DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NA UNIÃO ESTÁVEL
Rogério Tadeu Romano
I – O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO
Discute-se aqui o direito real de habitação diante da união estável.
No direito real de habitação, o titular desse direito pode usar a coisa para si, residindo nela, mas não aluga-la nem emprestá-la. E se for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que a ocupar estará por exercício de direito próprio, nada devendo às demais a título de aluguel. Como são iguais os direitos a nenhum será lícito impedir o exercício do outro ou dos outros.
A situação especial do direito de habitação, que, como direito real se não confunde com a utilização pessoa da coisa(locação, comodato), sugere, como ensinou Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume IV, 1974, pág. 254 e 255), a formulação de certas questões, que se respondem à luz dos princípios. A primeira, atinente à conservação do prédio, que incumbe obviamente ao titular do direito de habitação, desdobra-se em outra, a saber se tem o devedor de reedifica-lo em caso de perecimento inculpado. E a resposta será negativa, como ensinou Hedemann(Derechos Reales, § 39). A destruição fortuita da cisa será motivo de resolver-se o direito, mas não gera o devedor de reconstruir, por parte de quem tem a sua utilização. Se o título lhe impuser a realização de seguro, esta contribuição é obrigatória, devendo o valor segurado empregar-se na reedificação.
Cessando a habitação pelo advento do termo ou implemento da condição, far-se-á restituição do prédio ao proprietário ou seus herdeiros, no estado de conservação convencionado, ou em falta de estipulação, naquele em que foi recebido, salvo deterioração derivada ao uso regular.
Estar-se-ia diante de um direito real limitado. Ensinou Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, 2002, Bookseler, tomo XVIII, pág. 43) quando se constitui direito real limitado, ou é, por ato de disposição do domínio, isto é, dos outros elementos, que compõem o domínio. O suporte fático do domínio permite que se lhe detrata enfiteuse, usufruto, uso, habitação ou servidão, sem que o domínio sofra, como direito(mundo jurídico). Usufruto, uso, habitação, servidão, ou até, enfiteuse não pars dominii.
Quando se fala num direito real limitado, para Pontes de Miranda, não se limita o conteúdo do direito de propriedade, porque o domínio e o direito sobre todo o conteúdo embora esse se restrinja, quanto ao exercício, pelo fato de se constituir direito real limitado. O conteúdo do domínio é usus, fructus e abusos ainda que haja constituído de enfiteuse, usufruto, uso ou habitação.
O fato da deductio de enfiteuse, de usufruto, de uso, de habitação, de direito real de garantia e o mesmo: como disse Pontes de Miranda, hoje não nos importa saber qual o direito que regia cada um deles, nos tempos romanos; nem quais as exigências peculiares à constituição de cada direito limitado(e.g, confirmação da hipoteca pelo príncipe, como afirmou R. Pothier, Pandectae lustinianeae, II, 161.
Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 47) a deductio, como a constituição sem reserva, deixa intacto o direito de domínio. Qualquer que seja o direito limitado, incólume fica o domínio como ficaria se só se deduzisse servidão altius non tollendi.
Sendo assim a construção da deductio como se o alienante aceitasse o que o adquirente ofertou é de repelir-se. Praticamente se isso fosse verdade, hoje teria o alienante de pagar o imposto de transmissão quanto ao prédio “sem dedução”, e não sobre o prédio menos o valor da servidão, ou de outro direito real limitado.
II – A UNIÃO ESTÁVEL
A união estável distingue-se da simples união carnal transitória e da moralmente reprovável como a incestuosa e a adulterina. Logo, o concubinato é gênero do qual a união estável é espécie.
A união de fato ou o concubinato pode ser: puro ou impuro.
Será puro, à luz dos artigos 1.723 e 1.726 do Código Civil se se apresentar como uma união duradoura, sem o casamento civil entre o homem e a mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. Vivem em concubinato puro: solteiros, viúvos, separados judicialmente ou extrajudicialmente, ou de fato, isso porque a doutrina e a jurisprudência têm admitido efeitos jurídicos à "união estável" de separado de fato por ser uma realidade social.
Ter-se-á concubinato impuro ou simplesmente concubinato, nas relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de unidade familiar(CC, art. 1727), uma vez que não poderia ser convertida em casamento.
