LEI Nº 11.343/06

28/10/2018 às 11:05
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O presente artigo visa analisar a Lei nº 11.343/06, conhecida como "Lei de drogas". Será abordada sua conceituação e analisados seus procedimentos conjuntamento à reinserção social dos ex usuários

LEI DE DROGAS (LEI Nº 11.343/06)

De acordo com a Lei de Drogas em vigor entende-se por drogas aquelas substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Conforme o art. 66 da Lei n. 11.343/06, ampliou-se o rol de substâncias abarcadas pela criminalidade de tóxicos, incluindo-se aquelas sob controle especial.

Cabe liberdade provisória nos crimes hediondos, na prática da tortura, no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e no terrorismo (os assemelhados).

É fato que não houve descriminalização da conduta, mas houve o intuito de despenalização e de educação do usuário de drogas. O juiz deverá atentar, para decidir-se ou pelo consumo ou pelo tráfico, aos seguintes tópicos: a) natureza e quantidade da substância; b) local e condições em que se desenvolveu a ação; c) circunstâncias sociais e pessoais; d) conduta e antecedentes do agente.

Livramento condicional após dois terços de cumprimento da pena, vedada a concessão ao reincidente específico. Não se imporá prisão em flagrante para o usuário, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando-se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários.

Prazo para a conclusão do inquérito policial: 30 dias – indiciado preso, e 90 dias – se estiver solto. Haverá a duplicação de tais prazos mediante justificado pedido da autoridade de polícia judiciária.

A pena mais alta refere-se ao crime de financiar. Caso o autor seja somente financiador do tráfico, aplica-se a pena do Art. 36 (reclusão, de 8 a 20 anos, e pagamento de 1.500 a 4.000 dias-multa). Se for financiador e traficante, responderá por tráfico mais a agravante do art. 40, inc. VII (pena de 5 a 15 anos, aumentada de 1 sexto a 2 terços).

O prazo máximo para a formação da culpa poderá ser de até 195 dias, em se tratando de réu preso, sem que se caracterize o constrangimento ilegal por excesso de prazo.

Antes de receber a denúncia, o juiz notificará o acusado para oferecer defesa prévia no prazo de 10 dias. Esta tem como finalidade fazer com que o juiz não receba a denúncia. O juiz terá 5 dias para decidir (receber ou rejeitar a denúncia, ou requerer diligências).

Haverá a progressão de regime (inicialmente fechado) quando cumpridos 2/5 da pena, se primário, ou 3/5, se reincidente. É prevista a delação premiada na lei de drogas.

A pessoa que for encontrada de posse de drogas para uso próprio será encaminhada à autoridade policial (Delegado de Polícia) ou ao Judiciário, onde tiver vara especializada de entorpecentes. Na delegacia, faz-se o TCO e junta-se o exame de constatação. A seguir, encaminha-se aludido expediente ao juizado especial criminal para a transação, se possível, e aplicação da(s) pena necessária(s), se for o caso.

No caso de descumprimento da transação ou da(s) pena(s) aplicada(s), o juiz admoestará verbalmente o usuário e, se for necessário, aplicará pena de multa entre 40 a 100 dias-multa, no valor de um 30 avos até 3 vezes o maior salário mínimo.

O crime não é usar droga ilícita, mas sim adquiri-la, guardá-la, mantê-la em depósito, transportá-la ou trazê-la consigo para consumo pessoal. Assim, não se pune o consumo em si da droga. No crime de posse ilícita de drogas para consumo pessoal, a apreensão da droga (objeto material) é obrigatória.

O tipo penal do tráfico não exige como elementar a finalidade de lucro ou de obter vantagem econômica. Poderá haver o crime de tráfico ainda que não exista o fim lucrativo por parte do agente delitivo.

Com as alterações surgidas com a Nova Lei de Drogas, foram criadas duas figuras penais que, na lei anterior (6.368/76), caracterizavam crime de tráfico. Porém, na atual Lei de Drogas (11.343/2006), não configuram tráfico. A primeira é a conduta de “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga”. A segunda é a conduta de “oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem”. Nessas duas hipóteses (exceções), não haverá crime de tráfico.

