APLICAÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO

31/10/2018 às 08:21
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O direito ao esquecimento - a ideia de que ninguém pode ser punido eternamente por algo que cometeu. “Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito". Machado de Assis

RESUMO

O presente estudo realizou uma investigação acerca da aplicabilidade do direito ao esquecimento no campo penal, e mais especificamente no âmbito da ressocialização dos ex-presidiários, perquirindo como o reconhecimento e efetivação do direito ao esquecimento pode facilitar o dificultoso processo de ressocialização. Analisamos fatores como: a origem do direito ao esquecimento e suas mais importantes aplicações no direito internacional; as recentes aplicações deste instituto no direito brasileiro; como solucionar o conflito aparente entre direitos fundamentais – honra, imagem, intimidade, e privacidade versus o direito a informação e publicidade; a estigmatização do preso; o caráter de pena perpétua que é dado àquele que cometeu um crime e que não tem a seu favor reconhecido o direito de ser esquecido; as disposições positivadas no nosso ordenamento jurídico que contemplam o direito ao esquecimento; e o papel da mídia na eternização do crime e do criminoso. Com o avanço da tecnologia e a possibilidade da manutenção da informação por um lapso de tempo incalculável, o direito ao esquecimento acende importante debate atual sobre a sua utilidade de informações divulgadas pela imprensa durante o cumprimento da pena ou após a liberdade do ex-presidiário. Como decorrência da dignidade da pessoa humana o Estado e a sociedade devem assegurar aos ex-condenados a possibilidade de reconstruir suas vidas

PALAVRAS-CHAVE: direito ao esquecimento; ressocialização; dignidade da pessoa humana; direitos humanos; influência da mídia

ABSTRACT


         This study realized an investigation about the applicability of the right to be forgotten in the criminal field, and more specifically in the rehabilitation of ex-convicts, investigating the recognition and realization of the right to be forgotten can facilitate the dificult rehabilitation process. We analyze factors such as the origin of the right to be forgotten and their most important applications in international law; recent applications of this institute in the Brazilian law; how to resolve the apparent conflict between fundamental rights - honor, image, intimacy, and privacy versus the right to information and publicity; stigmatization of the prisoner; the life sentence of character that is given to the one who committed a crime and that it has in its favor recognized the right to be forgotten; the positive prositions in our legal system which include the right to be forgotten; and the role of media in the perpetuation of the crime and the criminal. With the advancement of technology and the possibility of information maintenance for an incalculable period of time, the right to be forgotten illuminates na important and current debate about its usefulness to press reports during the execution of the sentence or after the freedom of former convict. As a result of human dignity the state and society should ensure that ex-convicts a chance to rebuild their lives.

KEY-WORDS: right to be forgotten; rehabilitation; human dignity; human rights; midia influence

 

INTRODUÇÃO

A reinserção do infrator da norma penal ao seio da coletividade é um processo demasiadamente complexo, que demanda além de extrema força de vontade do agente, o auxílio do Estado e da própria sociedade com o objetivo de que aquele ex-infrator não volte a infringir a norma penal. 
        A opção do legislador ordinário em trazer como finalidade da pena o tripé constituído da prevenção (intimidação para educação); retribuição (ação e reação) e ressocialização, cria para o Estado a obrigação de instrumentalizar mecanismos para que cessados os efeitos da pena (ou em virtude da aplicação de algum dos benefícios de politica criminal), ao agente infrator da norma penal seja-lhe garantido o direito ao esquecimento, evitando uma pena perpétua. 
         O problema é que com a atual velocidade com que as notícias circulam, seja pela internet, imprensa escrita ou falada, não raro existe a possibilidade de se violar o direito de ser esquecido, trazendo a tona fatos pretéritos que reacendem o temor e até mesmo “ódio” da sociedade contra aquele indivíduo, podendo prejudicar o processo de ressocialização, dificultando a própria aceitação da sociedade daquele agente que outrora transgrediu a norma penal e que agora está retornando ao convívio social. 
         Mas, como instrumentalizar, ou melhor, como garantir o direito ao esquecimento diante do gigantesco avanço tecnológico onde as informações se propagam a uma velocidade incontrolável? Qual seria o limite de aplicação do direito ao esquecimento visto que existem crimes difíceis de serem esquecidos? 
          O reconhecimento do direito ao esquecimento encontra-se contemporaneamente envolvido num aparente e relevante conflito de direitos assegurados constitucionalmente como o direito à intimidade e o direito a informação, e por este motivo foi merecedor deste estudo mais aprofundado.  
        A presente pesquisa realizou uma investigação acerca da aplicação do direito ao esquecimento no campo penal, e mais centralmente no processo de ressocialização. Diante da existência de tal instituto, e pela ausência de estudos mais aprofundados delimitados à problemática da sua utilização ao ressocializando, fez-se necessário a presente perquirição que se iniciou a partir de um estudo bibliográfico – em que pese à ausência de posicionamento sólido na doutrina e jurisprudência acerca das limitações de tal instituto – explorando alguns artigos, decisões judiciais, e materiais correlatos ao tema, com o objetivo de descobrir se o direito ao esquecimento teria realmente o condão de auxiliar no processo de ressocialização, e para tanto, testamos a hipótese que se concretizar o direito ao esquecimento, então estaríamos promovendo a ressocialização dos ex-presidiários com consequente reinserção à vida em sociedade, respondendo a problematização de em que medida a garantia do esquecimento poderia facilitar o processo de ressocialização dos ex-presidiários. 
            No primeiro capitulo fizemos uma contextualização e o link entre o direito ao esquecimento e o complexo processo de ressocialização, definindo conceitos, apontando algumas recentes aplicações e situando o direito em questão no tempo, guardando a sua relação com os demais direitos correlatos, além de debatermos a forma de resolução do conflito aparente entre direitos constitucionalmente previstos. 
            No segundo capítulo nos debruçamos com mais afinco no objeto do nosso estudo, qual seja, a aplicação do direito em tela ao processo de ressocialização dos ex-presidiários – ferramenta auxiliadora ao processo de ressocialização (ferramenta sine qua non), assim como: com a eternização da figura do criminoso teríamos uma espécie de pena perpétua – esta abolida pelo nosso ordenamento jurídico. Analisado estes dois aspectos, fizemos uma reflexão sobre uma possível consequência da não aplicação do direito ao esquecimento – se esta poderia influenciar no retorno do ex-presidiário ao mundo do crime. 
     No terceiro capítulo, observamos as disposições positivadas sobre tal instituto, mais especificamente a prevista na Lei de execução penal – onde veda o sensacionalismo como forma de promoção da imprensa, e ingressamos no difícil campo da operacionalização do direito em questão trazendo a baila os problemas enfrentados para efetivar o direito ao esquecimento frente aos veículos de comunicação, especialmente a internet: as dificuldades da efetivação; a influência da mídia na estigmatização do criminoso; e porque diante de tanta tecnologia encontram-se embaraços a aplicação consistente e facilitada do direito ao esquecimento na internet.  
         O presente estudo não pretendeu exaurir o tema, pois é notório que existem outros elementos, além do direito ao esquecimento, que têm o condão de influir no processo de ressocialização, a exemplo das atuais condições do sistema carcerário brasileiro e o próprio trabalho do preso, mas teve a intensão de colaborar para o preenchimento das lacunas concernentes ao tema, visto que apesar de observado e reconhecido há bastante tempo, poucos são os estudos mais específicos voltados ao direito em questão, e menores ainda os questionamentos quanto a sua aplicação ao processo de ressocialização. Este estudo também não tem a menor intenção de defender criminosos ou buscar subsídios para facilitar o reingresso de pessoas que não tem condições de conviver em sociedade, mas tão somente garantir a efetiva aplicação dos direitos humanos fundamentais a todos como determina a Constituição e a teoria geral dos direitos humanos.

