Dos crimes contra a propriedade imaterial
A propriedade imaterial constitui-se na relação jurídica entre autor e obra, em função da criação, ou da respectiva colocação em circulação e perante todos.
Os crimes contra a propriedade imaterial encontram seu fundamento em diversos dispositivos da Constituição Federal e estão dispostos no Título III da Parte Especial do Código Penal. Os crimes contra a propriedade imaterial se dividem em crimes contra a propriedade industrial (Lei 9.279/96) e crimes contra os direitos autorais, conforme previsto no artigo 184 do Código Penal.
A doutrina classifica tal crime como comum, formal, unilateral ou concurso, e instantâneo, sendo assim pode ser praticado por qualquer pessoa, é admitido em qualquer forma de execução, pode ser praticado tanto por uma quanto por várias pessoas e não há continuidade no tempo, a consumação acontece em um momento determinado.
Ensina Rogério Greco que “Crime comum no que diz respeito ao sujeito ativo e próprio quanto ao sujeito passivo, pois que somente o autor da obra literária, artística ou científica, seus herdeiros e sucessores ou o titular do direito sobre a produção de outrem podem Figurar nessa condição; doloso; comissivo (podendo, no entanto, ser praticado via omissão imprópria na hipótese de o agente gozar do status de garantidor); material; instantâneo ou permanente (dependendo de como o delito for praticado, podendo se prolongar no tempo); de forma livre; monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte (como regra)”.
Segundo Cleber Masson “Os bens imateriais são incorpóreos, mas têm valor econômico. De fato, integram a propriedade intelectual e são protegidos pelo Direito a partir do momento em que se concretizam em obras científicas, literárias, artísticas e invenções em geral”.
O legislador constitucional estabeleceu os critérios basilares de uma justiça social, calcando-se na livre iniciativa como fator primordial do estabelecimento de liberdade de criar, agir, inventar, preservando, assim a vontade de que as pessoas tenham o interesse em movimentar toda a ordem econômica, valorizando o trabalho humano e, principalmente, a liberdade de iniciativa privada.
Os princípios constitucionais em seus incisos destacam os motivos pelos quais levou o constituinte a continuar a preservar a liberdade de criação. Merecem destaque, evidentemente por seu cunho constitucional os princípios da defesa da propriedade privada e o da livre concorrência, base para a penalização das condutas descritas nas leis especiais, cominando penas para esse desrespeito constitucional.
O Brasil passou a valorizar o trabalho e a liberdade de produzir, protegendo aqueles que se prestam a inventar no Brasil, no sentido de manifestação do espírito da criação.
Outros diplomas legais passaram a cuidar da proteção da invenção, as vezes por maneiras transversas, como se vê do Decreto 5.244, 14/10/2004, que criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, e que veio a estabelecer exatamente o que é pirataria, no seu art. 1º, parágrafo único do Decreto 5.244/2004: “Entende-se por pirataria a violação dos direitos autorais de que tratam as Leis 9.609 e 9.610, ambas de 19 de fevereiro de 1998.”
Se deixou de lado a pirataria mais evidente que é aquela que protege a propriedade industrial, mas que se encontra presente na Lei 9.279/96, intitulado de Código de Propriedade Industrial, que é uma norma penal híbrida, envolvendo vários ramos do Direito, como o Direito Comercial (ou Direito Empresarial), em face da propriedade industrial, o Direito Civil, devido ao direito autoral, agora tomado em sentido mais aprimorado como o da propriedade industrial e o próprio Direito Penal, que estabeleceu, na repressão penal, norma penal em branco, cuja complementação depende da própria legislação específica.
Porém, há de se fazer a distinção entre Direito Autoral (previsto nas duas leis específicas – 9.609/98 e 9.610/98) e Propriedade Industrial.
Por Direito Autoral deve se considerar como sendo as criações do intelecto, do espírito, que inicialmente só existe na concepção do autor. Não há produção industrial. Ex.: obra de arte, música, livro, etc. O direito autoral está protegido penalmente no art. 184 do CP, com a redação da Lei 10.695/2003 – alteração para “obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa”.
De outro lado, Propriedade Industrial, embora também sejam criações de um intelecto, podem ser produzidas em larga escala mercantilista.
Dos crimes contra a organização do trabalho
Os crimes contra a organização do trabalho protegem os direitos individuais e os coletivos de trabalho, também faz a organização do trabalho em si, uma organização das organizações trabalhistas para a coletividade.