As figuras do erro de tipo e do erro de proibição são plenamente possíveis nesses crimes, exigindo-se a prova cabível para a sua verificação. Ex.: pessoa que, a pedido do amigo, transporta uma encomenda não sabendo que a mesma é droga (erro de tipo).

É plenamente possível o concurso de crimes do art. 33 (tráfico) com o art. 35 (associação para o tráfico). Assim, por exemplo, no caso de um grupo de traficantes que formaram uma quadrilha ou bando para exercerem suas atividades, já tendo iniciado os atos executórios do crime de tráfico, deverão responder por dois crimes em concurso material: tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico (arts. 33 ou 34 em concurso com o art. 35 da Nova Lei de Drogas).

Na caracterização do delito de associação para o tráfico, é importante demonstrar que a associação de pessoas continha um ajuste prévio e duradouro, afastando-se, portanto, da mera reunião ocasional de coautores para a prática de determinado crime de tráfico ilícito de entorpecentes. A ausência do animus associativo afasta a incidência do art. 35 da Lei, tratando-se de mera coautoria.

O crime de colaboração com o tráfico (art. 37) não constitui tráfico ilícito de drogas. O informante, na Nova Lei de Drogas, é responsabilizado num tipo penal autônomo.

A única figura culposa descrita na Nova Lei de Drogas é o crime de prescrever ou ministrar (art. 38), culposamente, drogas, sem que delas necessite o paciente, ou fazê-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Os núcleos “prescrever” ou “ministrar”, para caracterizar o presente delito, devem ocorrer culposamente. Assim, se as condutas forem eminentemente dolosas, o agente delitivo deverá responder por crime de tráfico de drogas.

Uma das inovações jurídicas da Nova Lei de Drogas foi abolir as penas privativas de liberdade para o crime de posse ilegal de drogas para consumo pessoal (art. 28). Não existe mais possibilidade alguma de prisão para aquele agente que adquire, traz consigo, guarda, tem em depósito ou transporta droga para consumo pessoal. As penas cominadas são exclusivamente restritivas de direitos.

Em hipótese alguma será cabível prisão para o caso de posse ilegal de drogas para consumo pessoal, nem mesmo prisão em flagrante. Encontrado portando a droga, o criminoso será encaminhado para a Delegacia, ouvido e posto em liberdade, após assinar o termo de compromisso de comparecer à audiência preliminar. E mesmo que não aceite prestar termo de compromisso, ainda assim, não poderá ser preso.

Não existe mais previsão de regime integralmente fechado no ordenamento jurídico-penal. A Lei dos Crimes Hediondos foi alterada pela Lei nº 11.464/07, para admitir a progressão de regime em hediondos e assemelhados. Antes mesmo da alteração legislativa, o STF havia declarado a inconstitucionalidade do antigo § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, considerando que a vedação de progressão de regime feriria os princípios constitucionais da individualização das penas, isonomia, humanização das penas e dignidade da pessoa humana.

A Lei nº 11.343/2006, que revogou expressamente a Lei n.º 6.368/1976, ao definir novos crimes e penas, não previu a incidência de majorante na hipótese de associação eventual para a prática dos delitos nela previstos. Conclui-se, portanto, que se impõe retirar da condenação dos pacientes a causa especial de aumento previsto no art. 18, inciso III, da Lei nº 6.368/1976, em obediência à retroatividade da lei penal mais benéfica. Não se trata propriamente de abolitio criminis. A nova redação não aboliu o crime de tráfico ilícito de drogas. Apenas aboliu do rol de causas de aumento de pena aquela referente ao concurso de agentes (associação eventual), prevista no art. 18 da antiga Lei. Consequentemente, neste aspecto, a Nova Lei termina sendo mais benéfica, devendo retroagir para beneficiar o condenado.

                                     

DO SISNAD

De acordo com o Art. 3º da LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006: “O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com: I – a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas; II – a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas”.

No Título I, que trata das disposições preliminares, o art. 1º institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, criando uma estrutura administrativa com objetivo de disciplinar em todo o país, de modo abrangente, a problemática das drogas, que se constitui em uma das questões que mais afligem a sociedade.

