A prática abusiva da companhia aérea que cancela automaticamente o voo de volta em razão do “no show” na ida

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19/10/2018 às 16:19
Leia nesta página:

a ilegalidade do cancelamento da passagem de volta, se não houve comparecimento na ida, pela companhia aérea

O consumidor, normalmente, ao se programar para viajar de avião seja a negócios ou a lazer, compra a passagem de ida e também a passagem de volta junto à mesma Companhia aérea.

Entretanto, pode ocorrer algum imprevisto e a pessoa não consegue viajar no dia programado, ou consegue ir de outra forma (carona, ônibus, etc) mas pretende voltar no dia programado, de avião. Qual não é surpresa quando, ao chegar para viajar, é informado que seu voo de volta foi cancelado e outra pessoa foi colocada em seu lugar.

Tal conduta pode ser considerada abusiva e ilegal? O STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.595.731-RO, julgado em 14/11/2017, DJe 01/02/2018, entendeu que sim.

Sabe-se que, o cancelamento unilateral do trecho da volta da viagem, por parte da Companhia aérea, quando o consumidor não comparece ao trecho de ida, o chamado “no show” é prática tarifária comumente utilizada no mercado de venda de passagens aéreas.

Tal prática possibilita que a companhia aérea faça nova comercialização do assento do avião, atendendo, dessa forma, interesse essencialmente comercial, com obtenção ainda maior de lucro, a partir da duplicidade de venda.

O que ocorre, usualmente, é que a totalidade dos bilhetes da aeronava é vendida, mas nem todos os passageiros comparecem para embarque. Isso pode vir a ocorrer, dentre outros motivos, pelo chamado “no show”. Assim, como estratégia de equacionar custos e riscos, as empresas aéreas optam por cancelar automaticamente o voo de volta do passageiro que não embarcou na ida, podendo assim, revender o assento para outro passageiro.

Ainda que tal comportamento possa ser justificado do ponto de vista empresarial, configura prática abusiva, pois afronta direitos básicos do consumidor, tais como:

  1. a vedação ao enriquecimento ilícito, visto que quando o consumidor adquire uma viagem de ida e volta, ele compra 2(duas) passagens aéreas. Tanto é que, se ele compra 1(um) bilhete só, o valor pago será inferior ao valor pago pelas 2(duas) passagens, demonstrando claramente a autonomia dos trechos contratados. Dessa forma, o cancelamento imotivado de um dos trechos, pela companhia área, significa frustração por parte do consumidor na utilização de um serviço pelo qual ele, efetivamente, pagou. Trata-se, portanto, de inadimplemento imotivado por parte da companhia aérea, trazendo, ainda, um novo gasto financeiro, já que ele precisa, de alguma forma, retornar ao seu local de origem;
  2. a falta de razoabilidade nas sanções impostas, já que, normalmente, nos contratos com as companhias aéreas, há previsão de que caso o consumidor não compareça para o embarque( “no show”), será cobrada uma taxa administrativa( tipo uma multa) pela quebra do contrato, além da penalidade de perda da passagem de volta. O valor que sobrar ficará como crédito para o consumidor remarcar a passagem ou solicitar seu reembolso, em até 1(um) ano. Trata-se, segundo entendimento do STJ,  de uma sucessão de penalidades, de forma desarrazoada, por somente uma falta cometida pelo consumidor
  3. deficiência na informação sobre os produtos e serviços prestados, pois o Código de Defesa do Consumidor prevê que a cláusula restritiva em um contrato de adesão deve ser redigida com destaque ou visibilidade. Como, normalmente tal previsão não respeita o terminado pelo CDC, há infringência ao Princípio da Transparência, resultando, como consequência, na sua nulidade, com base no artigo 51, IV do CDC.

Dessa forma, caso haja tal conduta, por parte da Companhia aérea, pode ensejar a sua responsabilização civil consistente no dever de reparar os danos causados ao consumidor, dentre eles no valor despendido para aquisição da passagem aérea ( trecho de volta não usufruído), bem como prejuízos decorrentes do cancelamento da viagem e compra de nova passagem aérea.

Sobre a autora
Mara Ruth Ferraz Ottoni

advogada e especialista em Processo Civil, pela PUC-MG, ex-orientadora do NPJ da Faculdade Projeção, em Brasília, sócia do escritório NCFerraz Advocacia Especializada, em Sobradinho-DF e Belo Horizonte-MG. Mestre em Direito pelo IESB, em Brasília Professora universitária na Faculdade de Sabará/MG

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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