 

DIREITO AO ESQUECIMENTO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E RESSOCIALIZAÇÃO

Contextualização

O direito ao esquecimento, ou direito de ser esquecido, também conhecido como direito de ser deixado em paz, numa definição simplória consiste na ideia de que uma pessoa tem o direito de ver esquecidos fatos do seu passado, fatos estes que deixaram de ter notoriedade ou que o próprio indivíduo não se orgulha de tê-los cometido. 
            O direito em tela guarda intrínseca relação com diversos direitos inerentes à pessoa humana como direito a inviolabilidade da vida privada, direito a preservação da imagem, direito a intimidade, dentre outros, além, é claro, do fundamento da República Federativa do Brasil – a dignidade da pessoa humana. 
            Para Cavalcante, o direito ao esquecimento pode ser conceituado como: 

[...] o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos. (2013, p. 198).

Neste sentido corrobora Dotti ao definir o direito ao esquecimento como:

[...] faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do reconhecimento jurídico à proteção da vida pretérita, proibindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros dados referentes à personalidade (1998, p. 92).     

Na ceara penal levanta-se a discussão se caberia à aplicação do direito ao esquecimento a fatos que constituíram ilícito penal e que foram merecedores da última ratio em matéria jurisdicional – o direito penal, afinal o indivíduo que cometeu um crime e efetivamente cumpriu a sua pena, em tese este não “deveria” mais nada ao Estado. Deve a esse indivíduo ser imputada uma pena perpétua de jamais ver esquecido um fato? 
          A ressocialização, ou reintegração social – nomenclatura preferida por Baratta da qual me coaduno, numa definição um tanto quanto enciclopédica consiste no ato de reintegrar o indivíduo ao convício social através de políticas humanistas tornando sociável o agente que cometeu uma conduta reprovável pela sociedade e merecedora de proteção como bem jurídico relevante ao direito penal. 
             Como bem expõe Da Silva: 

A ressocialização tem como objetivo a humanização da passagem do detento na instituição carcerária, implicando sua essência teórica, numa orientação humanista, passando a focalizar a pessoa que delinquiu como o centro da reflexão científica. (2013. p. 36). 

      O instituto da ressocialização talvez seja a “pedra de toque”  da justificativa da aplicação da pena pelo Direito Penal, pois temos ao lado da prevenção e retribuição, uma ideia (no mundo do dever ser) de que com o preceito secundário da norma penal (aplicação da pena) busca-se precipuamente renovar o indivíduo, prepara-lo com o fito que ele retorne a uma convivência harmoniosa com seu meio comum/natural. 
          Impende ressaltar que o direito ao esquecimento não se aplica somente a condutas criminosas que por já terem sido punidas e perderem a sua aptidão de publicidade seriam merecedoras do reconhecimento do supracitado direito, pois que encontramos ampla gama de aplicação de tal instituto nos demais ramos do Direito como o civil, tributário, administrativo, dentre outros, a exemplo das pessoas públicas – como atores e atrizes, ou até mesmo políticos - que após a fama e vida pública, apenas desejam o anonimato, deixar de serem conhecidas pelos seus feitos.               Porém nestas linhas focaremos quanto a sua observância em matéria penal, vez que o cerne do nosso estudo é justamente analisar a aplicação do direito ao esquecimento como ferramenta apta a facilitar, integrar, promover o processo de ressocialização. 
              Ademais, temos exemplos da aplicação do direito ao esquecimento positivados em nosso ordenamento jurídico como, por exemplo: a prescrição e a decadência; o sigilo dos registros do processo e condenação – disposto no art. 93 do CP e art. 748 do CPP (antecedentes criminais); a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo – prevista ao teor do art. 41, VIII da Lei de Execução Penal (LEP); e o art. 202 da LEP, que trata do direito ao sigilo das informações após cumprida a pena ou tendo sido extinta a punibilidade – quanto as disposições sobre o tema presente na LEP será objeto de discussão mais a frente. 

Evolução histórica – direito ao esquecimento no direito comparado e as mais recentes aplicações do direito ao esquecimento no Brasil

