Feminicídio: o porquê da necessidade da criação da qualificadora que torna o homicídio da mulher um crime hediondo

26/10/2018 às 20:54
Leia nesta página:

O presente trata-se de uma analise da lei do feminicídio. Aprofunda-se na questão do por que existir necessidade da criação da qualificadora que tornou o assassinato de mulheres, em virtude de sua condição de sexo feminino, um crime hediondo.

Introdução

Para dar início a analise é necessário que anteriormente a discussão se compreenda o que significa a palavra feminicídio. O termo feminicídio significa a perseguição e morte intencional de pessoas do sexo feminino. O crime se configura quando é comprovada que a causa do assassinato esteve diretamente ligada ao fato da condição de sexo feminino, ou seja, quando uma mulher tem sua vida ceifada simplesmente por ser mulher.

            Numa visão geral o feminicidio pode ser considerado uma forma extrema de misoginia, onde existe no autor do crime um extremo ódio às mulheres e a tudo que figure no universo feminino.

             Vale ressaltar que nem todo homicídio cometido contra mulher configura femicidio.  Como dito anteriormente existe a necessidade de que o crime seja motivado por questões de gênero,  assim sendo,  uma mulher que morre durante um assalto, não estará amparada pela qualificadora do feminicidio, por exemplo, visto que a morte não adveio da condição de sexo feminino que a vitima ostentava.

            No decorrer do artigo serão citados os casos específicos em que se aplicam a lei do feminicídio, assim como também serão estudados os fundamentos que puseram essa lei em vigor, e as verdadeiras raízes da necessidade da proteção mais efetiva do sexo feminino em face do sexo masculino.

Definição legal

            Dilma Rousseff, sancionou a Lei 13.104, a chamada lei do Feminicídio, em 9 de março de 2015. A lei altera o Código Penal (art.121 do Decreto Lei nº 2.848/40), incluindo o feminicídio como uma modalidade de homicídio qualificado, colocando este no rol dos crimes hediondos.

            A lei diz:

Art. 1o O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Homicídio simples

Art. 121. ........................................................................

Homicídio qualificado

§ 2o .........................................................................

Feminicídio

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Aumento de pena

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

 A importância do feminicídio como qualificadora

É publico e notório que as mulheres tem sido vitimas de ataques, de violência e de assassinatos há muito tempo. Dados mostram que cerca de 12 mulheres por dia tem um ponto final colocado em suas vidas. Segundo pesquisa recente feita pelo G1, são mais de 4.000 homicídios por ano. 4.000 mulheres que deixam filhos, pais, irmãos, amigos; que deixam sonhos incompletos, metas ainda não alcançadas. 4.000 mulheres por ano que tem seus nomes postos em estatísticas cruéis e assustadoras.

Destes 4.000 , aproximadamente 900 são notificados como feminicídios. Vale ressaltar que ainda existe uma grande subnotificação do feminicídio, inclusive essa subnotificação é ratificada pelas autoridades, que admite saber e crer que os dados com relação a existência da qualificadora sejam muito mais expressivos.

Apesar de serem dados estarrecedores, não são surpreendentes, no sentido de que, em uma sociedade em que o homem há séculos é visto como superior e tido como autoridade quanto na dualidade homem mulher, a violência contra o sexo feminino já está há muitíssimo tempo impregnada, e muitas vezes até descriminalizada do ponto de vista social e moral.

É necessário compreender que a violência contra a mulher possui muitas raízes e uma abundancia de vertentes originárias. A sociedade brasileira foi e ainda é extremamente pautada no sistema patriarcal, ou seja, a figura masculina como epicentro, como sinônimo de força e superioridade em paralelo à idéia de submissão e inferioridade da mulher.

A bagagem cultural predominantemente patriarcal e machista pesa. Pesa de tal maneira que muitas vezes pressupõe a idéia de que o homem tem o direito de fazer o que bem entender com a sua esposa, com sua filha, irmã, colega de trabalho,  etc; e é exatamente quando a mulher se rebela empoderada e insubordinada que a maioria dos casos de feminicídio acontece. O homem que comete femincídio não aceita uma mulher no mesmo patamar que o seu, exercendo a mesma atividade, ganhando o mesmo salário, fazendo as mesmas coisas que ele faz ou agindo da mesma maneira que ele age; e no momento que ocorre essa ruptura de hierarquia, o crime aparece como uma solução, que vai recolocar cada um no seu devido papel e reestabelecer a estrutura do sistema.