O concubinato puro(união estável) foi reconhecido pela Constituição Federal de 1988, no artigo 226, parágrafo terceiro, como entidade familiar.
Há direitos vedados à união concubinária:
a) A do artigo 550 do Código Civil, que proíbe doações do cônjuge adúltero ao seu cúmplice, com o intuito de evitar o desfalque do patrimônio do casal;
b) A do artigo 1.642, V, do Código Civil que confere ao cônjuge o direito de reivindicar os bens comuns móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino;
c) A do artigo 1.474 do Código Civil de 1916, que proibia a instituição de concubina como beneficiária do contrato de seguro de vida;
d) A do artigo 1.801, III, do Código Civil segundo a qual não pode ser nomeado herdeiro ou legatário o concubino do testador casado, desaparecendo a proibição se o testador for solteiro, viúvo, separado judicialmente ou extrajudicialmente, como já decidiu o STJ, no REsp 72.234 - RJ, 3ª Turma;
e) A do artigo 1.521, VI, do Código Civil que veda a conversão em matrimônio por haver impedimento matrimonial entre os concubinos, não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de pessoa casada se encontrar separada de fato(CC, artigo 1723, § 1º);
f) A do artigo 1.694 do Código Civil que estabelece os alimentos como dever recíproco de socorro por efeito do matrimônio e da união estável. Funda o dever alimentar no matrimônio ou na união estável, não reconhecendo a concubino se se tratar de concubinato impuro(Leis n. 8.971/94, artigo 1º, e parágrafo único e n. 9.278/96, artigo 7º);
g) A de que a concubina não tem direito à indenização por morte do amante em desastre ou acidente(RT, 360: 395), embora existam decisões em contrário. Para o caso aplica-se a Súmula 35 do STF quer assegura que, em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada por morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio;
h) A de que a amante não pode pedir ressarcimento na hipótese de homicídio perpetrado contra o concubino(RT 159:207);
i) A de que a concubina não tem direito de embolsar o pecúlio instituído em associação de classe se o falecido, que era seu amante, era casado(RT 140: 379);
j) A de que o companheiro de servidora removida ex officio não fazia jus à ajuda de custo em razão de movimentação funcional, normalmente concedida aos dependentes dos funcionários enquadrados pelo Decreto n. 75.647/75.
São efeitos jurídicos decorrentes da união estável:
a) Permitir que o convivente tenha o direito de usar o nome do companheiro(Lei n. 6015/73, artigo 57 e parágrafos);
b) Autorizar não só o filho a propor investigação de paternidade contra o suposto pai, se sua mãe ao tempo de concepção era sua companheira, como ainda o reconhecimento de filhos havidos fora do matrimônio, até mesmo durante a vigência do casamento(Lei n. 6.515/77, artigo 51, que alterou a Lei n. 883/49, Súmula 447 do STF, artigo 227, parágrafo sexto, da Constituição;
c) Conferir à companheira mantida pela vítima de acidente do trabalho os mesmos direitos da esposa - se esta não existir ou não tiver direito ao benefício;
d) Atribuir à companheira do presidiário, de poucos recursos econômicos, o produto da renda de seu trabalho na cadeia pública;
e) Erigir a convivente a beneficiária de pensão deixada por servidor civil, militar(RTJ 116/880; RSTJ 105/ 435; Súmula 263 do extingo Tribunal Federal de Recursos);
f) Considerar a companheira beneficiária de congressista falecido no exercício do mandato, cargo ou função(Lei n. 7.087/82, que revogou a Lei n. 4.284/63);
g) Contemplar a convivente como beneficiária quando tenha tido companheiro advogado(Decreto-Lei n. 72/66);
h) Possibilitar que o contribuinte de imposto sobre a renda abata como encargo de família pessoa que viva sob a sua dependência, desde que a tenha incluído entre seus beneficiários;
i) Tornar companheiro beneficiário do RGPS, ou seja, dos benefícios da legislação social e previdenciária.
É importante destacar que a legislação concede à companheira uma participação, por ocasião da dissolução da união estável, no patrimônio conseguido pelo esforço comum, inclusive das benfeitorias por existir entre os conviventes uma sociedade de fato, ou melhor, sociedade em comum(RT 277/290, 435/101, dentre outros julgados).
A matéria já foi objeto da Súmula 380 do STF.