Apesar de ser um direito reconhecido há bastante tempo – temos importantes aplicações nos EUA datadas de 1931 e Alemanha com julgado em 1973 – o direito ao esquecimento voltou a ser objeto de debates na doutrina e jurisprudência quanto a sua utilização devido a recentes aplicações da Corte da União Europeia (13 de maio de 2014 – usuários da internet na Europa vs Google), assim como no Brasil por nossos Tribunais Superiores e algumas decisões de juízes singulares reconhecendo a existência de tal direito, e também por incidência do enunciado 531 da VI jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal que nos diz que: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. 
           Ao longo do tempo, o primeiro caso mais evidente onde pudemos observar a aplicação do direito ao esquecimento no mundo ocorreu na Califórnia - EUA em 1931 (corte de apelação – julgamento do caso Mervin versus Reid), onde em decorrência da produção e exibição do filme The Red Kimona - 1925, Bernard Melvin, marido de Gabrielle Darley, processou o produtor Doroty Davenport Reid por ter retratado a vida da sua esposa que no passado tinha sido prostituta e acusada de um homicídio do qual foi inocentada em 1918. O citado Tribunal aplicou, não com está nomenclatura, mas sobre as premissas das suas ideias, o direito ao esquecimento, e condenou Reid ao pagamento de indenização por entender que houve violação a vida privada e honra de Gabrielle e da sua família.
             O segundo caso mais notório de aplicação do direito ao esquecimento no direito comparado se deu em 1973 no famoso caso Lebach julgado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. Em síntese, uma emissora de Televisão daquele país iria exibir um documentário sobre o assassinato de quatro soldados alemães e roubo de armas e munições ocorridos numa pequena cidade Alemã de nome Lebach. O crime em tela teve como acusados três réus que foram condenados em 1970, sendo dois deles à prisão perpétua e um deles a uma pena de 6 (seis) anos de reclusão por ser partícipe do crime. Prestes a exaurir o cumprimento de sua pena, este último, condenado a pena mais branda, tomou conhecimento da iminente exibição do documentário e propôs uma ação inibitória buscando impedir a exibição do programa que reacenderia na sociedade as lembranças do fato e cabalmente afetaria o seu processo de ressocialização. Ao analisar o caso, o Tribunal, em sede de Reclamação Constitucional (visto que infrutíferas foram as decisões nas instâncias ordinárias em favor do réu), reconheceu o direito ao esquecimento aplicável ao caso concreto.  
          Em 1995 o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia editaram a diretiva 95/46/CE que dispõe sobre a política de tratamento dos dados das pessoas na União europeia, garantindo a responsabilização do veículo “publicizador”, a correção dos dados e sua retirada da mídia onde foi exposta, sua retificação caso a informação constante no meio utilizado para divulgar fosse incorreta, imprecisa ou incompleta – admitindo, inclusive, segundo a intepretação extensiva de alguns especialistas a retirada de informações legitimas, mas que deixaram de ter notoriedade com o decurso do tempo. 
         No dia 13 de maio de 2014 a corte do Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que qualquer cidadão europeu pode pedir diretamente a google – e aos demais sites de busca europeus – que desvinculem seus nomes das pesquisas direcionadoras a outros sites hospedeiros de informações com o objetivo de preservar a sua intimidade e vida privada caso solicitado por estes usuários, cabendo em caso de negativa a intervenção judicial. Tomando por base esta decisão e aplicando-a num sentido mais amplo, um dos órgãos consultivos da UE recomendou que a google e os demais sites de busca viabilizassem que o respeito a decisão da corte fosse cumprido também nos “domínios” não europeus – ou seja, portais de busca de outros países – desde que acessados a partir da Europa, pois se assim não fosse seria uma espécie de burla a decisão daquela Corte.
          Importante para a aplicação do direito ao esquecimento no Brasil foi a edição do enunciado 531 da VI jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal que incutiu no direito brasileiro a primeira previsão expressa do direito ao esquecimento: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Este enunciado abriu portas para uma futura positivação desse direito tão importante. 
       Em território pátrio, o primeiro caso de aplicação do direito ao esquecimento nos nossos tribunais ocorreu em Minas Gerais, onde em sede de recurso, o Tribunal confirmou a decisão de primeiro grau, oriunda da Comarca de Perdizes, garantindo o direito a indenização por danos morais derivados de informações exposta por veículo de comunicação ferindo a honra e a dignidade da pessoa humana do demandante. Conforme dispõe a fundamentação do acórdão, “O direito de informar não é absoluto e encontra seus limites nas próprias diretrizes constitucionais”. Ainda cita o julgado que é direito da imprensa informar, sendo está livre de censura ou licença prévia, mas que eventuais danos aos direitos constitucionalmente previstos devem ser reparados. Por fim, o TJMG diz que aplicasse a súmula 281 do STJ onde à indenização por dano moral não se limita pela tarifação prevista na lei de impressa.
      Não tardou para que o direito objeto do nosso estudo chegasse aos nossos Tribunais Superiores, mais especificamente ao STJ: 
           Caso Aida Curi - O processo foi proveniente da veiculação do programa Linha Direta Justiça, pela TV Globo, sobre o assassinato de Aída Curi nos anos 50.  Em 2014, a divulgação do crime, décadas depois do fato, levou os irmãos de Aída Curi a alavancar uma ação contra a TV Globo, com pedido de reparação de danos matérias e morais. Os irmãos alegaram que a exposição do caso estimulou a lembrança dos fatos, reabriu feridas emocionais e terminou por estabelecer margem para exploração econômica, em benefício da emissora, sem cogitar a dor e o sofrimento da família Curi.  Eles afirmaram que o crime, quando ocorrido, incitou noticiários sensacionalistas e extensos, que deixou danos psicológicos à família, aprofundados pela publicidade. Destacaram que o tempo incumbiu-se de extrair o tema da imprensa, mas retornou à tona com a apresentação do programa, que tirou proveito do nome e da imagem da vítima e de alguns de seus familiares.  Por esses fundamentos, peticionaram com fito de que a rede Globo fosse desautorizada a fazer uso da imagem, nome e história particular da vítima e que fosse condenada ao pagamento de indenização por dano moral. 
            Na replicação, a Globo, amparou seu fundamento de defesa no sentido de que o programa era um documentário que abordara fatos históricos e de domínio público, formado, em grande parte, de imagens de arquivos e de materiais jornalísticos afeitos à época, centrado em fatos já excessivamente divulgados pela imprensa. O rogo foi sentenciado improcedente tanto pelo juízo da 47ª vara cível do RJ quanto pelo TJ/RJ.  Para o juízo de primeiro grau, o programa não transmitiu qualquer referência lesiva à dignidade da falecida e muito menos à de seus irmãos. As decisões de origem foram mantidas pelo STJ. 
           O segundo caso julgado pelo STJ onde analisou a aplicação do direito ao esquecimento foi na Chacina da Candelária ocorrida Rio de Janeiro em 1993, em frente à Igreja da Candelária. Policiais à paisana abriram fogo contra aproximadamente 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias da igreja, na madrugada de 23 de Julho. Várias ficaram feridas e oito faleceram. Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos. Neste caso, por outro lado, a 4ª turma do STJ confirmou a condenação da TV Globo a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais em favor de um dos absolvidos. Disse o autor da demanda e um dos acusados que foi absolvido que, em 2006, repeliu a solicitação de entrevista feita pela TV Globo, contudo, o programa divulgado em junho de 2006, mencionou-o como um dos envolvidos no crime.  O envolvido na Chacina afirmou que sua menção no programa reacendeu, em rede nacional, circunstância obsoleta que já havia sido sobrepujada, avivando na comunidade onde residia a figura de chacinador e o ódio social, e atingindo o anonimato e privacidade pessoal. Na primeira instância o pedido de indenização foi julgado improcedente pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, no entanto a sentença foi retificada em grau de apelação e conservada em julgamento. Amparando que não houve intrusão à privacidade do acusado, pois os fatos informados já eram públicos e abundantemente debatidos na sociedade, e que a emissora optou por moderar a narração dos fatos ocorridos, sem nenhuma ofensa pessoal. No entanto, foi compreendido que a alusão do nome do acusado como um dos partícipes do crime, mesmo disseminando que ele houvera sido absolvido, provocou danos à sua honra, e esta decisão foi mantida sobre o fundamento do direito ao esquecimento pelo STJ. 