O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas trata da problemática das drogas partindo de duas linhas de atuação diversas, quais sejam: a) desenvolver uma rede de proteção aos usuários e dependentes; b) empreender atividades que visem o combate às drogas originárias de produção irregular e de tráfico ilícito de drogas.

Percebe-se uma preocupação do texto legal para que todos os meandros sociais que cercam as drogas estejam abrangidos pela Lei, o Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades de prevenção, atenção, reinserção social e repressão.

Quanto às funções do órgão, a articulação implica o estabelecimento de contatos com os mais diversos níveis de pessoas jurídicas, tanto públicas quanto privadas, e físicas que exerçam atividades voltadas as finalidades afetadas às questões das drogas, efetivando as combinações possíveis na consecução de metas comuns.

A integração impõe ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas o objetivo de formar junto aos órgãos que se responsabilizam com a repressão e com a prevenção um todo coerente para que as energias empreendidas possam atingir um melhor resultado.

No que diz respeito à organização, entende-se como a transformação do Sisnad em um gestor maior das questões da droga, este coloca-se em posição de comando, exercendo sua influência política de modo a promover a dinamicidade e multiplicação das atividades de repressão e prevenção.

No artigo 4º da Lei 11.343/06 são enunciados aos princípios que compõem o funcionamento do Sisnad. Mais do que uma carta de intenções, os princípios jurídicos são normas que detém a força vinculante que serve de instrumento para a efetiva concretização de uma realidade.

Com relação aos princípios que devem ser levados em conta pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, entendemos necessário fazer uma ressalva ao inciso XI do art. 4º, da Lei 11.343/06 ao dispor “a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional Antidrogas (Conad)”, visto que este restou-se prejudicado doravante a vetação do art. 8º da referida Lei, que tratava das atribuições do Conad. Segundo a sistemática do projeto, seria este o órgão hierarquicamente superior ao Sisnad, e tinha a sua previsão no art. 8º do projeto de Lei, considerado inconstitucional, sob a fundamentação de que é de iniciativa privativa do Presidente da República a Lei que disponha sobre a criação de órgãos da administração pública.

Desde logo, verifica-se a necessidade premente de que seja criado um órgão que detenha as funções de coordenar o Sisnad para que as declarações legais não fiquem vazias de realização.

DA REINSERÇÃO SOCIAL DOS DEPENDENTES E USUÁRIO DE DROGAS

O caráter contínuo da reinserção implica em manter-se o foco no longo prazo, em evitar interrupções ou lacunas de atendimento. Cabe lembrar o elevado número de fatores de risco e vulnerabilidade a que a dependência expõe a pessoa dependente, cada um dos quais exigindo intervenções específicas, mas também manutenção permanente. Traz também como implicação a necessidade de um atendimento multidisciplinar e se possível interdisciplinar, a fim de que os diversos saberes e práticas envolvidos garantam a coesão do atendimento (para além da continuidade), não obstante algum deles considerar concluída sua intervenção – a exemplo das atenções médicas, seja sobre a desintoxicação, seja sobre complicações de saúde decorrentes de anos ou mesmo décadas de uso contínuo.

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Outro aspecto do trabalho de reinserção social, aqui considerado estratégico, decorre do fato de que, em geral, todo processo (necessariamente individual e intrapsíquico) de dependência de drogas pode ter sinalizado para (e/ou necessariamente afetou) relações sociais as mais diversas (cujo necessário mapeamento é rigorosamente individual): familiares, interpessoais, profissionais, pertencimentos variados (culturais, religiosos, políticos, etc.), que também pedem atenção, para serem refeitas ou transformadas, resgatadas ou (finalmente) construídas. Tal aspecto evidencia que a desejável eliminação das situações de uso abusivo de drogas (tal como a abstinência completa) é uma variável por si só insuficiente, para que sejam alcançados os resgates ou recriações necessários (e/ou possíveis, interessantes, desejáveis, significativos) do próprio sujeito, naquelas dimensões de sua vida que ficaram comprometidas pelas consequências da sua dependência.