Destaco o REsp n. 1.171.488/RS, DJe de 11 de maio de 2017 onde se tem:
A discussão devolvida ao STJ está circunscrita à possibilidade ou não da comunhão de bem imóvel, adquirido a título oneroso na constância da união estável, mas recebido por um dos companheiros, mediante doação pura e simples realizada pelo outro. Inicialmente, é cediço que a extinção da sociedade conjugal de fato resulta na necessidade, por parte do ex-casal, de realizar a partilha dos bens comuns existentes, com base no regime adotado. Vale ressaltar que, não existindo contrato de convivência firmado entre os companheiros no intuito de regulamentar questões patrimoniais, aplica-se o regime supletivo da comunhão parcial de bens, nos exatos termos do art. 1.725 do Código Civil. Desse modo, reconhecido como aplicável o regime da comunhão parcial de bens, também chamada de comunhão dos aquestos, comunicam-se todos os bens que sobrevierem ao casal, na constância da união (CC/2002, art. 1.658), excetuando-se, por outro lado, os adquiridos individualmente, como, por exemplo, através de doação (CC/2002, art. 1.659, I). No caso analisado, o bem imóvel que se pretende ver partilhado, embora adquirido pelo esforço comum do casal, na constância da união estável, foi doado por um dos companheiros, de forma graciosa, ao outro, de modo que essa doação, por força do disposto no artigo acima citado, afasta o bem do monte partilhável, pois o que doou naquela ocasião, é de se compreender, foi justamente a sua metade naquele bem de ambos. Outrossim, é importante esclarecer que, a princípio, não há falar na impossibilidade de doação entre integrantes da mesma sociedade marital informada pelo regime da comunhão parcial de bens, especialmente em razão da inexistência de norma jurídica proibitiva, desde que não implique a redução do patrimônio do doador ao ponto de comprometer sua subsistência, tampouco possua caráter inoficioso, contrariando interesses de herdeiros necessários, conforme preceituado pelos arts. 548 e 549 do CC/2002. Aliás, a própria legislação civil, no art. 544, prevê a possibilidade de doação entre cônjuges, quando regulamenta os efeitos sucessórios da referida doação, determinando que esta importará em adiantamento de herança.
Importante ainda citar:
Extingue-se com o óbito do alimentante, a obrigação de prestar alimentos a sua ex-companheira decorrente de acordo celebrado em razão do encerramento da união estável, transmitindo-se ao espólio apenas a responsabilidade pelo pagamento dos débitos alimentares que porventura não tenham sido quitados pelo devedor em vida (art. 1.700 do CC). De acordo com o art. 1.700 do CC, "A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694". Esse comando deve ser interpretado à luz do entendimento doutrinário de que a obrigação alimentar é fruto da solidariedade familiar, não devendo, portanto, vincular pessoas fora desse contexto. A morte do alimentante traz consigo a extinção da personalíssima obrigação alimentar, pois não se pode conceber que um vínculo alimentar decorrente de uma já desfeita solidariedade entre o falecido-alimentante e a alimentada, além de perdurar após o término do relacionamento, ainda lance seus efeitos para além da vida do alimentante, deitando garras no patrimônio dos herdeiros, filhos do de cujus. Entender que a obrigação alimentar persiste após a morte, ainda que nos limites da herança, implicaria agredir o patrimônio dos herdeiros (adquirido desde o óbito por força da saisine). Aliás, o que se transmite, no disposto do art. 1.700 do CC, é a dívida existente antes do óbito e nunca o dever ou a obrigação de pagar alimentos, pois personalíssima. Não há vínculos entre os herdeiros e a ex-companheira que possibilitem se protrair, indefinidamente, o pagamento dos alimentos a esta, fenecendo, assim, qualquer tentativa de transmitir a obrigação de prestação de alimentos após a morte do alimentante. O que há, e isso é inegável, até mesmo por força do expresso texto de lei, é a transmissão da dívida decorrente do débito alimentar que por ventura não tenha sido paga pelo alimentante enquanto em vida. Essa limitação de efeitos não torna inócuo o texto legal que preconiza a transmissão, pois, no âmbito do STJ, se vem dando interpretação que, embora lhe outorgue efetividade, não descura dos comandos macros que regem as relações das obrigações alimentares. Daí a existência de precedentes que limitam a prestação dos alimentos, pelo espólio, à circunstância do alimentado também ser herdeiro, ante o grave risco de demoras, naturais ou provocadas, no curso do inventário, que levem o alimentado a carência material inaceitável (REsp 1.010.963-MG, Terceira Turma, DJe 5/8/2008). Qualquer interpretação diversa, apesar de gerar mais efetividade ao