LEI Nº 8.072/90

CRIMES HEDIONDOS

28/10/2018 às 11:40
Leia nesta página:

O presente artigo visa analisar a Lei nº 8072/90, conhecida como Lei de Crimes Hediondos em seu aspecto jurídico e suas conceituações

CRIMES HEDIONDOS (LEI Nº 8.072/90)

É o crime considerado de extrema gravidade. Em razão disso, recebe um tratamento diferenciado e mais rigoroso do que as demais infrações penais. É considerado crime inafiançável e insuscetível de graça, anistia ou indulto.

CONCEITO DE CRIME HEDIONDO

Hediondo é um adjetivo masculino que significa feio, imundo, horrível e repugnante. Alguns sinônimos de hediondo são asqueroso, abominável, bárbaro, cruel, repulsivo, etc. No sentido figurado, hediondo pode descrever alguma coisa fedorenta. Este sentido da palavra está relacionado com a sua etimologia, pois tem origem no latim foetibundus, termo usado para qualificar alguma coisa que cheira mal.

É classificado como crime hediondo aquele que é praticado com violência extrema e/ou que causa repulsa.

A designação hediondo não descreve apenas um crime específico que seja considerado horrível e de elevada gravidade, mas é um conjunto de crimes que são considerados mais graves e revoltantes e por isso as penas são mais pesadas.

Como os crimes hediondos são abordados como sendo mais cruéis, eles não são suscetíveis de indulto, graça e anistia. Nestes casos também não é estabelecida uma fiança.

DO ROL TAXATIVO DA LEI

Tais delitos não constavam do elenco original dos crimes hediondos. O homicídio simples somente é considerado delito hediondo, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só autor.  Da leitura que se faz do artigo 121 do Código Penal, percebe-se que não existe a qualificadora “atividade típica de grupo de extermínio”.

Na prática, o homicídio praticado em atividade de grupo de extermínio nada mais é do que um homicídio qualificado.

Sem querer fazer uma análise profunda do crime de latrocínio, sugere-se que o aluno leia o informativo n.º520 do STF, para que conheça o posicionamento da Segunda Turma acerca da tentativa de latrocínio.

Importante lembrar que a Lei n.º 8072/90 classifica apenas o latrocínio como crime hediondo, excluindo o roubo simples ou circunstanciado

O crime de estupro na forma simples está descrito no art. 213 do Código Penal. São considerados hediondos tanto o estupro na forma simples (quando resulta lesão leve na vítima ou há o emprego de grave ameaça), como na qualificada (quando resulta lesão grave ou morte da vítima).

Vale destacar que, com a nova redação dada ao crime de estupro, restou revogado o crime de atentado violento ao pudor, pois o tipo penal do art. 213, caput, abarca tanto uma quanto outra conduta. Senão vejamos:

Quando a lei fala em conjunção carnal está se referindo ao sexo convencional e quando se fala em ato libidinoso diverso de conjunção carnal, está se referindo aos atos sexuais não convencionais tais como os sexos anal, oral, toque etc.

Assim, não há mais que se falar da existência do crime de atentado violento ao pudor no ordenamento jurídico nacional.

Antes da alteração promovida pela Lei nº 12.015, conforme expresso no Informativo nº 457, o STF, no tocante à continuidade delitiva entre estupro e atentado violento ao pudor.

Tanto o crime de estupro de vulnerável na forma simples como na forma qualificada são considerados hediondos.

Por vulnerável entende-se o menor de 14 (catorze) anos, aquele que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 

São as antigas hipóteses da violência presumida previstas no art. 224 do Código Penal.

Além disso, cumpre ressaltar que a Suprema Corte também considerava hediondo o crime de estupro cometido com violência presumida.

O presente inciso foi inserido em 1998, após o escândalo nacional dos contraceptivos de “farinha”, que foram colocados no mercado consumidor. Cumpre ressaltar que o estudo do artigo 273 do Código Penal deve ser feito de maneira integral.

