3° Turno: entre a Guerra Híbrida e a Simbiose

29/10/2018 às 11:42
Leia nesta página:

Analisa a possibilidade do Presidente da República eleito ser empossado, mesmo se for réu em processo crime.

Finalizado o 2° Turno das eleições de 2018, foi sagrada vencedora a Chapa Bolsonaro/Mourão, para conduzir a administração da Nação nos próximos quatro anos. Poucos instantes após a finalização da apuração dos votos, já foi possível verificar que os inconformados agora, direcionarão suas fuzilarias, nesse momento pós-eleitoral, para impedir a posse do candidato democraticamente eleito.

O tom da dialética foi explicitado na coletiva oficial a imprensa, realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no próprio dia 28/10/2018. Como pode ser conferido no canal do YOUTUBE da Justiça Eleitoral, no link: https://www.youtube.com/watch?v=EWuK9wgGr5Q

Neste link, aos 01h06min da entrevista, foi levantado, mais uma vez, o questionamento sobre a possibilidade de candidatos eleitos, mas que são réus em ações penais, poderem assumir a cadeira presidencial. No caso, tendo como alvo o candidato Bolsonaro, que vem sendo judicialmente questionado quanto a falas e discursos que teria feito e que, na ótica de alguns, caracterizariam crimes de racismo, ou de incentivo a práticas de crimes.

Não serão aqui abordados quais são estes casos, até porque, alguns destes processos nem foram aceitos pelo Judiciário (por evidente atipicidade da conduta – não caracteriza crime), ou fatalmente serão julgados improcedentes. Seja porque evidentemente não caracterizam crimes (a narrativa criminosa foi ladinamente construída pelos seus adversários), seja porque parlamentares federais possuem IMUNIDADE sobre os denominados delitos de opinião, que envolvem precisamente a liberdade de expressão do parlamentar. Para que possa sustentar seus entendimentos, mesmo que gerando descontentamentos, e mesmo que abordem o tema com o rigor apropriado que a situação possa exigir (Constituição Federal, Art. 53. Os Deputados e Senadores SÃO INVIOLÁVEIS, CIVIL E PENALMENTE, POR QUAISQUER DE SUAS OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS).

A questão mais séria que agora será, inquestionavelmente, explorada a exaustão (além de várias outras manobras que também serão impulsionadas, todas buscando o mesmo propósito de desestabilização), refere-se ao argumento fictício, de que candidato que estiver respondendo a processo-crime, não poderia ser empossado no cargo de Presidente da República. A este respeito, estabelece a Constituição Federal que:

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:

I - nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;

II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.

§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.

§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.

§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

Noutros dizeres, a Constituição Federal, em nenhum momento, estabelece que a Presidência da República não pode ser ocupada por alguém que esteja respondendo a processo-crime. Até porque (seria desnecessário dizer isto em situações de normalidade), o fato de ser acusado em um processo judicial, não significa que o réu seja realmente culpado pela imputação da prática do crime. A eventual condenação só é proferida ao final do processo, e não no seu início.

O que a Constituição prescreve é que, se o Presidente da República (que tem foro por prerrogativa de função diferenciado) tiver sua acusação recebida pelo Supremo Tribunal Federal (nos crimes comuns que tenham relação com a função presidencial), ou recebida pelo Senado (nos crimes de responsabilidade), ficará SUSPENSO de suas funções pelo prazo de 180 dias. Sendo que, se o julgamento perante o STF ou Senado não for finalizado neste prazo de 180 dias, o Presidente RETORNARÁ à sua função, sem prejuízo da regular tramitação do processo ainda pendente.

A argumentação que vem lastreando este tipo de raciocínio, é decorrência direta da decisão equivocada da Suprema Corte que, ao interpretar o texto constitucional, por meio de uma alquimia jurídica, firmou este posicionamento. Como se constata do julgado abaixo reproduzido (a hipótese versou sobre se o substituto do Presidente da República poderia assumir este encargo se também fosse réu em processo criminal:

“...O Tribunal referendou parcialmente medida cautelar deferida em arguição de descumprimento de preceito fundamental para assentar que os substitutos eventuais do presidente da República a que se refere o art. 80 da Constituição Federal, caso ostentem a posição de réus criminais perante o Supremo Tribunal Federal, ficarão impossibilitados de exercer o ofício de presidente da República e, por maioria, negou referendo à liminar, no ponto em que ela estendia a determinação de afastamento imediato desses mesmos substitutos eventuais do presidente da República em relação aos cargos de chefia e direção por eles titularizados em suas respectivas Casas. (...) Ressaltou que a cláusula inscrita no art. 86, § 1º, da Constituição Federal torna claro o sentido de intencionalidade do constituinte, que quis impor ao presidente da República o afastamento cautelar (e temporário) do desempenho do mandato presidencial, considerada, em essência, a exigência de preservação da respeitabilidade das instituições republicanas, que constitui, na verdade, o núcleo que informa e conforma esse processo de suspensão preventiva. Por isso, os substitutos eventuais do presidente da República, se tornados réus criminais perante o Supremo Tribunal Federal, não poderiam ser convocados para o desempenho transitório do ofício presidencial, pois não teria sentido que, ostentando a condição formal de acusados em juízo penal, viessem a dispor de maior poder jurídico, ou de maior aptidão, que o próprio chefe do Poder Executivo da União, titular do mandato presidencial. Por consequência, os agentes públicos que detêm as titularidades funcionais que os habilitam, constitucionalmente, a substituir o chefe do Poder Executivo da União em caráter eventual, caso tornados réus criminais perante esta Corte, não ficariam afastados, ipso facto, dos cargos de direção que exercem na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal. Na realidade, apenas sofreriam interdição para o exercício do ofício de presidente da República. [ADPF 402 MC-REF, rel. min. Marco Aurélio, j. 7-12-2016, P,Informativo 850.]