Em primeiro lugar, embora a dependência de drogas seja um fenômeno bem caracterizado e passível de diagnóstico a partir de um conjunto de características observáveis e mensuráveis , é também um dado objetivo que os seus processos de desenvolvimento (e de superação) padecem de “baixa visibilidade” na vida cotidiana: em especial para os próprios usuários de substâncias psicoativas e para quem convive com estes, mas também para quem realiza a intervenção nos campos da prevenção, do tratamento e da reinserção social9 . Isto porque aquele conjunto de características que definem o diagnóstico da dependência de drogas – e mais ainda o conjunto de condições que poderiam caracterizar um processo de superação ou recuperação – pode variar e ocorrer (ou não) mais ou menos lentamente em cada caso, em função de um complexo de variáveis (potencial de dependência da droga de escolha; características biopsicossociais individuais; culturas predominantes em relação ao uso de drogas – no grupo familiar, na classe social, nos grupos de pertencimento, nas políticas públicas, nos serviços de saúde e na mídia, dentre outras), as quais são multiplamente interdependentes e podem potencializar umas às outras.

Em segundo lugar, porque mesmo os elementos mais objetivos e específicos que 8 Vide os critérios do Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde – CID 10 – para “uso abusivo” e para “dependência de substâncias”, disponíveis, dentre outras fontes, em Marques e Ribeiro (Orgs.), 2006 (p. 21 e 23).

 Os campos da prevenção e do tratamento foram tratados na publicação já referida (o Guia Prático...), enquanto o da reinserção social constitui o centro da presente publicação. 10 Cada qual destes fatores é objeto de uma ampla revisão de estudos feitos em todo o mundo, com foco na dependência de álcool, empreendida por Vaillant (1995).

Foram incorporados de forma incipiente e contraditória pela política pública sobre drogas hoje em vigor no país. Sabemos que a abstinência detém a evolução do quadro de dependência química, porém, é importante salientar o aspecto crônico desta, para assim reafirmar a importância da reinserção social como ação continuada. Ou seja, uma vez reiniciado o uso de substâncias psicoativas, o indivíduo dependente perderá o controle sobre o uso, voltando mais ou menos rapidamente aos padrões de uso e de consequências biopsicossociais anteriores a abstinência – a isso chamamos reinstalação, remissão ou recaída.

Para evitar o círculo vicioso de processos de recaída (às vezes sequer caracterizados como tal, mas que impõem aos serviços de atenção um papel, a um só tempo, de retrabalho e reprodução da dependência), a intervenção dos diversos agentes precisará, ainda, complementar as estratégias mais diretamente relacionadas ao problema da superação da dependência (as quais demandam um planejamento altamente personalizado, distinto de caso para caso), com alternativas e abordagens mais genéricas e de maior fôlego, capazes de oferecer suportes objetivos ao novo modo de vida em (re)construção, além de acompanhamento e, ao mesmo tempo, fortalecimento da autonomia dos sujeitos deste processo; portanto, significativos para estes últimos

DA VEDAÇÃO À LIBERDADE PROVISÓRIA

Reza o artigo 44 da Lei n° 11.343/06: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37 desta lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direito”.

Verifica-se que a proibição da liberdade provisória, prevista na nova Lei de drogas, estava conformada como texto do inciso II do artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), muito embora tal dispositivo encontrasse resistência de parte da doutrina e da jurisprudência, que afirmava a absoluta contrariedade da regra da Lei de Crimes Hediondos com os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência.

Contudo, como já relatado, a vigência da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) trouxe nova discussão sobre o tema. O artigo 21 do referido Estatuto passou a considerar insuscetíveis de liberdade provisória os crimes previstos em seus artigos 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18 (tráfico internacional de arma de fogo).

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.112/DF), versando sobre tal vedação, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento).

Sobreveio a Lei n.º 11.464/07 que, além de modificar o dispositivo do artigo 2.º, § 1.º, da Lei de Crimes Hediondos, também deu nova redação ao artigo 2.º, inciso II, que pela lei anterior vedava a concessão de fiança e liberdade provisória.