Dignidade da pessoa humana

Conforme os casos acima narrados, vislumbramos que o Direito ao esquecimento de fato começou a ser aplicado no Brasil, influenciado pelo direito alienígena, e podemos perceber que tanto no enunciado 531 da VI jornada de Direito Civil do CJF quanto nos acórdãos mencionados anteriormente, o direito em questão busca personificar a dignidade da pessoa humana.  
          Inexiste definição precisa para o meta-princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que cada autor acrescenta algo novo, observa um novo enfoque, uma nova matriz ao que entendemos ser o supracitado princípio. 
             Sarlet entende a dignidade da pessoa humana como:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (2008, p. 70). 

Há que se apreciar a concepção de dignidade da pessoa humana por parte do constitucionalista Alexandre de Morais, que nos diz:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (2002, pag. 128). 

  Portanto, em que pese à inexistência de um conceito fechado para a dignidade da pessoa humana, segundo Flávia Piovesan, ela é “o ponto de partida e seu ponto de chegada, na tarefa de interpretação normativa, consagrando a dignidade da pessoa humana como verdadeiro super-princípio”. (2004, p. 92). 
           Destarte, salutar é a carência deste conceito fechado para dignidade da pessoa humana, pois parece exatamente evitar o engessamento do mandamento constitucional fundamento da República, vez que o direito se modifica ao longo do tempo, e a ausência de definição imperiosa proporciona ao interprete constitucional a adequação da norma ao tempo sem necessidade de reforma.
            Seguindo o pensamento de Piovesan poderíamos inferir que na interpretação sistemática dos direitos humanos fundamentais todos estes realizariam seu objetivo, sua função de existir, se proporcionarem – se promoverem, a dignidade da pessoa humana. 

Conflito aparente de normas constitucionais
 
           Em todas as decisões acima mencionadas, a grande questão/dilema é como aplicar um direito em detrimento do outro, ou seja, qual direito deve preponderar – o direito de ver esquecido um fato, direito a honra, a imagem, a privacidade, ou o direito a informação e a liberdade de imprensa? 
           No caso Melvin vs Reid, o Tribunal de Apelação da Califórnia, além de reconhecer a aplicação do direito ao esquecimento, reconheceu também o que daria origem ao princípio da felicidade – reconhecido por parte da doutrina nacional – quando disse que a pessoa tem o direito de ser feliz, sem continuar sendo atordoada por um passado que deseja esquecer. Um passado tão constrangedor que prejudicara inclusive a sua saúde física e psíquica, conforme colaciona Dotti:

[...] Aquele tipo de publicidade causou enorme dor moral à apelante Gabrielle, com reflexos em sua saúde, levando-a a postular na Justiça uma reparação pela grave ofensa ao seu direito à intimidade da vida passada. E o tribunal condenou o autor do agravo a uma indenização como forma material de reparação, apesar de não se referir, literalmente, à existência de um direito ao esquecimento (1980, p. 90-91).

Então, o Tribunal garantiu que naquele caso cabia o que mais tarde viria a ser chamado de direito ao esquecimento. Percebemos que no caso concreto prevaleceu o interesse particular – reconhecimento da proteção à honra, a imagem, a continuidade de uma vida digna – em detrimento do interesse de informar, seja por um noticiário, periódico, ou até mesmo um filme como neste caso específico. Foi a análise complexa do caso concreto que permitiu tão brilhante decisão que até hoje é utilizada como parâmetro (e origem) para a aplicação do direito ao esquecimento.   
           No julgamento do caso Lebach, o Tribunal alemão entendeu que a regra é a liberdade de informação, mas que não se pode eternizar a notícia, e se o prejuízo causado ao agente no caso concreto for exacerbado não deve ser suportado por este como podemos observar no trecho do julgado abaixo: 

Em face do noticiário atual sobre delitos graves, o interesse de informação da população merece em geral prevalência sobre o direito de personalidade do criminoso. Porém, deve ser observado, além do respeito à mais íntima e intangível área da vida, o princípio da proporcionalidade: Segundo este, a informação do nome, foto ou outra identificação do criminoso nem sempre é permitida. A proteção constitucional da personalidade, porém, não admite que a televisão se ocupe com a pessoa do criminoso e sua vida privada por tempo ilimitado e além da notícia atual, p.ex. na forma de um documentário. Um noticiário posterior será, de qualquer forma, inadmissível se ele tiver o condão, em face da informação atual, de provocar um prejuízo considerável novo ou adicional à pessoa do criminoso, especialmente se ameaçar sua reintegração à sociedade (ressocialização). (LIMA, 2007, p. 81)

O Tribunal considerou também que nenhum valor constitucional é superior ao outro, mas que deve haver a harmonização entre os direitos previstos na Constituição Alemã, e que havendo incompatibilidade entre os direitos e a necessidade de aplicar um em detrimento do outro, deve-se analisar no caso concreto, pois nenhum direito tem prevalência absoluta. 
          Por intermédio da análise dos julgados no direito alienígena, a jurisprudência nacional vai caminhando (engatinhando ainda) no reconhecimento do direito ao esquecimento, hoje mais palpável graças às decisões do STJ nos casos Ainda Curi e na Chacina da Candelária, assim como o importante e rico julgado do TJMG acerca da matéria e exposto em linhas anteriores, além do enunciado 531 da VI jornada de Direito Civil do CJF. Mas, persiste embate na doutrina e jurisprudência, pois difícil à apreciação abstrata de quando caberia reconhecer o direito ao esquecimento e quando reconhecer que trata-se de dar lugar ao direito a informação pro societá. 
          De maneira antagônica o direito ao esquecimento entra em rota de colisão com direitos constitucionalmente previstos como direito a informação e liberdade de imprensa, e o grande embate doutrinário é justamente como aplicar num caso concreto um direito X constitucionalmente previsto, quer seja explícito ou implícito, em detrimento do direito Y também constitucionalmente previsto. Para socorrer-nos aplicar-se-ia ao caso em concreto o juízo de ponderação. 
               Com maestria Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco afirmam que:

É importante perceber que a prevalência de um direito sobre outro se determina em função das peculiaridades do caso concreto. Não existe um critério de solução de conflitos válido em termos abstratos. Pode-se, todavia, colher de um precedente um viés para solução de conflitos vindouros. Assim, diante de um precedente específico, será admissível afirmar que, repetidas as mesmas condições de fato, num caso futuro, um dos direitos tenderá a prevalecer sobre o outro. (2014, p. 189). 

Conforme continua Mendes e Branco, os direitos previstos constitucionalmente não têm hierarquia, e sim o mesmo status, devendo ser resolvido pelo critério da ponderação: 

O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução. Devem-se comprimir no menor grau possível os direitos em causa, preservando-se a sua essência, o seu núcleo essencial (modos primários típicos de exercício do direito). Põe-se em ação o princípio da concordância prática, que se liga ao postulado da unidade da Constituição, incompatível com situações de colisão irredutível de dois direitos por ela consagrados (2014, p. 189).

