Academias em condomínios: uma visão crítica da Lei 8.070/2018.

OBESIDADE, SEDENTARISMO E AUMENTO DE GASTOS PARA OS CONDOMÍNIOS.

23/10/2018 às 11:30
Leia nesta página:

Num país com alarmantes índices de obesidade e com um número crescente de doenças relacionadas ao sedentarismo, o direito à saúde não pode sucumbir à reserva de mercado nem à ingerência do poder público sobre a propriedade privada.

 

Dentre os direitos sociais previstos na Constituição, destaca-se o direito à saúde.

Dados do Ministério da Saúde[1] apontam que 18,9% da população das capitais brasileiras, acima de 18 anos, é obesa. Tal número está 60,2% maior que o obtido na primeira vez que o trabalho foi realizado, em 2006, quando tal parcela era de 11,8%.

A estagnação no crescimento dos índices de obesidade, desde 2015, está associada a uma série de fatores como mudanças nos rótulos dos alimentos, consumo de alimentos saudáveis e prática desportiva.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE[2], o sedentarismo é indicado como a maior causa de problemas de saúde no Brasil, em que pese à melhora nos indicadores de atividade física uma vez que, segundo recentes estudos, houve um aumento de 24% de pessoas que afirmam se exercitar de forma leve ou moderada, seja em casa, ao ar livre ou na academia.

Na contramão da prevenção de doenças - uma vez que o direito à saúde é uma prerrogativa jurídica indisponível assegurada a todos os indivíduos - no último dia 20 de agosto, foi sancionada no Rio de Janeiro uma lei que, além de polêmica, se revela inconstitucional.

Trata-se da lei nº 8.070/2018, que dispõe sobre a obrigatoriedade de um responsável técnico pelos espaços de academias nos condomínios, com registro profissional junto ao Conselho Regional de Educação Física da 1ª Região/CREF1.

De acordo com o texto legal, os condomínios terão o prazo de 120 dias para se adequar às novas regras[3] e o mencionado Conselho deverá disponibilizar os formulários e a relação de documentos necessários para o registro do responsável técnico, ainda que a legislação não esclareça as respectivas atribuições.

O Secovi Rio é contrário à lei em comento, sob a acertada alegação de que o legislador estadual teria extrapolado a sua competência constitucional ao dispor sobre a matéria. Segundo informações extraídas no sítio eletrônico do Sindicato[4]:

Isto porque está avançando sobre a propriedade privada. As salas de ginásticas estão localizadas nas áreas comuns dos condomínios e nada mais são do que a extensão da propriedade dos condôminos.

Em outros termos, regula a prática de ginástica na residência das pessoas o que, evidentemente, não encontra amparo legal na legislação brasileira. (Grifos nossos)

Segundo o Secovi Rio, todas as considerações jurídicas e o impacto financeiro da norma teriam sido apresentados à Assembleia Legislativa, sendo válido e oportuno destacar a seguinte conclusão:

O Centro de Pesquisa e Análise da Informação do Secovi Rio avalia um impacto médio mensal de 16% nas quotas condominiais, considerando uma despesa com o profissional de Educação Física de mais de R$ 5.000,00 por mês. (Grifos nossos)

Curiosamente, tal exigência não se aplica às academias localizadas em instituições públicas, academias da terceira idade, equipamentos de ginástica espalhados pelas praças e orlas, nem para em clubes, hotéis, pousadas e estabelecimentos congêneres que disponibilizam espaços dotados de equipamentos para a prática de exercícios físicos.

Por tais razões, se faz urgente e necessária a adoção das medidas judiciais cabíveis para a imediata revogação da lei estadual nº 8.070/2018, sob pena de ser mais uma cruel estocada no coração dos condomínios residenciais, já onerados com outras exigências canibalescas do poder público, como é o caso da obrigatoriedade da presença de guardião de piscina que, não raras vezes, passa horas do dia entregue ao ócio, ante a ausência de frequentadores.

O acadêmico de Direito Leornado Quintino de Paula lembra que, nos termos da lei estadual 3728/2001, a presença do guardião é obrigatória em piscinas de dimensões superiores a 6m x 6m e, traçando um paralelo lógico e razoável, sugere que a exigência da lei 8.070/2018 recaia, somente, em academias de grande porte e não, da forma indiscriminada, como a que fora adotada pelo texto legal.

Que cada um passe a ser responsável por si próprio e pelos seus dependentes, pois se essa sanha legiferante não for contida, muito em breve os indivíduos não poderão correr, nadar ou simplesmente caminhar, se estiverem desacompanhados.

 

 

[1] Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2017, do Ministério da Saúde.

[2] Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) ,2013.

[3] O descumprimento da lei 8.070/2018 implicará em multa de até 1.000 UFIRs/RJ, aplicada em dobro no caso de reincidência.

[4] https://www.secovirio.com.br/noticias/lei-onera-condominios-com-academias/

 

Sobre o autor
Levy Pinto de Castro Filho

Advogado, Mediador Privado e Professor. Mestre em Direito Econômico. Especialista em Direito da Administração Pública e em Direito Privado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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