Se este crime atinge direito coletivos, a competência é da Justiça Federal, caso seja atingido interesse individual de um trabalhador é de competência Estadual. É um crime comum, sendo assim, não há um sujeito específico para o praticar.
Estes crimes estão previstos nos artigos 197 a 207, contidos no Título IV do Código Penal, ensina Rogério Greco “A proteção aos trabalhadores também encontra amparo constitucional, conforme se verifica no Capítulo II (Dos Direitos Sociais), contido no Título II, que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. De acordo com o art 109, VI, de nossa Lei Maior, a competência para o julgamento dos crimes contra a organização do trabalho seria da Justiça Federal”.
Os artigos 197 a 207 do Código Penal brasileiro tratam acerca dos Crimes Contra a Organização do Trabalho, onde o resumo aqui presente objetiva expor de forma fundamentada em uma pesquisa bibliográfica, as disposições previstas em cada um desses artigos, bem como as sanções aplicadas aos agentes que cometem esta conduta tipificada.
O atentado contra a liberdade de trabalho consuma-se quando a vítima constrangida exerce ou deixa de exercer arte, ofício, profissão ou indústria. Trabalha, ou não, durante certo período ou em determinados dias efetivamente, abre ou fecha seu estabelecimento de trabalho, participa de parede ou paralisação de atividade econômica.
Trata-se de um crime plurissubsistente tornando possível a tentativa, onde a ação penal é de iniciativa pública incondicionada competindo ao Juizado Especial Criminal o processo e o julgamento.
O bem juridicamente protegido pelo art. 198 é a liberdade do trabalho, sendo o objeto material a pessoa constrangida. Ao celebrar contrato de trabalho, mediante constrangimento e com o emprego de violência ou grave ameaça, ocorre a consumação do atentado contra a liberdade de contrato de trabalho. Já a boicotagem violenta consuma-se a partir do momento em que o sujeito passivo através de constrangimento não fornece a outrem ou não adquire de outrem matéria-prima ou produto industrial ou agrícola.
Podemos entender que a liberdade de associação e a filiação sindical são direitos constitucionais, sendo também o bem juridicamente protegido pelo art. 199 do Código Penal brasileiro. O agente sujeito ativo mediante violência ou grave ameaça constrange dolosamente a vítima sujeito passivo a participar ou deixar de participar de determinado sindicato ou associação profissional, salienta-se que o sujeito passivo corresponde àquelas pessoas aptas a se associar ou se filiar a algum sindicato. Greco defende que:
“o constrangimento, praticado mediante violência ou grave ameaça, deve ser dirigido no sentido de fazer com que a vítima participe, ou seja, se filie, se associe, contra sua vontade, a sindicato ou associação profissional, ou mesmo que deixe de se filiar, quando esse era seu desejo”.
Trata-se de um crime de ação penal de iniciativa pública incondicionada, plurissubsistente, sendo possível a tentativa, competindo ao Juizado Especial Criminal o processo e o julgamento.
O art. 200 do Código Penal brasileiro trata acerca da paralisação, seguida de violência ou perturbação da ordem, onde a pena prevista é de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente a violência. O art. 9º da Constituição Federal prevê a greve como um direito constitucional, ao passo que a Lei 7.783/89 regulamentou o direito de greve, porém especificando as atividades essenciais para atender as necessidades coletivas. Greco afirma que:
podem aqueles que participam do movimento de suspensão ou abandono coletivo de trabalho praticar violência contra a pessoa, ou contra coisa, cometendo, dessa forma, a infração tipificada no art. 200 do Código Penal.
A pura e simples participação do agente em movimento de suspensão ou abandono coletivo do trabalho é totalmente legítima, tornando-se uma conduta tipificada no momento em que é praticado atos de violência contra pessoa ou contra coisa. Observando o parágrafo único para que se configure abandono coletivo, é necessária a participação de no mínimo três empregados, contando com o agente da conduta típica e dolosa.
Vale ressaltar que se trata de um crime monossubjetivo, uma vez que mesmo sendo lícita a greve, admite-se que um único agente venha a cometer a infração penal praticando violência contra pessoa ou contra a coisa. O artigo aqui em estudo visa proteger a regularidade das relações trabalhistas, onde o sujeito ativo nada mais é do que o empregado ou o empregador, pois o tipo exige a suspensão ou abandono coletivo de trabalho, portanto ao falar-se em “coletivo” já se vislumbra o sujeito passivo que nada mais é do que a própria coletividade.
