Direito real de laje aplicado à geração de energia distribuída como fomento ao desenvolvimento econômico colaborativo e sustentável

21/10/2018 às 20:09
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Utilização do direito real de laje para além do inicialmente proposto como regularização fundiária de "puxadinhos", mas como instrumento jurídico de constituição de mini/micro usinas de geração distribuída em centros urbanos.

I - Introdução

As Resoluções Normativas ANEEL 482/2012 e 687/2015 instituíram a figura do “prosumidor” de energia elétrica em baixa e média tensão, sendo simultaneamente produtor/fornecedor e consumidor de energia. Por meio de um regime de compensação, aqueles que gerarem energia em sua residência ou empresa advinda de fontes renováveis podem deduzir do seu consumo.

Em suma, a nova legislação enumera 4 formas de compensação conforme a seguir:

  1. Autoconsumo: trata-se de geração e consumo na mesma unidade.
  2. Autoconsumo remoto: caracteriza-se por unidades consumidoras de titularidade de uma mesma pessoa jurídica ou física que possua unidade com geração de energia distribuída em local diferente das unidades consumidoras, dentro da mesma área de concessão ou permissão atendida pela distribuidora local, nas quais a energia excedente será compensada.
  3. Geração compartilhada: caracterizada pela reunião de vários consumidores, dentro da mesma área de concessão ou permissão da distribuidora de energia local, por meio de consórcio (pessoas jurídicas) ou cooperativa (pessoas físicas), que possua unidade de geração em local diferente das unidades consumidoras nas quais a energia excedente será compensada.
  4. Empreendimento com múltiplas unidades consumidoras: caracteriza-se pela utilização da energia elétrica de forma independente, no qual cada fração com uso individualizado constitua uma unidade consumidora e as instalações para atendimento das áreas de uso comum constituam uma unidade consumidora distinta, de responsabilidade do condomínio, da administração ou do proprietário do empreendimento. As unidades consumidoras devem estar localizadas em uma mesma propriedade ou em propriedades contíguas, sendo vedada a utilização de vias públicas, de passagem aérea ou subterrânea e de propriedades de terceiros não integrantes do empreendimento.

As modalidades de autoconsumo e autoconsumo remoto referem-se a um ato unilateral do único proprietário do empreendimento e que, portanto, gera efeito apenas para si mesmo, não importando no momento maiores considerações.

A diferença entre geração compartilhada e múltiplas unidades é que, embora em ambos o grupo (consórcio ou cooperativa) deva ser proprietário do local onde será gerada a energia, no primeiro caso a energia pode ser aproveitada em diversas localidades, até mesmo em diferentes municípios, contanto que estejam na área da mesma concessionária de distribuição elétrica, enquanto no segundo caso a unidade geradora ainda pode estar em outro lugar, mas é necessário que as unidades consumidoras estejam agregadas de forma contígua em um mesmo local, como um prédio ou uma vila.

Vale ressaltar que a geração distribuída para múltiplas unidades pode importar em geração apenas para suprir o consumo da área comum do condomínio, mas pode também suprir somente as unidades autônomas, bem como ambos, consumo da área comum e das unidades autônomas.

O fato é que para geração compartilhada ou geração em empreendimento de múltiplas unidades consumidoras, a limitação física da propriedade pode não permitir a geração de energia suficiente para todas as unidades. Grandes edifícios, por exemplo, possuem uma área limitada para instalação de painéis fotovoltaicos, que não permitiria suprir toda a demanda de seus consumidores.

Para viabilizar os empreendimentos de geração compartilhada e/ou de múltiplas unidades consumidoras que encontram limitação de área, sobretudo nos centros urbanos, a solução poderia ser adquirir vários terrenos em cidades com baixo custo do metro quadrado para instalação dos empreendimentos de geração e realizar o aproveitamento nas unidades consumidoras.

Em médio e longo prazo podemos citar diversos problemas advindos desta forma de negócio, sendo os principais a inflação das propriedades em áreas com elevados índices de radiação solar e a questão da segurança destes empreendimentos.

São notáveis no Brasil os prejuízos milionários com furto de materiais elétricos (cabos, postes, transformadores, etc.). A proliferação de micro/mini usinas de geração fotovoltaicas ou eólicas em pequenas cidades poderá ser um futuro alvo para ações criminosas, considerado o maior valor dos painéis solares e inversores. Os custos eventuais com segurança privada para proteger estes ativos podem ser tornar grande obstáculo à viabilidade destes empreendimentos.