Ocorre que a nova Lei de Tóxicos veda expressamente no artigo 44, caput, tanto da liberdade provisória com, quanto sem fiança para os crimes previstos nos artigos 33, caput, § 1.º, e 34 a 37.

Assim, em relação a esses delitos, a nova Lei de Drogas, de caráter especial, proíbe a liberdade provisória, ao passo que a Lei de Crimes Hediondos, com redação posterior àquela, estaria autorizando a liberdade provisória sem fiança.

Instaurado assim, verdadeiro conflito normativo, em que a Lei de Crimes Hediondos, protegida pelo princípio de que a lei nova derroga ou revoga a anterior, estaria a autorizar a liberdade provisória sem fiança para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, enquanto a nova Lei de Drogas, acobertada pelo princípio da especialidade, expressamente veda este benefício.

De acordo com o princípio da especialidade, tendo a Lei de Drogas proibido a concessão de liberdade provisória com e sem fiança, em tese este benefício não seria possível. Contudo, pelo princípio de que se aplica a lei nova, ainda quando tacitamente tenha disposto o contrário da norma anterior, esta benesse estaria autorizada.

Face esta situação, os Tribunais vinham procurando encontrar um norte para resolver esta contradição normativa, havendo decisões nos dois sentidos.

Contudo, nota-se que Supremo Tribunal Federal iniciou a caminhar no sentido de rever tal posicionamento, de maneira que estaria reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação, em caráter abstrato, à liberdade provisória.

A corrente doutrinária que defendia a constitucionalidade da proibição de liberdade provisória no art. 44, da Lei n° 11.343/06, argumentava que, em face da gravidade dos crimes de que trata a Lei n° 11.343/06 seria inaceitável que fosse permitida a liberdade provisória sem fiança, uma vez que a referida lei proíbe a concessão da liberdade provisória com fiança.

Argumentava que, o fato de a Lei n. 11.464/07, que conferiu nova redação ao art. 2º da Lei n.º 8.072/90, prever a possibilidade de concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos não repercute na prisão cautelar, pois se trata de norma geral e posterior. Considerando-se a regra de hermenêutica segundo a qual a lei posterior geral não revoga lei anterior especial, infere-se que a Lei nº 11.343/06.

Posicionava-se, ainda, no sentido de que a Carta Magna sujeita a concessão da liberdade provisória à previsão da lei (art. 5°, LXVI). Logo, a lei pode não admitir a liberdade provisória com ou sem fiança em determinados casos.

Nesse sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski no HC 100.831/MG, posicionou nos seguintes termos: “Em que pese o tráfico ilícito de drogas ser tratado como equiparado a hediondo, a Lei 11.343/2006 é especial e posterior àquela – Lei 8.072/90. Por essa razão, a liberdade provisória viabilizada aos crimes hediondos e equiparados pela Lei 11.464/2007 não abarca, em princípio, a hipótese de tráfico ilícitos de drogas” (STF, HC 100.831/MG, rel. Ministro Ricardo Lewandowski, j. 30-9-2009).

Enfim, em 10 de maio de 2012, por sete votos a três, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou ser possível a liberdade provisória aos crimes de tráfico de entorpecente, afirmou-se, assim, a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei 11.343/06. As razões da decisão foram resumidas no informativo nº 665.

Pautou-se o Supremo Tribunal Federal no argumento de que a inafiançabilidade, disposta no art. 5º, inciso XLIII, visa evitar o arbitramento de fiança pelo delegado, sem exame mais minucioso do caso pelo juiz, o que não implica dizer que o magistrado, analisando o caso, não possa conceder a liberdade provisória sem fiança.

Ressaltou entendimento no sentido de que o legislador pode estabelecer pressupostos e requisitos para a decretação da prisão preventiva ou para a concessão da liberdade provisória, mas não pode, de forma genérica, vedar o benefício apenas em razão da natureza do crime cometido.

No entendimento exposto pelo Tribunal Pleno, a regra prevista no artigo 44 da Lei de Drogas é incompatível com princípios os constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal e, portanto, referido dispositivo ao proibir a liberdade provisória, representa uma antecipação de pena, o que é vedado pela Constituição Federal.