O bem juridicamente protegido é a organização do trabalho, seu desenvolvimento normal e regular, já na sabotagem o artigo aqui em estudo visa proteger a proteção da posse e da propriedade. O sujeito passivo é o proprietário do estabelecimento invadido ou danificado, sendo que a coletividade também pode tornar-se sujeito passivo.
O art. 203 do Código Penal faz referência à conduta dolosa, ou seja, à frustração de direito assegurado por lei trabalhista, onde os bens juridicamente protegidos são os direitos do empregado ou do empregador assegurados pela legislação trabalhista, já o objeto material é a pessoa que se sente frustrada em seus direitos trabalhistas.
Seguindo o entendimento de Greco, “trata-se de norma penal em branco, cuja fonte de consulta será a Consolidação das Leis de Trabalho, bem como qualquer outra lei que assim o dispuser”.
No que concerne ao sujeito ativo, trata-se do empregador, o empregado ou qualquer outra pessoa, pois é um crime comum, já o sujeito passivo é a pessoa frustrada em seu direito trabalhista que pode ser tanto o empregado como o empregador.
O art. 204 do Código Penal brasileiro aduz sobre a frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho, onde a CLT também faz referência a essa nacionalização. A pena para este delito é de detenção de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. Greco afirma que “trata-se de norma penal em branco, cujo complemento é fixado, principalmente, pela CLT”.
O bem tutelado é o interesse na nacionalização do trabalho, sendo os contratos indevidamente celebrados o objeto material deste delito. O agente sujeito ativo que pode ser além do empregador qualquer pessoa, age dolosamente ao frustrar mediante fraude ou violência uma lei trabalhista, já o sujeito passivo será o Estado tendo suas medidas coletivas frustradas.
O art. 206 do Código Penal trata do aliciamento para o fim de emigração, onde o agente sujeito ativo age dolosamente com o intuito de levar trabalhadores para território estrangeiro, sendo necessário o recrutamento de no mínimo três trabalhadores para configurar a conduta típica do artigo aqui correspondente. Greco afirma que: “O conjunto de atos preordenados levados a efeito pelo criminoso normalmente tem início quando o aliciador adianta uma pequena parte em dinheiro ao trabalhador emigrante”.
O Estado tem interesse em manter os trabalhadores em território nacional, sendo este o bem juridicamente tutelado, ao passo que o objeto material é os trabalhadores aliciados. Trata-se de um crime comum onde tanto o sujeito ativo como o passivo pode ser qualquer pessoa. Salienta-se que se consuma o ato delituoso a partir do momento em que os trabalhadores são aliciados, não sendo necessária a efetiva saída destes do território nacional.
O art. 207 do Código Penal brasileiro aduz acerca do aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, onde se tratando de um crime comum, tanto o sujeito ativo como o passivo pode ser qualquer pessoa. O sujeito ativo age dolosamente na recruta desses trabalhadores, muitas vezes mediante falsas e fantasiosas promessas. O bem juridicamente protegido é o interesse do Estado em manter os trabalhadores não somente no território nacional, como também em suas regiões, onde os próprios trabalhadores aliciados constituem o objeto material. A consumação se dá a partir do momento em que os trabalhadores são aliciados ainda em suas regiões, não sendo necessária a efetiva saída destes para outra localidade.
A história do trabalho no Brasil é marcada por uma luta constante de reconhecimento dos direitos trabalhistas, onde até os dias de hoje ainda podemos observar a precariedade desses direitos no que tange a algumas classes trabalhistas, bem como o descumprimento dos direitos já reconhecidos. Ao abordarmos as diversas formas de crimes inerentes a organização do trabalho, concluímos que apesar de ser um direito constitucional e previsto em determinadas leis trabalhistas, não só os empregadores como também muitos trabalhadores ainda são vulneráveis a essas práticas delituosas, onde de certa forma as consequência dessas infrações terminam por atingir também a coletividade.
REFERENCIAS
BITTENCOURT, Cesar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol. 3 e 4. São Paulo: Saraiva, 2009
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol 3. São Paulo: Saraiva, 2009
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Vol. 3 e 4. Rio de Janeiro: Impetus, 2009
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2009
JESUS, Damásio Evangelista de. Código Penal Anotado. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2014
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Vol. 3. São Paulo: Atlas, 2009
NUCCI. Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009