O juízo de ponderação é um dos três substratos da análise da proporcionalidade, composta por adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (juízo de ponderação) – é uma teoria que surge na Alemanha e foi chamada de teoria dos degraus, onde aplicando os três elementos, temos o que chamamos de teste de proporcionalidade. 
        Não existe, na verdade, como prever abstratamente quando aplicar um ou outro direito humano, ou fundamental – constitucionalmente previsto explicitamente ou implicitamente –, visto que apenas na análise do caso in concreto podemos verificar se cabe o reconhecimento do direito ao esquecimento. Devemos sempre buscar através do juízo de ponderação a harmonização dos direitos humanos e fundamentais para poder concluir se na situação ímpar daquela ocorrência cabe reconhecer a liberdade de imprensa/informação ou se deve prevalecer o direito a proteção da vida privada, honra, intimidade – destes decorrendo este direito relativamente novo – direito ao esquecimento, na sua acepção como instituto pouco estudando e que ainda nos reserva grandes discussões. Parece ser conveniente chamar esta análise de aplicação de um ou outro direito de ponderação no caso concreto.  

APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NO PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO

Eternização da figura do criminoso – pena perpétua?

Conceitua-se como pena perpétua, ou prisão perpétua, a modalidade de pena onde ocorre o encarceramento “definitivo” do indivíduo que cometeu um grave ilícito penal merecedor de medida tão extrema por parte do Estado penal. Vedada no Brasil, e em boa parte dos países que adotam o sistema de República e são Estados Democráticos de Direito, tal proibição além de expressamente prevista na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, XLVII, alínea b, também encontra fundamento infraconstitucional negativo disposto no art. 32 do CP, onde não prevê como espécie de sanção penal a prisão perpétua.
          A ideia da imposição de uma pena como consequência do infringimento da quebra de uma regra grave de convivência e harmonia da sociedade é punir e humanizar, onde o Estado busca a ressocialização do indivíduo e não a vingança conquistada com a aplicação de uma medida encarceradora definitiva. A punição, que também é objetivo da aplicação de uma sanção penal – aliada a prevenção e ressocialização – visa à integração social, ou seja, busca-se a harmonia social que se almeja que seja mantida com o reingresso do infrator na coletividade e que este não volte a descumprir as normas de convivência em coletividade, especialmente as de reflexo no campo penal. 
            Isto posto, nos perguntamos se a eternização da figura do criminoso e do crime não teria um viés de pena perpétua em sentido amplo, indo de encontro aos ideais do principal objetivo da aplicação de uma sanção penal – qual seja, a ressocialização. Sobre o tema Santos comenta:

A constituição da República de 1988, em seu artigo 5°, inciso XLVII, b, vem assegurar que, “não haverá penas de caráter perpétuo”, mas apesar de não existirem penas privativas de liberdade ou restritivas de direitos, com essa característica, o que se facilmente é percebido é que a estigmatização daquele que já cumpriu sua pena, é sim uma forma de perpetualização da sanção, quando não lhe é oferecida uma estrutura para que, ao retornar ao convívio social tenha a chance de demonstrar sua recuperação e seja extinto o estigma de ex-presidiário. E é justamente no direito que aquele que já cumpriu a pena que lhe foi imposta tem, de não ter que carregar esse estigma de criminoso para o resto de sua vida, que se funda o direito ao esquecimento. (2010)

  A afirmação de que o sistema carcerário brasileiro nao ressocializa ninguém e que devemos tratar quem viola a lei penal como eternos criminosos não encontra guarida no ordenamento jurídico-penal brasileiro, pois temos diversos exemplos de pessoas que passearam pelo mundo do crime, cumpriram sanção penal, ressocializaram-se, e hoje com dignidade e em harmonia com a sociedade mantêem uma vida ilibada. É claro que as deficiências no processo de ressocialização existem e são gigantescas, especialmente no tocante a forma como são executadas: a estrutura do sistema carcerário, a opção do Estado-encarcerador, e o domínio das facções criminosas que assolam o país. Mas, não podemos punir eternamente seres humanos, e por causa de parte que continuam a delinquir punir perenemente todos.  
         De fato, conviver em sociedade com olhares preconceituosos e temerosos acerca das condutas que venham a ser tomadas por um agente que no passado infringiu uma norma penal para este não deve ser tarefa simples. É claro que este estigma, essa chaga do cometimento do crime, será levada por toda vida por aquele ex-criminoso, mas o que se questiona nestas linhas é a exacerbação, ou seja, é não se deixar esquecer um fato, por vezes abominável, mas que trata-se de um fato pretérito, devidamente punido pelo aparato estatal que outrora tomou para si a vigança privada, agora pública. O preconceito existente em relação à pessoa do ex-presidiário já é extremo e difícil de ser superado mesmo que o fato seja desconhecido pela coletividade em geral, imaginemos o tamanho da dificuldade se a sociedade for constantemente relembrada do ilícito penal cometido, por exemplo, por um veículo de comunicação como um documentário jornalístico. Reavivar na sociedade a chama do cometimento de um crime por pessoa identificada pode trazer seríssimos riscos ao processo de ressocialização – objetivo mais importante da aplicaçao de uma sanção penal – como, por exemplo: transtornos psicológicos e de comportamento, dificuldade para convivência em sociedade; segregação do indíviduo, enfim, o leque de possibilidades nefastas a ressocialização é de inúmeras possibilidades. 
              Segundo Teles: 

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Enquanto for estigmatizado, por força de informações sobre a condenação, o egresso do sistema penitenciário não terá mínimas possibilidades de voltar ao convívio social normal em condições que possibilitem sua recuperação. (2006. p. 463)