art. 1.700 do CC, vergaria de maneira inaceitável os princípios que regem a obrigação alimentar, dando ensejo à criação de situações teratológicas, como o de viúvas pagando alimentos para ex-companheiras do de cujus, ou verdadeiro digladiar entre alimentados que também sejam herdeiros, todos pedindo, reciprocamente, alimentos. Assim, admite-se a transmissão tão somente quando o alimentado também seja herdeiro, e, ainda assim, enquanto perdurar o inventário, já se tratando aqui de uma excepcionalidade, porquanto extinta a obrigação alimentar desde o óbito. A partir de então (no caso de herdeiros) ou a partir do óbito do alimentante (para aqueles que não o sejam), fica extinto o direito de perceber alimentos com base no art. 1.694 do CC, ressaltando-se que os valores não pagos pelo alimentante podem ser cobrados do espólio. REsp 1.354.693-SP, Rel. originário Min. Maria Isabel Gallotti, voto vencedor Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/11/2014, DJe 20/2/2015.
III – POSICIONAMENTOS DO STJ NA MATÉRIA
O direito real de habitação assegurado ao companheiro sobrevivente pelo artigo 7º da lei 9.278/96 incide sobre o imóvel em que residia o casal em união estável, ainda que haja mais de um imóvel a inventariar. Esse entendimento foi adotado pela 3ª turma em junho de 2012.
Em abril de 2013, o STJ reconheceu o direito real de habitação sobre imóvel à segunda família de um falecido que tinha filhas do primeiro casamento. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, adotou entendimento diverso, mas ficou vencida. Em seu voto, ela deu provimento ao recurso especial das filhas do primeiro casamento e determinou a alienação judicial do bem.
A maioria seguiu a posição do ministro Sidnei Beneti, que proferiu o voto vencedor. Ele verificou no processo que todo o patrimônio do falecido já havia sido transferido à primeira esposa e às filhas após a separação do casal. Além disso, enfatizou que o imóvel objeto do conflito era uma "modesta casa situada no interior".
Para o ministro Beneti, de acordo com a jurisprudência do STJ, o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente, "não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos".
Ele citou vários precedentes da Corte, entre os quais, "a exigência de alienação do bem para extinção do condomínio, feita pelas filhas e também condôminas, fica paralisada diante do direito real de habitação titulado ao pai".
"A distinção entre casos de direito de habitação relativos a 'famílias com verticalidade homogênea' não está na lei, que, se o desejasse, teria distinguido, o que não fez, de modo que realmente pretendeu o texto legal amparar o cônjuge supérstite que reside no imóvel do casal", destacou Beneti (REsp 1.134.387).
Destaco outrossim:
"Uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados na Constituição Federal é aquela segundo a qual o art. 7º da lei 9.278/76 teria derrogado o parágrafo 2º do artigo 1.611 do CC/16, de modo a neutralizar o posicionamento restritivo contido na expressão ‘casados sob o regime da comunhão universal de bens", disse o ministro Sidnei Beneti, relator (REsp 821.660).
Quanto ao direito real de habitação manifestou-se o STJ:
A companheira sobrevivente faz jus ao direito real de habitação (art. 1.831 do CC) sobre o imóvel no qual convivia com o companheiro falecido, ainda que tenha adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido do seguro de vida do de cujus. De fato, o art. 1.831 do CC reconhece ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, silenciando quanto à extensão desse direito ao companheiro sobrevivente. No entanto, a regra contida no art. 226, § 3º, da CF, que reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, é norma de inclusão, sendo contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair efeitos discriminatórios entre cônjuge e companheiro. Assim sendo, o direto real de habitação contido no art. 1.831 do CC deve ser aplicado também ao companheiro sobrevivente (REsp 821.660-DF, Terceira Turma, DJe 17/6/2011). Além do mais, o fato de a companheira ter adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do de cujus não resulta exclusão do direito real de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro, ao tempo da abertura da sucessão, uma vez que, segundo o art. 794 do CC, no seguro de vida, para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeitos às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito. Dessa forma, se o dinheiro do seguro não se insere no patrimônio do de cujus, não há falar em restrição ao direito real de habitação, porquanto o imóvel adquirido pela companheira sobrevivente não faz parte dos bens a inventariar. REsp 1.249.227-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013.