Referida proibição estabeleceria um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória, na medida em que torna a prisão a regra e a liberdade a exceção. A Carda Magna, ao contrário, prevê que a liberdade é a regra e a necessidade da prisão precisa ser devidamente fundamentada.

Há quem entenda que a decisão sob comento foi tomada apenas incidentalmente, nos autos do habeas corpus nº 104.339, e, portanto, estaria desprovida de efeito erga omnes e, portanto, restrito entre às partes, não havendo repercussão dos efeitos dessa declaração poder vinculativo.

Contudo, ao que nos parece, a questão foi plenamente definida com o histórico julgamento do habeas corpus nº 104.339.

Não resta dúvida de que o juiz poderá negar ou conceder ao réu liberdade provisória, mas sua decisão deve ser sempre devidamente fundamentada no caso concreto.

Não vemos como se possa interpretar que não se aplica aos crimes de tráfico de drogas a possibilidade de concessão de liberdade provisória, devendo ser analisado em tais casos apenas às hipóteses da presença dos requisitos para decretação da prisão preventiva prevista no artigo 312, do Código de Processo Penal.

Ora, entender o contrário seria uma afronta ao Estado Democrático e princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da liberdade provisória e da presunção de inocência.

DO PROCEDIMENTO PENAL

Inquérito Policial

Os prazos para a conclusão do inquérito policial foram ampliados. Enquanto a Lei nº. 10.409/02 previa um prazo de 15 (quinze) dias, se o indiciado estivesse preso, e 30 (trinta) dias, se estivesse solto, a nova Lei Antidrogas estabelece que, uma vez surpreendido o agente em flagrante delito, deverá a autoridade policial proceder à lavratura do respectivo auto, comunicando ao juiz competente no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, devendo concluir o inquérito policial no prazo de 30 (trinta) dias, se o acusado estiver preso, ou 90 (noventa) dias, se estiver solto, conforme dispõe o seu art. 51: “O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto. Parágrafo único.  Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária”.

Na realidade, o prazo de 30 (trinta) ou 90 (noventa) dias para a conclusão do inquérito policial, ainda mais em se tratando dos crimes previstos na Lei nº 11.343/06, dadas as suas peculiaridades, consiste, de acordo com os processualistas modernos, num razoável lapso temporal para que a autoridade policial possa, efetivamente, providenciar todas as formalizações e diligências necessárias para encaminhá-lo com segurança ao juízo competente, para que este comunique ao Ministério Público, titular da ação penal pública.

Também é importante ressaltar que o parágrafo único do artigo em epígrafe prevê expressamente a possibilidade de haver a duplicação dos prazos, desde que exista real necessidade para que a autoridade policial possa, como já mencionado, proceder a eventuais diligências que se façam misteres para o encaminhamento do inquérito a juízo.     

Convém, ainda, ponderar o fato de que a doutrina mais abalizada, bem como a jurisprudência pátria em geral, firmam o entendimento de que se os prazos estabelecidos em lei para a conclusão do inquérito não forem categoricamente obedecidos não acarretará, como consectário necessário, o relaxamento da prisão do indiciado, mesmo porque em se tratando especificamente dos crimes previstos na Lei nº 11.343/06 haverá casos em que a apuração dos fatos será de difícil elucidação.

Portanto, ao instituir os novos prazos para a conclusão do inquérito policial como procedimento administrativo que tenha por escopo apurar os delitos previstos na Lei nº. 11.343/06, quis o legislador tão somente estabelecer um lapso de tempo razoável a fim de que seja angariado o necessário substrato probatório com o escopo de que o Ministério Público tenha as melhores condições possíveis para promover a respectiva Ação Penal Pública, não significando que os aludidos prazos não possam ser estendidos caso a complexidade da investigação assim exija.  

Instrução Criminal

Quanto à instrução criminal, há de se observar que a Lei nº 11.343/06 trouxe importantes alterações, em relação à revogada Lei nº. 10.409/02.