 As raízes jurídicas desse comportamento de superioridade masculina também são profundas. Por exemplo, se verificarmos o Código Civil de 1916 (revogado pelo Código de 2002), vamos nos deparar com a seguinte situação: enquanto solteira, a mulher é tida como igual ao homem, na administração dos direitos e deveres. Já a situação da mulher casada era bastante diferente. O artigo , inciso II, do Código Civil revogado, no seu texto original, define a mulher casada como relativamente incapaz, ou seja, a mulher não tinha a capacidade jurídica de empreender nem um ato civil; era necessário para a prática de qualquer ato civil, a autorização expressa do marido. Isso envolvia, por exemplo, a necessidade da autorização do seu parceiro para a manutenção de comércio, ou para exercer qualquer trabalho, que não fosse o doméstico.

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Outro exemplo importante é que na época do Brasil colonial, os homens tinham o direito de matar suas mulheres; e até a década de 1970 o argumento de “legítima defesa da honra” ainda era aceito nos tribunais como justificativa para crimes passionais. Ainda hoje, muitos homens acusados de violência doméstica chegam aos tribunais achando que não fizeram nada de errado.

O feminicídio surge então como forma coercitiva, buscando a hediondez do fato, para inibir o autor, o fazendo temer a punição e desistir do ato criminoso. O feminicídio carrega consigo muito mais que um titulo de qualificadora. Foi uma forma que o estado viu de coibir uma pratica extremamente reincidente no país, foi uma forma de evidenciar a violência contra a mulher, uma maneira de tentar frear a banalização de um crime tão grave.

Há quem diga que a qualificadora do feminicídio não é justa, legalmente falando, que fere o principio constitucional que considera homem e mulher iguais perante a lei. 

Mas é necessário lembrar que o conceito de igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”. (NERY JUNIOR, 1999, p. 42).

Há muitos séculos a mulher tem sido inferiorizada, colocada em menor patamar nas mais vertentes áreas, sejam elas profissionais, familiares ou sociais. Atualmente muito já se melhorou, sem duvida, mas é nítido que a isonomia entre homem e mulher ainda nos apresenta como realidade distante.

A justiça nesse cenário apesar de ser de suma importância, não é capaz de resolver o problema na sua totalidade, visto que a pratica do crime de um feminicídio seria, em analogia, o galho mais alto de uma árvore , que ao corta-lo diminui-se a altura da arvore mas não se mata o pé, e em pouco tempo outro galho alto irá surgir.   Existe uma imensa necessidade de desconstrução de costumes, tanto por parte dos homens ,como também por parte das próprias mulheres, que devem deixar de auto diminuírem-se perante o companheiro, o colega de trabalho, o irmão , e toda e qualquer figura masculina que lhe apareça.

Referências bibliográficas

BRANDALISE, Camila. O QUE É FEMINICÍDIO? ENTENDA A DEFINIÇÃO DO CRIME QUE MATA MULHERES. Disponível em https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2018/08/21/o-que-e-feminicidio-entenda-a-definicao-do-crime-que-mata-mulheres.htm

SITE SIGNIFICADOS, SIGNIFICADO DE FEMINICÍDIO. Disponível em https://www.significados.com.br/feminicidio/

SITE DO PLANALTO. LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm

VELASCO, Clara; CAESAR, Gabriela; REIS, Thiago. CRESCE O Nº DE MULHERES VÍTIMAS DE HOMICÍDIO NO BRASIL; DADOS DE FEMINICÍDIO SÃO SUBNOTIFICADOS. Disponivel em https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/cresce-n-de-mulheres-vitimas-de-homicidio-no-brasil-dados-de-feminicidio-sao-subnotificados.ghtml
ESCOBAR, Herton. ESPECIALISTAS DISCUTEM AS RAIZES DA VIOLENCIA CONTRA A MULHER. Disponível em https://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/especialistas-discutem-as-raizes-da-violencia-contra-a-mulher/
VAZ , Camila. POR QUE O DIREITO PRECISA PROTEGER A MULHER DA VIOLENCIA DOMESTICA? Disponível em https://camilavazvaz.jusbrasil.com.br/artigos/320958999/por-que-o-direito-precisa-proteger-as-mulheres-da-violencia-domestica
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ANALISTAS JUDICIARIOS DA UNIAO. PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE. Disponível em https://anajus.jusbrasil.com.br/noticias/2803750/principio-constitucional-da-igualdade

Sobre a autora
Nathacha Ferreira

estudante de direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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