O ministro Luís Felipe Salomão, naquela ocasião, mencionou que o artigo 1.790 do CC não prevê o direito real de habitação aos companheiros. Quanto ao tema, citou doutrina de Francisco José Cahali, para quem "a nova lei força caminho na contramão da evolução doutrinária, legislativa e jurisprudencial elaborada à luz da Constituição Federal de 1988".
"Ocorre que a interpretação literal da norma posta conduziria à conclusão de que o cônjuge estaria em situação privilegiada em relação ao companheiro, o que não parece verdadeiro pela regra da Constituição Federal", afirmou.
Segundo o ministro, a união estável não é um estado civil de passagem, "como um degrau inferior que, em menos ou mais tempo, cederá vez ao casamento".
O ministro Luís Felipe Salomão explicou que o artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, que reconhece a união estável como entidade familiar, é uma norma de inclusão, "sendo contrária ao seu espírito a tentativa de lhe extrair efeitos discriminatórios".
Quanto ao caso específico, Salomão sustentou que o fato de a companheira ter adquirido outro imóvel residencial com o dinheiro recebido pelo seguro de vida do falecido não resulta na exclusão do direito real de habitação referente ao imóvel em que residia com seu companheiro.
"Se o dinheiro do seguro não se insere no patrimônio do de cujus, não há falar-se em restrição ao direito real de habitação no caso concreto, porquanto o imóvel em questão - adquirido pela ora recorrente - não faz parte dos bens a inventariar", disse o relator.
Em recente julgado, no REsp 1.654. 060, o STJ enfrentou a questão da união estável diante do direito real de habitação.
Observe-se do que foi dito no site do STJ, em 24 de outubro do corrente ano:
“Assim como no casamento, não é permitido ao companheiro sobrevivente de união estável, titular do direito real de habitação, celebrar contrato de comodato ou locação do imóvel com terceiro.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma pessoa que, alegando não dispor de meios para manter um imóvel de luxo localizado em área nobre, havia celebrado contrato de comodato com terceiro após o falecimento de seu companheiro.
Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, não há nenhuma singularidade na união estável que justifique eventual tratamento diferenciado em relação ao casamento, especificamente quanto às condições de exercício do direito real de habitação.
A ministra destacou que a regra do artigo 7º da Lei 9.278/96 deve ser interpretada em conjunto com o artigo 746 do Código Civil de 1916, vigente à época, no sentido da impossibilidade de alugar ou emprestar o imóvel objeto do direito real de habitação.
“Interpretação em sentido diverso estabeleceria uma paradoxal situação em que, tendo como base o mesmo instituto jurídico – direito real de habitação – e que tem a mesma finalidade – proteção à moradia e à dignidade da pessoa humana –, ao cônjuge supérstite seria vedado alugar ou emprestar o imóvel, mas ao companheiro sobrevivente seria possível praticar as mesmas condutas, não havendo, repise-se, nenhuma justificativa teórica para que se realizasse distinção dessa índole”, afirmou a ministra.
No recurso, a recorrente alegou ter sido vítima de esbulho possessório praticado pela filha do seu falecido companheiro – e reconhecido em sentença transitada em julgado. Disse que, ao retomar a posse do imóvel, encontrou-o danificado, e não tinha condições financeiras para os reparos necessários, nem para a manutenção de rotina. Por isso, optou por assinar contrato de comodato com uma pessoa que teria se comprometido a reformar e conservar o imóvel.
A ministra explicou que o esbulho não justifica a flexibilização da regra legal que veda o comodato do imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação. Segundo ela, não há nexo de causalidade entre o esbulho possessório e a posterior celebração do contrato de comodato.
A ministra Nancy Andrighi lembrou que a recorrente poderia ter adotado outras condutas na tentativa de superar as dificuldades que encontrou para conservar o imóvel após o esbulho, inclusive pleitear indenização para recompor a situação anterior.”