O ex-presidiário, em que pese ter cometido um crime e ser merecedor de uma sanção adequada a puni-lo, não deve ser segregado mais do que o extritamente necessário e que é reflexo inevitável da aplicação da pena. Auxiliar ao seu retorno a liberdade além de obrigação do Estado e da sociedade parece-me decorrência indissociével do princípio da dignidade da pessoa humana, este norteador de todos os princípios, normas e regras jurídicas, e do tratamento a ser dado ao ser humano. 
           Portanto, a pena deve ter seu caráter temporal respeitado, tanto nos seus efeitos diretos do encarceramento tais como o tempo destinado a reeducação, aprendizado em cursos de ensino regular e profissionalizante, trabalho do preso e preparação para o retorno a comunidade, quanto nos efeitos de sequêla a exemplo do exposto neste tópico – eternização da figura do criminoso. Impor ao ex-presidiário sanção que ultrapasse o que regularmente há que ser cumprido viola o princípio da dignidade da pessoa humana, confronta os objetivos da aplicação dos preceitos primários e secundários da norma penal, e dificulta em grande monta o processo de ressocialização tornando-se, em sentido amplo, um resquício de pena perpétua a ser suportada por aquele que em algum momento da vida “deslisou” nos deveres de comportamento conforme as normas penais.  
             Outro ponto sensível na discussão quanto à aplicabilidade do direito ao esquecimento e que merece destaque, é sob o enfoque da vítima de um crime. Esta é, sem sombra de dúvidas, a que mais sofre com o trauma por ter sido sujeito passivo do delito. Além de guardar no seu inconsiente as lembranças nefastas que podem acarretar o surgimento de diversas doenças psiquicas, tais como: transtorno de estresse pós-traumático; depressão pós-traumática; síndrome do pânico; etc., ainda suportarão o reavivamento pela sociedade – comunidade e veículos de comunicação – dos momentos tristes, cruéis, e/ou violentos que sofreram. Talvez, mais para a vítima do que para o acusado seja importante superar o acontecido para que possa dar seguimento à sua vida, pois não deu causa, em regra, ao evento criminoso. Desta feita, também é direito da vítima ser esquecida, ou ter a seu favor reconhecido o esquecimento do crime que sofrera, pois imagine, por exemplo, uma vítima de estupro ser reconhecida eternamente como sujeito passivo deste crime que fere com extrema intensidade e violência a sua dignidade – a dignidade da pessoa humana. Provavelmente essa constância da informação quanto ao estupro prejudicaria o seu psiquê, sua honra objetiva e subjetiva, e seus relacionamentos interpessoais.  Parece-nos que tanto para o agente causador do crime, quanto para a vítima, e também para a sociedade seria necessário superar àquele evento criminoso, e deixar a vida seguir seu curso natural, deixar as feridas sicratizarem e reconstruírem suas vidas.


A não aplicação do direito ao esquecimento pode influenciar no retorno do ex presidiário ao mundo do crime? aspectos psicológicos


O direito ao esquecimento como facilitador do processo de ressocialização

Quanto à ressocialização é interessante observarmos que do ponto de vista técnico a ressocialização é processo e procedimento. Processo, pois denota uma atividade contínua, o meio ou instrumento de se realizar a ressocialização, e procedimento no que se refere ao método, ou seja, o modo ou a maneira como é feita. Talvez exatamente neste ponto o processo/procedimento de ressocialização deixe a desejar. A ideia (que para muitos é utópica), de como o processo/procedimento de ressocialização deve funcionar, quando foi “sonhada” e colocada no “papel”  pelo nosso legislador ordinário, parece ter sido bem pensada, mas encontra óbice na execução dos preceitos vislumbrados pela política criminal pátria, vez que se depara com entraves hora na instrumentalização, hora no método realizador, e em outras no próprio empenho do preso. O direito penal, e a ressocialização mais especificamente, não pode viver de sonhos ou ideais ineficazes, pois o “mundo do dever ser” como bem explica Miguel Reale:

[...] Corresponde ao que não pode ser apenas pensado, por implicar sempre uma necessária tomada de posição no plano de sua realização. Com efeito, se o que é considerado valioso jamais se realizasse seria apenas uma ilusão ou quimera, não merecendo um minuto sequer de nossa atenção. (2001)

Então cabe a sociedade tomar uma posição, e neste contexto concretizar uma soma de esforços para que o processo de ressocialização se aperfeiçoe, e com animus adjuvandi tirar do “papel” o seu fundamento, evitando e/ou superando os obstáculos naturais e também aqueles criados pelo homem, como por exemplo, a superexposição pela imprensa de um fato que para completar o seu status de passado deve-se deixar a vida seguir seu curso natural e ser esquecido.  
           É obvio que o direito ao esquecimento sozinho “não move montanhas”, mas há que se convir que com a efetiva aplicação de tal instituto a tarefa a que se presta a ressocialização pode tornar-se um pouco menos árdua.
            A exploração ilimitada e extemporânea da informação acerca de um crime já punido ou em vias de término de cumprimento de pena, ou até mesmo em virtude da aplicação de algum dos benefícios de política criminal – como o livramento condicional, por exemplo – torna-se um embaraço ao processo de ressocialização que já é dificultoso devido a sua complexidade, pois, para que aconteça necessita muito mais do que o aparato estatal, carece também do apoio da sociedade, da iniciativa privada, e num ponto de vista subjetivo e fundamental do animus do encarcerado. 
             Outro ponto importante é que hodiernamente muito se questiona quanto à aptidão e eficácia da sanção penal em desestimular a conduta criminosa com a certeza da aplicação de uma pena. Outrossim, não é segredo que devido ao grande aumento do número de crimes cometidos, inclusive com altos índices de reincidência, causam a sensação de que a punição para tais crimes é demasiadamente branda, e deixam a sociedade ressabiada quanto ao jeito que estamos punindo nossos criminosos. Não existem estudos técnico-científicos casuísticos que comprovem se com a aplicação do direito ao esquecimento poderíamos experimentar a redução do número de reincidência no cometimento de delitos, mas parece plausível que se um instituto aparentemente fomenta a reinserção do ex-presidiários à coletividade este deve ser estimulado, pois todos ganham – o reeducando, a sociedade, e o sistema. Neste prisma, porque não dar efetividade a tal instituto já que é decorrência de outros direitos fundamentais expressamente previstos, tais como direito a intimidade, a imagem, a honra, dentre outros? 
              Na análise dos casos citados no item 2.2 do capítulo anterior (evolução histórica – direito ao esquecimento no direito comparado e as mais recentes aplicações do direito ao esquecimento no Brasil), por exemplo, as decisões reconheceram o que é amplamente dito pela doutrina nacional e ádvena, que a imprensa é livre e que não deve ser censurada, ou seja, a imprensa tem o direito de informar e a população o direito de ser informada, mas que também é protegida constitucionalmente como direito fundamental à personalidade, a honra, e a imagem dos criminosos que saldaram suas dívidas com a justiça. Desta feita, não cabe a emissora televisiva ou qualquer outro veículo perpetuar a notícia se esta tiver o condão de prejudicar o processo de ressocialização dos ex-presidiários. 
          O direito ao esquecimento como vetor do processo de ressocialização contribui para este como um limitador da perenidade da publicidade do crime e do criminoso. Cessado o cumprimento das sanções é hora de permitir a reabilitação do reeducando a uma convivência harmoniosa. Claro que existem crimes, como bem colaciona a doutrina e jurisprudência dos nossos Tribunais, que são difíceis de serem esquecidos seja pela casuística – peculiaridades do crime, ou pelos agentes envolvidos no crime – como exemplos de casos célebres podemos destacar: o caso do goleiro Bruno, que em tese acolhida pelo Tribunal do Júri de Contagem – MG, condenou-o pelo assassinato de Elisa Samúdio; também os casos de tortura na época da ditadura praticados pelo então Delegado Sérgio Fleury; ou ainda o Caso de Suzane Von Richthofen que foi mandante do assassinato dos pais. Quanto a estes crimes é claro que ficarão na memória por terem adquirido um caráter histórico (nefasto) de modo que é indissociável a lembrança do nome dos acusados e vitimas aos fatos criminosos, como bem descreve a ementa do enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF, o direito ao esquecimento:

 [...] surge como parcela importante do direito do exdetento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.

