente os pequenos, que nunca trabalharam, em sua maioria, com a obediência a preceitos de planejamento.
E explico os motivos. Ao admitir que o credor entra na fila no ato da entrega e atestação da nota fiscal, o gestor considera que de forma eficiente, os atestantes receberam todos os itens e conferiram a efetiva prestação do serviço ou entrega da obra. Porém, nem sempre é assim. Imagine você o exemplo de merenda escolar, que é entregue em diversas unidades escolares, mas apenas dois servidores atestam a nota fiscal (por previsão legal é assim). Não há garantia, para o gestor, que todos os que deveriam receber os produtos, estão satisfeitos e os mesmos foram entregues a contento. O mesmo pode ocorrer, in casu, nas prestações de serviços da área de saúde, exames e tantos outros.
Mais relevante que isso, é o atendimento, por parte do credor (fornecedor) dos requisitos para recebimento, quais sejam, comprovar adimplência fiscal, requisito que não será verificado nessa fase. Mas ele já estará atravancando a fila, correndo o risco de outros fornecedores em dia com os tributos, estarem sujeitos a esperar sua regularização.
O texto da Instrução Normativa não é ruim, mas pode ser adaptado e melhor estudado, com análises quanto aos aspectos de cada ente que tome para sim a obrigação de regulamentar o artigo 5º da Lei de Licitações.
Note que o artigo 4º da Instrução Normativa também fixa prazos para pagamentos. Estes prazos levam em consideração a realidade do Governo Federal e seus ministérios, não leva em consideração a situação dos municípios, que, em sua quase totalidade, dependem de repasses e de verbas que ele não arrecada.
Os tribunais de contas agem com extremo rigor em relação a isso, o que integra seu papel e suas responsabilidades. Mas a lei não faz limites à regulamentação. Ela pertence ao ente público municipal. Os parâmetros são esses do artigo 5º da Lei de Licitações, não há nenhum outro.
Note-se que essa preocupação, até o momento não foi notada, nem observada por nossos legisladores, mesmo que vigentes desde 1993, quando foi sancionada a lei de licitações. Não é lei nova. E ela nunca foi exigida exatamente por nunca ter sido regulamentada, o que reconhece o TCU.
Quanto à obrigatoriedade de publicação das listas, ela não existe no artigo 5º da Lei nº 8.666/93, foi introduzida exatamente na Instrução Normativa. A lei federal exige apenas que sejam publicadas as justificativas para o descumprimento da ordem cronológica. Essas sim, necessitam de publicação. Já as listas, é ato novo.
Importante também, na regulamentação local, que sejam analisadas as hipóteses de quebra da ordem cronológica, que a IN inseriu em seu artigo 5º. Importante que seja conceituado, o que não ocorre na norma federal, o que são serviços necessários ao funcionamento dos sistemas estruturantes. No município, que serviços são classificados como estruturantes?
O TCE/RJ tem empreendido notificações aos ex e atuais prefeitos, cumprindo seu papel constitucional. Cabe aos prefeitos e suas assessorias jurídicas, cuidar com carinho desse problema que os afetará no mandato, até o dia 31 de dezembro de 2020.