Há quem diga que o genocídio é um crime equiparado ao hediondo, o que ousamos discordar. Primeiro, o crime em estudo não foi apontado pelo Constituinte Originário como hediondo. Segundo, a própria lei dos crimes hediondos considera o genocídio como tal.

EFEITOS JURÍDICOS

     Como rege o art. 2º desta Lei, os crimes hediondos e os equiparados, são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e de fiança.

DA LIBERDADE PROVISÓRIA; DA POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO DE REGIME

A liberdade provisória é concedida ao indiciado ou ao réu preso cautelarmente. É uma garantia constitucional prevista no Art. 5º, inciso LXVI da CF, assim redigido: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”

A Constituição e a lei nº 8.072/90 dizem que os crimes hediondos e equiparados são inafiançáveis, ou seja, que é vedada a concessão de liberdade provisória com arbitramento de fiança para tais delitos.

A vedação à liberdade provisória, antes expressamente prevista na Lei nº 8.072/90, não impedia o relaxamento do flagrante: quando a) ocorresse excesso de prazo da prisão processual, b) não confirmada à situação de flagrância e se c) reconhecida à nulidade na lavratura do auto de prisão.

            Quanto ao tema, devemos nos lembrar da Súmula 697/STF, que diz:

 

“A proibição da liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo”

 

Cumpre ressaltar que a lei nº 11.464/07, possibilitou a concessão de liberdade provisória sem arbitramento de fiança, no caso de cometimento de crimes hediondos ou equiparados.

Há quem diga que, mesmo com a alteração na lei dos crimes hediondos, a proibição de liberdade provisória decorreria da inafiançabilidade prevista no art.5º, XLIII, da CF, ou seja, entende-se que se a liberdade provisória com fiança não é permitida, com mais razão não seria a liberdade provisória sem fiança. Neste sentido, vale citar o HC 93.229/SP, do STF e o HC 93591/MS, do STJ.

No que concerne aos crimes de tráfico de drogas, o art. 44 da Lei n.º 11.343/06 veda de maneira expressa a concessão de liberdade provisória sem fixação de fiança aos delitos em comento. 

O STF, em manifestações recentes, tem suscitado que a redação conferida ao art. 2º, II, da Lei nº 8.072/90, pela Lei nº 11.464/07, NÃO PREPONDERA sobre o disposto no art. 44, da Lei nº 11343/06, que proíbe, EXPRESSAMENTE, a concessão de liberdade provisória em se tratando de tráfico de drogas – HC 92495/PE: Informativo 508.

No HC 94916/RS: Informativo 522 – o Ilustre Min. Eros Grau enfatiza a excepcionalidade da liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas.

CRIME HEDIONDO COMETIDO POR QUADRILHA OU BANDO

A Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90) instituiu a forma qualificada ou especial do delito. Assim, a pena será de reclusão de 3 (três) a 6 (anos), contados em dobro no caso de ser armado, quando a quadrilha ou bando tenha a finalidade de praticar crimes hediondos, tortura, tráfico ilícitos de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.

Rogério Sanches CUNHA, nesse diapasão, afirma que "aquele diploma legal somente cominou pena específica para estas hipóteses de ocorrência do crime de quadrilha ou bando, sem contudo, submeter os agentes às regras previstas no artigo 2º, que somente irão incidir se sobrevier a prática de um dos delitos etiquetados como hediondos ou a eles equiparados. Embora a Lei nº 8072/90 mencione o crime de tráfico, com o advento da Lei 11.343/06, a associação estável e permanente, de duas ou mais pessoas, para a prática do tráfico de drogas ou maquinários se enquadra no art. 35 deste diploma, com pena de reclusão variando de 3 a 10 anos, sem prejuízo da multa"

Com relação à delação premiada, é totalmente cabível, desde que preenchidos seus requisitos legais. Encontra respaldo jurídico na: a) Lei nº 7492/86 (alterada pela Lei nº 9080/95 – crimes contra o sistema financeiro nacional), artigo 25, § 2º; b) Lei nº 8072/90 (crimes hediondos), artigo 8º, parágrafo único; c) Lei nº 8137/90 (crimes contra a ordem tributária), artigo 16, parágrafo único; d) Lei nº 9034/95 (alterada pela Lei nº 10217/2001 – crime organizado), artigo 6º; e) Lei nº 9613/98 (lavagem de dinheiro), artigo 1º, § 5º; f) Lei nº 9807/99 (proteção à testemunha), artigo 14; e g) Lei nº 11.343/06 (drogas), artigo 41.