Muitos são os benefícios do objeto do nosso estudo para o processo de ressocialização a exemplo: convivência pacífica em sociedade relativamente livre dos olhares desconfiados; reconstrução dos laços familiares e com a comunidade local onde vive; autoconfiança do detento na sua capacidade de não mais delinquir; facilidade para conseguir emprego digno que o motive a não retornar a criminalidade como forma de mantença, pois após um lapso do tempo, com efetivo esquecimento de fatos criminosos, é possível que o ex-presidiário reconstrua sua carreira profissional; proporciona também o resgate da autoestima do ex-detento, pois com o anonimato quanto ao passado criminoso este pode redirecionar sua nova vida; dentre outros. Deste modo, efetivar e respeitar o direito ao esquecimento para que o processo de ressocialização possa ocorrer sem intercorrências maiores do que as que já existem é condição indispensável para concretizar o objetivo maior da aplicação de uma pena. Neste sentido, Santos discorre:

Uma vez que, em não havendo esse respeito, a sua reintegração à sociedade fica em muito prejudicada, pois o preconceito contra ex-presidiários é tão grande, que poucas são suas oportunidades de emprego, e até mesmo as possibilidades de encontrarem alguém com quem possam se relacionar, isso se torna ainda mais difícil, quando existem pessoas que fazem questão de sempre estarem reacendendo na memória dos outros, o que fez aquela pessoa um dia, impedindo o indivíduo de proceder na sua busca por uma vida normal. (2010)

Por fim, considerando os benefícios da aplicação do direito ao esquecimento em detrimento da publicidade da informação no que se refere a facilitação da ressocialização, este direito fundamental encontra guarida Constitucional e na teoria geral dos direitos humanos por buscar a promoção da dignidade da pessoa humana do egresso. Para saber se um instituto tem vocação para ser aplicado no ordenamento jurídico brasileiro basta observar a sua congruência com o fundamento da República – a dignidade da pessoa humana. Em sendo positivo tal apreciação, o instituto passa pelo crivo mais importante, restando ao legislador, ou na sua ausência ao judiciário – visto que as normas constitucionais tidas como direitos fundamentais têm aplicação imediata – disciplinar ou aplicar, respectivamente, as disposições que visam concretizar a experimentação pela sociedade da dignidade da pessoa humana em toda a sua totalidade, ou pelo menos no mínimo existencial. Neste enredo, o direito ao esquecimento parece ter todas as ferramentas aptas a auxiliar na ressocialização dos ex-criminosos com consequente reinserção ao seu “habitat natural”.      

 

DIREITO AO ESQUECIMENTO POSITIVADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E AS DIFICULDADES PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

Premissas do direito ao esquecimento positivadas no código penal; código de processo penal e na lei de execução penal

Embora não conste previsão expressa do direito ao esquecimento em normas de observância obrigatória no ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito criminal encontramos importantíssimos dispositivos que seguem os ditâmes do direito fundamental ora estudado, a exemplo e em ordem cronológica: do art. 743 a 750 do CPP, e art. 93 ao art. 95 do CP (os dispositivos destes dois diplomas tratando do instituto da reabilitação); art. 202 da LEP (que trata do sigilo de informações a respeito do processo e à condenação); e art. 41, VIII da LEP (que trata da proteção contra qualquer forma de sensacionalismo). 
       A reabilitação é o instituto de política criminal adotado pelo legislador ordinário que visa promover a dignidade da pessoa humana com o retorno do gozo, pelo condenado, dos direitos, ou ao menos alguns direitos, que foram atingidos por uma condenação penal transitada em julgado. A reabilitação também contempla a garantia do sigilo das informações relativas ao processo e a condenação. 
         Teles, em seu manual de direito penal, traz um conceito preciso e bem completo acerca do que seria a reabilitação:

É o instituto por meio do qual o condenado tem assegurado o sigilo sobre os registros acerca do processo e de sua condenação, podendo, ainda, por meio dele, adquirir o exercício de direitos interditados pela sentença condenatória, com a suspensão condicional de alguns efeitos penais da condenação. A reabilitação, por isso, é a recuperação, pelo condenado, de seu status quo anterior à condenação. Por ela, terá ficha de antecedentes ou boletim de vida pregressa sem qualquer referência à condenação sofrida, sem nenhuma notícia do crime praticado. (2006, p. 462) 

Iniciamos comentando que o código penal e o de processo penal tratam acerca do mesmo instituto, qual seja a reabilitação – um complementando o outro. Porém, o código penal, teve importante reforma no ano de 1984 que tocou nos dispositivos que prevêem a reabilitação, portando segue-se o brocardo que lex posterior derogat legi priori, logo, aplica-se o prazo de 2 anos após a extinção ou término do cumprimento da pena para que se possa pleitear perante o juízo da condenação que seja declarada a reabilitação, e não no prazo de 4 ou 8 anos conforme prevê o art. 743 do CPP.  
          O art. 202 da LEP, por sua vez, disciplina o sigilo das informações acerca do processo e/ou condenação, in verbis: 

Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

Boa parte da doutrina, capitaniada por Rogério Greco, posiciona-se no sentido de que com o art. 202 da LEP tornaria sem sentido buscar a reabilitação devido a sua complexidade visto que é carreada de requisitos objetivos e subjetivos:

[...] muito mais vantajosa a aplicação imediata do art. 202 da lei de execução penal após cumprida ou extinta a pena aplicada ao condenado do que esperar o decurso de dois anos do dia em que foi extinta a pena, ou terminar a sua execução para solicitar a reabilitação. Verifica-se, portanto, que a orientação contida no caput do art. 93 do código penal cairá no vazio, pois que o art. 202 da lei de execução penal regula a mesma hipótese, só que de forma mais benéfica e menos burocrática para o condenado. (2006, p. 720)