Por fim, adotando-se um viés prático, tal qual não é necessária uma furadeira para se pendurar um quadro, mas um buraco e um prego na parede para o sustentar, igualmente não é necessário um terreno para implantar uma mini/micro usina de geração distribuída, mas apenas uma área para abrigá-la.

II- Aplicação do direito real de laje aos empreendimentos de geração de energia distribuída

O direito real de laje se mostra um importante instrumento jurídico para minimizar os problemas supracitados, além servir à sociedade como disruptivo motor de fomento à economia colaborativa e sustentável, conforme será exposto a seguir.

A medida provisória nº 759/2016, convertida na lei nº 13.465/2017, trata de regularizações fundiárias, modificando várias outras leis, entre elas a lei 10.406/2002 (Código Civil). Na exposição de motivos da referida medida provisória, o direito real de laje é concebido com meio de regularização de edificação sobrepostas em favelas (“puxadinho”), não ensejando co-condomínio, mas instaurando legitimo direito de propriedade autônomo de cada unidade.

O direito real de laje possui quase todos os direitos inerentes à propriedade plena, com restrições mínimas, tais como, no caso de alienação, em que estabelece-se o direito de preferência do proprietário da construção-base ou da laje mais próxima, seja ascendente ou descendente, e a extinção do direito se houver ruína da construção-base e não for reconstruída em 5 anos, em qualquer caso não afasta o direito a reparação civil.

A lei 13.465/2017 determina que o proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo, inclusive com matrícula própria no cartório de registro de imóveis, não se tratando sob nenhuma hipótese de fração ideal ou qualquer associação a uma relação condominial entre os proprietários.

A referida lei explicita no art.1510-A §1º: “O direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base”.

No campo das obrigações as despesas necessárias à conservação de ambas as propriedades como alicerce, colunas, áreas estruturais como um todo, terraços e demais instalações que sirvam ao prédio (água, esgoto, eletricidade, gás, comunicação, etc.) são de responsabilidade de ambos, porém a proporção desta responsabilidade pode ser mensurada de diferentes formas conforme contrato entre as partes, embora cada unidade será responsável integralmente pelos encargos e tributos de sua propriedade.

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Portanto, o direito real de laje pode impulsionar a aplicação econômica da geração distribuída, vez que substitui a necessidade de aquisição de terrenos pela compra de telhados e terraços para implantação dos empreendimentos.

A alienação de um terraço terá menor custo que a compra de um terreno, possivelmente os tributos inerentes a esta forma de propriedade também refletirão seu valor diminuto em comparação a uma propriedade plena convencional.

Neste cenário, abre-se um relevante precedente capaz de gerar destinação econômica a centenas de milhares de telhados e terraços e aumentar de forma sustentável a oferta de energia. O proprietário da construção-base poderá ou não fazer parte do grupo responsável pela geração distribuída que será titular do direito real da laje, com matrícula e tributos próprios.

Ademais, a exploração econômica dos terraços geraria menor interferência especulativa para aquisição de imóveis com exclusiva finalidade de estabelecer usinas de geração distribuída e, consequentemente, promoveria maior segurança, pois além de poderem ser instalados nos grandes centros urbanos, o proprietário da construção-base, ao proteger sua posse, indiretamente garantiria também a integridade do sistema instalado em seu telhado, evitando qualquer aumento de custo adicional com segurança patrimonial.

III- Conclusão

A economia colaborativa, por meio de compartilhamento do direito de propriedade de telhados e terraços, instrumentalizada pelo direito real de laje, facilitará a propagação da geração distribuída pelo país, representando um importante avanço da sustentabilidade ambiental e econômica, pois gera valor a um ativo que atualmente não possui relevância comercial, além de diminuir as perdas energéticas incidentes no sistema de transmissão e distribuição e permitir  que a energia gerada por grandes hidrelétricas seja direcionada para grandes consumidores industriais, consequentemente promovendo inúmeros benefícios para toda sociedade.

Bibliografia:

Brasil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 19 out.2018.

Brasil, Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; altera as Leis nºs 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm#art55 >. Acesso em 19 out.2018.

Brasil, Exposição de motivos medida provisória nº 759/2016. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Exm/Exm-MP%20759-16.pdf>. Acesso em 19 out.2018.

Brasil, Resolução normativa nº 482, de 17 de abril de 2012. Agência nacional de energia elétrica – ANEEL. Disponível em http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2012482.pdf>. Acesso em 19 out.2018.

Brasil, Resolução normativa nº 687, de 24 de novembro de 2015. Agência nacional de energia elétrica – ANEEL. Disponível em http://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren2012482.pdf>. Acesso em 19 out.2018.

  

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