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Neste precedente, o STF firmou o entendimento (incorreto) de que a Constituição Federal traria esta proibição de posse no cargo, se o substituto eventual estivesse respondendo a processo-crime. Porque o STF considerou que, quando o art. 86, §1°, determina o afastamento preventivo (por 180 dias) do Presidente da República (se recebida a acusação pelo STF ou pelo Senado, dependendo da situação), seria para preservar a probidade administrativa. Logo, se o próprio titular do cargo (Presidente da República) teria que ser afastado, não poderia seu substituto ocupar a posição, se também fosse réu em processo-crime em tramitação.

Entretanto, este posicionamento não encontra amparo constitucional. Pelo contrário, a mesma Constituição Federal que determina este afastamento provisório por 180 dias, é a mesma que determina o RETORNO as funções se extrapolado este período e o processo-crime ainda não estiver finalizado. O art. 86, § 2°, acima transcrito é literal a respeito desta assertiva, e dispensa maiores considerações. Não se compreendendo como o STF pode chegar a uma tal conclusão em franca contradição com os dizeres constitucionais.

Bem assim, a Constituição Federal ainda elenca outras duas garantias aquele que desempenha a Presidência da República, no art. 86, §4ª. Pelas quais, de acordo com precedentes do mesmo STF, o Presidente a) na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções; e b) em havendo processo-crime em andamento, este processo-crime deverá ser suspenso até o término do mandato.

São prerrogativas processuais, que conferem um tratamento processual penal diferenciado, em homenagem a importância da posição de Primeiro Magistrado da Nação. Abaixo são transcritos trechos de julgados do próprio STF sobre o tema:

"O que o art. 86, § 4º, confere ao Presidente da República não é imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele não se prescreve que o Presidente é irresponsável por crimes não funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a investidura na presidência. Da impossibilidade, segundo o art. 86, § 4º, de que, enquanto dure o mandato, tenha curso ou se instaure processo penal contra o Presidente da República por crimes não funcionais, decorre que, se o fato é anterior à sua investidura, o Supremo Tribunal não será originariamente competente para a ação penal, nem conseqüentemente para o habeas corpus por falta de justa causa para o curso futuro do processo. Na questão similar do impedimento temporário à persecução penal do Congressista, quando não concedida a licença para o processo, o STF já extraíra, antes que a Constituição o tornasse expresso, a suspensão do curso da prescrição, até a extinção do mandato parlamentar: deixa-se, no entanto, de dar força de decisão à aplicabilidade, no caso, da mesma solução, à falta de competência do Tribunal para, neste momento, decidir a respeito." (HC 83.154, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11-9-03, DJ de 21-11-03)

"O art. 86, § 4º, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, excluiu-o, durante a vigência de seu mandato — e por atos estranhos ao seu exercício —, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. A cláusula de exclusão inscrita nesse preceito da Carta Federal, ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticadas em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aquelas praticadas na vigência do mandato, desde que estranhas ao ofício presidencial." (Inq 672-QO, julgamento em 16-9-92, DJ de 16-4-93)

À toda evidência, NÃO existe passagem nenhuma do texto constitucional, que imponha qualquer sorte de proibição de posse no cargo de Presidente da República, pelo fato de o candidato eleito estar respondendo a processo-crime. Mas não apenas isto, diz também que se este processo-crime até então em tramitação, deverá ter seu curso suspenso, até o término do mandato presidencial quando, então, retomará sua regular marcha.

Este episódio (indagação sobre se o candidato que é réu pode ou não assumir a presidência), ocorrido na coletiva realizada logo no instante do anúncio oficial do resultado das eleições de 2018, demonstra bem o cenário no qual estamos. No qual se pretenderá ganhar a disputa eleitoral por meio de um escuso 3° Turno.

Em que se misturam investidas desestabilizadores típicas de uma Guerra Híbrida (HYBRID WARFARE), combinados com uma SIMBIOSE (conceito de biologia que pressupõe a “interação entre duas espécies que vivem juntas”) que ao mesmo tempo que critica veemente o Poder Judiciário (exemplo: Operação Lava Jato), procura utilizar este importante pilar do Estado Democrático de Direito, para tentar corroer suas estruturas.

Felizmente, como se verifica do link acima indicado (e o ponto do vídeo no qual este questionamento foi feito durante a coletiva), as autoridades Judiciárias máximas que estavam presentes (Presidente do STF e Presidente do TSE), responderam de forma bastante parcimoniosa e equilibrada. Dando a entender que estas questões, se necessário, serão analisadas no momento oportuno, nos respectivos eventuais julgamentos. E com a tranquilidade que assuntos desta envergadura merecem ser analisados, sem inclinações ideológicas.

Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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