Nesse contexto, o art. 54 da nova lei assim dispõe: “Recebidos em juízo os autos do inquérito policial, de Comissão Parlamentar de Inquérito ou peças de informação, dar-se-á vista ao Ministério Público para, no prazo de 10 (dez) dias, adotar uma das seguintes providências: I - requerer o arquivamento; II - requisitar as diligências que entender necessárias; III - oferecer denúncia, arrolar até 5 (cinco) testemunhas e requerer as demais provas que entender pertinentes”.

Assim, verifica-se que ocorreram três inovações.

A primeira delas é a inserção da possibilidade de o juiz receber relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo que tal medida já era prevista pela Lei nº. 10.001/00, de 04 de setembro de 2000, conforme estabelece seu art. 1º.

Dessa feita, o magistrado aguardará a manifestação do representante do Ministério Público para proceder ao arquivamento das peças de informação.

A terceira e última alteração trazida pelo artigo em tela é a supressão da contradição que existia no teor dos incisos I e IV do art. 37 da Lei nº 10.409/02. Tais dispositivos estabeleciam respectivamente que poderá o representante do Ministério Público, ao receber os autos do inquérito policial, adotar as seguintes providências: “I – requerer o arquivamento”, ou ainda; “IV – deixar, justificadamente, de propor ação penal contra os agentes ou partícipes dos delitos”. 

Assim, mostrou-se bastante pertinente a exclusão de tal contradição pela Lei nº 11.343/06, como esclarece Marcello Granado ao afirmar que “‘requerer o arquivamento’ como previsto naquele revogado inciso I já era suficiente, já que tal promoção deveria ser fundamentada (justificada) como preceitua o art. 129, VIII, da CRFB”.

Defesa prévia

Quanto à defesa prévia, antes de ordenar a notificação do denunciado, deverá o magistrado exercer o que Marcello Granado (2006) denomina de “juízo de admissibilidade prévio”, averiguando se a denúncia obedece às formalidades previstas no art. 41 do Código de Processo Penal.

Sendo o referido juízo positivo, a nova Lei Antidrogas manteve, ainda, a fase de defesa preliminar do denunciado, que já era prevista na Lei nº. 10.409/02. O art. 55 do atual diploma estabelece que o acusado terá dez dias para apresentar sua defesa prévia, contados a partir da notificação judicial.

É importante frisar que o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, manteve o entendimento que já adotava durante a vigência da Lei nº. 10.409/02 segundo o qual deverá o magistrado, antes do recebimento da denúncia, possibilitar ao acusado o oferecimento da defesa prévia, sob pena de nulidade absoluta de todo o processo desde o recebimento da denúncia.

Porém, é necessário ressaltar que apenas a não concessão da oportunidade para apresentação da defesa prévia é que vai gerar a nulidade do processo, uma vez que, dado o referido prazo ao acusado, não há que se falar em nulidade, já que não houve violação do contraditório e a ampla defesa.

Deve-se observar que essa defesa não é de cunho obrigatório. Porém, deve ser concedido ao acusado o prazo para a sua apresentação.

Portanto, verifica-se a notória necessidade de se oferecer ao acusado prazo para, previamente, exercer a sua defesa, evitando-se, assim, os conhecidos “julgamentos paralelos”, feitos frequentemente pela mídia, ainda mais em se tratando de crimes relacionados a drogas, que possuem uma repercussão geralmente mais ampla.

Outra alteração relevante consiste na extinção do prazo atribuído ao Ministério Público para se manifestar após a apresentação da defesa prévia. Na égide da revogada Lei nº. 10.409/02 tinha o parquet, na qualidade de custos legis o prazo de cinco dias para opinar pelo recebimento ou rejeição ou denúncia. Todavia, a nova Lei não prevê expressamente essa medida, em que pese não haja qualquer proibição para que o magistrado escute a opinião do Ministério Público dentro do prazo de cinco dias previsto no art. 55, §4º, da Lei nº 11.343/06 para exercer o juízo de prelibação e decidir.

Rejeição da denúncia

O art. 39 da Lei nº 10.409/02 estabelecia que poderia haver a rejeição da denúncia, observado o teor do art. 43 do Código de Processo Penal, nas seguintes hipóteses: quando fosse manifestamente inepta; quando ausente pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal e; na ausência de justa causa para acusação.