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Ressalta-se ainda que a quadrilha ou bando está inclusa no rol em que é cabível a decretação de prisão temporária, segundo os termos do artigo 1º, inciso III, alínea "l", da Lei nº 7960/89 (prisão temporária), bem como, em determinados casos, deve-se ater à Lei nº 9034/95, sobre crimes organizados.

Outras observações gerais sobre o delito em análise: a) se o crime objetivado for de genocídio, aplica-se o art. 2º da Lei nº 2889/1956; b) se os crimes objetivarem à segurança nacional ou à ordem política e social, incide o art. 16 e 24 da Lei nº 7170/83; c) no caso de envolver matéria relativa à entorpecentes, deve-se observar o artigo 35 da Lei nº 11.343/06. Entretanto, em tais casos, é preciso ter cautela a fim de evitar a dupla punição (ne bis in idem).

Para finalizar, alguns aspectos processuais do crime de quadrilha ou bando: a) no caso de haver absolvição dos crimes em tese almejados pela quadrilha, não subsiste a condenação por quadrilha.

 (TRF1. Ap. 98.01.00.0244397/TO. DJU 04.06.1999, p. 185), lembrando que o crime de quadrilha ou bando é autônomo ou formal, ou seja a sua consumação se dá com a convergência de vontades e independe da punibilidade ulterior dos delitos visados (STJ. RHC 24053/RJ. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho. Julg. 17.03.2009); b) se a peça acusatória, a despeito de imputar ao recorrente o delito de quadrilha ou bando, não descreve qualquer conduta concreta de sua parte que pudesse caracterizar o delito, é inepta (STJ. RHC 22368 / AM. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho. Julg. 23.02.2010) e, também, se o Ministério Público não está dotado de elementos suficientes para a propositura da ação penal, tanto que, podendo e devendo fazê-lo, não descreveu, nem mesmo em tese, conduta que se subsuma à moldura legal do crime de quadrilha ou bando, configura-se a inépcia da denúncia, nesta parte(STJ. RHC 16321 / RR. Rel. Celso Limongi. Julg. 01.06.2010); c) dada sua natureza permanente, autoriza a prisão em flagrante durante todo o lapso temporal em que se verificar a manutenção da associação dos consortes (STJ. HC 157.886/SP. Rel. Gilson Dipp. Julg. 15.02.2011); d) é necessário mínimo de provas para sustentar a acusação, vez que não se pode ter como sugestivo do crime de quadrilha a mera menção ao nome do impetrante por outros acusados, segundo captada em interceptações telefônicas, sem qualquer base concreta que demonstre, minimamente, a eventual prática delitiva (STF. HC 89.310/SP. Rel. Joaquim Barbosa. Julg. 31.03.2009).

REFERENCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol 3. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009

__________. Princípio da insignificância ou bagatela. Disponível em:<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2009071614033828&mode=print>. Acesso em: 13 nov. 2016

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. 3. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009

_______. Curso de Direito Penal. Vol. 4. 11ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2009

_______. Código Penal Anotado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998

LUIZ FLAVIO GOMES, ROGÉRIO SANCHES CUNHA, Legislação Criminal Especial, 1 Ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2009, V.6.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2014

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Atlas, 2009

NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

__________. Leis Penais e processuais penais comentadas. 4. Ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

Sobre a autora
Carolina de Oiveira Andrade

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade do Norte Pioneiro (2016). Pós-graduanda em Humanidades. Atuação contenciosa e consultiva, correspondente jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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