Quanto à Lei nº 11.343/06, absteve-se o legislador em preceituar expressamente a respeito das hipóteses de rejeição da denúncia. Sendo assim, deverão ser aplicadas as regras de rejeição de denúncia dispostas no Código de Processo Penal, conforme esclarece Granado (2006, p. 200) ao afirmar que “Naturalmente, aplicam-se as regras dos arts. 41, a contrario sensu e 43, I, II e III, do CPP”.

Recebimento da denúncia

De acordo com o art. 56 da nova Lei Antidrogas, caso o juiz receba a denúncia, “designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenará a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do assistente, se for o caso, e requisitará os laudos periciais”. (Lei nº 11.343/06)

Deve-se observar que o § 2º do mesmo artigo preceitua que “A audiência a que se refere o caput deste artigo será realizada dentro dos 30 (trinta) dias seguintes ao recebimento da denúncia, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas, quando se realizará em 90 (noventa) dias”. (Lei nº 11.343/06)

Realização da audiência de instrução e julgamento

Quanto à realização da audiência da instrução e julgamento, verifica-se que há uma ordem de atos processuais a ser seguida pelo magistrado.

Assim, constata-se que o legislador manteve, no art. 57 da nova Lei Antidrogas, a estrutura e organização na realização dos aos processuais, já preconizada pelo art. 41 da revogada Lei nº. 10.409/02.

Regime de cumprimento da pena aplicada aos traficantes

A Lei nº 11.343/06 foi omissa no que tange ao cumprimento da pena privativa de liberdade, vigorando, em princípio, o preceito estabelecido pelo § 2º da Lei n 8.072/90, Lei dos Crimes Hediondos, que impõe o regime integralmente fechado para os condenados pela prática de crimes hediondos e assemelhados.

Porém, recentemente fora instaurada uma grande celeuma quanto à possibilidade ou não da progressão de regime para os crimes hediondos e assemelhados, sendo que, atualmente, a orientação jurisprudencial é no sentido de que cabe a progressão, conforme o trecho da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 82.959.

Competência da Justiça Federal

A revogada Lei nº. 6.368/76 estabelecia, em seu art. 27, que a regra geral para aferir a competência para o processo e julgamento dos crimes de “tráfico com o exterior” seriam da Justiça Federal, salvo se o lugar em que tiver sido praticado o delito fosse município que não fosse sede de vara da Justiça Federal, caso em que a competência se deslocaria para a Justiça Estadual, com recurso para o extinto Tribunal Federal de Recursos.

O art. 70 da nova Lei Antidrogas é mais direto que o da lei anterior e prevê que nos casos dos crimes previstos nos arts. 33 a 37, se ficar caracterizado “ilícito transnacional”, a competência para o processamento e julgamento do feito será da Justiça Federal. Já o parágrafo único do art. 70 estabelece que “Os crimes praticados nos Municípios que não sejam sede de vara federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva”. 

Assim, percebe-se que além garantir mais objetividade, o legislador infraconstitucional buscou modificar o termo delimitador dos crimes de competência da Justiça Federal, que pela lei anterior eram os de “tráfico com o exterior” e pela nova lei passaram a ser os crimes em que se caracterize o “ilícito transnacional”.

Para definir quais os crimes de competência da Justiça Federal, a doutrina e jurisprudência modernas passaram a empregar o termo “internacionalidade”.

Porém, não se deve olvidar o fato de que para a competência ser da Justiça Federal, faz-se necessária prova inequívoca da internacionalidade do delito, conforme ementa do Tribunal Regional Federal da 4ª região.

Portanto, apenas no caso de haver um substrato probatório apto a provar indubitavelmente a internacionalidade do delito é que o crime poderá ser processado e julgado na justiça federal, ficando os outros crimes na esfera de competência da justiça estadual, ou, a depender do caso, dos tribunais superiores.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol 3. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009

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MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2014

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Atlas, 2009

NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

__________. Leis Penais e processuais penais comentadas. 4. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Sobre a autora
Carolina de Oiveira Andrade

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade do Norte Pioneiro (2016). Pós-graduanda em Humanidades. Atuação contenciosa e consultiva, correspondente jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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