Embora parte da doutrina sustente que o instituto da reabilitação deixou de ter razão de existir, pois o art. 202 da LEP tem aplicação automática, com a máxima vênia a quem defende este posicionamento – a exemplo do Professor Doutor Rogério Greco, um dos maiores pensadores do direito penal no Brasil – este instituto não se confunde com aquele. 
           De fato, o sigilo das informações protegido pela lei de execução penal tem aplicação menos dificultosa pelo fato de ser efeito automático da extinção da punibilidade do agente, e neste ponto, ou seja, quanto ao sigilo, não teria sentido propôr uma ação especifica para resguardar um direito que já é concedido automáticamente após cumprida a pena ou extinta a punibilidade – podendo até ser discutida e reconhecida pelo magistrado a ausência de condições da ação (por falta de interesse de agir). 
          Por outro lado, com a simples leitura dos dispositivos elencados podemos realmente inferir que o instituto da reabilitação é demasiadamente mais complexo e mais amplo do que o previsto no art. 202 da LEP, visto que este só contempla o sigilo das informações do processo e da condenação. A reabilitação, que nao é automática, necessitando de ação propria personalissima, alcança muito mais do que o sigilo, ela tem o condão de devolver ao regenerado os direitos que foram tolhidos com o advento de uma condenação criminal, desde que preencha os requisitos constantes ao teor do art. 94 do CP. 
           Outro mecanismo presente na LEP que é decorrência da proteção da honra, da imagem, da intimidade e da privacidade das pessoas – que juntos aperfeiçoam e compõem a dignidade da pessoa humana – é a vedação ao sensacionalismo constante no art. 41, VIII do referido diploma normativo, que dispõe que constituem direitos do preso, entre eles, a proteção contra qualquer forma de sensacionalismo. Esta previsão normativa tem total aptidão e conformidade com as ideias do direito ao esquecimento.  
            Talvez aqui, a despeito deste dispositivo protetivo, encontremos uma das principais violações que sofre o condenado às vesperas da sua soltura ou do já egresso do sistema prisional.
Quando a lei nos diz que é vedado qualquer forma de sensacionalismo, numa simples interpretação literal já podemos compreender que refere-se muito mais do que o noticiado pela mídia televisiva ou de rádiodifusão em geral. Abrange, por exemplo, jornais, periódicos em geral, livros, e modernamente a internet. Nesta repousa atualmente o principal problema, o principal obstáculo para a efetivação do direito ao esquecimento, sendo merecedora de um tópico específico para arguir esta discussão mais abaixo.
           Vistas estas disposições, podemos depreender que embora o direito ao esquecimento não esteja com estas palavras delineadas no rol de direitos fundamentais elencados no corpo constitucional ou no ordenamento jurídico-positivo brasileiro como um todo, sua previsão, seus preceitos, foram esculpidos nas normas nacionais antes da sua designação, surgindo na sociedade como uma necessidade ao processo de reincersão do encarcerado ao seu lugar de origem. 

Influência da mídia na estigmatização do criminoso e a dificuldade para a efetivação do direito ao esquecimento frente a internet

    Sábias e contrapostas eram as palavras do poeta da morte que dizia: “[...] A mão que afaga é a mesma que apedreja [...].” Talvez este fragmento do soneto versos íntimos de Augusto dos Anjos, o poeta do “Eu”, um dos maiores gênios da literatura brasileira e orgulho da Paraíba, expresse com a maior perfeição de detalhes como do “céu ao inferno” a imprensa tem o poder de teletransportar o indivíduo, em favor, por muitas vezes, tão somente de noticiar e ganhar a audiência. 
        Não raramente assistimos um noticiário em que com a ausência de tecnicidade e conhecimentos jurídicos necessários, os jornalistas confundem institutos adentrando numa ceara que não dominam e induzindo o ouvinte ou telespectador – com o poder da comunicação em massa que detém em suas mãos – a um entendimento que pode ser: incompleto, parcialmente equivocado, ou totalmente equivocado. Tudo é válido para alcançar o “ibope”, e cada vez mais multiplicam-se os programas policiais – na sua esmagadora maioria sensacionalistas – que lucram com as desgraças alheias: desde a dor das famílias vítimas de crimes até a satisfatividade imediata da prisão dos acusados. 

Neste sentido, Dominguez aduz:

Hoje em dia, a mídia aponta que o vilão é o criminoso, enquanto a lei é a espada que deve ser utilizada pelo Juiz Penal para combatê-lo. Neste diapasão, os jornais, as rádios, os programas de televisão, a internet, etc., não contentes em noticiar os eventos delituosos, apontam os acusados de forma estigmatizada, visando abocar a atenção dos telespectadores em busca de maiores índices de audiência. (2009, p. 2)

Claro que para tutelar as aberrações ou excessos que são cometidos pela mídia, desde que acarretem prejuízos aos indivíduos, existe a indenização por dano moral, mas o efetivo dano pode ser muito maior do que algo que possa ser reparado financeiramente. Uma informação equivocada, imprecisa ou incompleta pode destruir a vida de um indivíduo ou no mínimo trazer prejuízos incalculáveis e irreparáveis por valores de qualquer monta. Como exemplo poderíamos imaginar uma noticia veiculada por um meio de comunicação em massa de um indivíduo que foi acusado do cometimento de um crime de estupro e que em seu julgamento concluiu-se que aquele indivíduo não seria o autor daquela barbárie. Pergunta interessante é como reparar a honra daquele indivíduo perante a sociedade? Mesmo que a imprensa noticiasse amplamente que aquele indivíduo foi inocentado do cometimento ou das circunstancias daquele crime, o prejuízo já resta manifesto. Isto na melhor das hipóteses, visto que o mais comum é circular a informação da prisão com requintes de circo e não de informar o resultado do processo criminal.  
       No processo de ressocialização não é diferente. Quantas vezes, mesmo anos após a condenação, quando ligamos a televisão ou lemos alguma nota num portal de noticias na internet, encontramos alguma referência, notícia ultrapassada ou documentários acerca do caso Nardoni, do caso Suzane Von Richthofen, ou do goleiro Bruno? Recentemente Suzane Von Richthofen solicitou a progressão de regime, e após algumas tentativas conseguiu o benefício pleiteado, mas a cada negativa a imprensa noticiava, e por fim veio à concessão, porém com todos os holofotes da mídia nacional voltados para ela. Suzane não se adaptou ao regime semiaberto e pediu para retornar ao regime fechado. Muito provavelmente um dos maiores motivadores para a regressão de regime (voluntária) pode ter sido à segregação sofrida devido ao rótulo de criminosa, relembrado constantemente pela imprensa. Como conseguir a ressocialização quando não se permite superar o acontecido? Claro que o crime por ela cometido incorporou-se à triste história criminal do Brasil pela ampla divulgação da imprensa de todos os detalhes do crime. Mas, a pena do crime neste contexto não estaria sendo perpetuada? Uma notícia, mesmo verídica, deve ser eternizada?
            Exemplificamos o caso Suzane como, talvez, o mais difícil de conseguirmos efetivar o direito ao esquecimento por toda “propaganda”, toda a espetacularização acerca do crime. Mas, o reconhecimento do direito ao esquecimento parece ser mais palpável à criminosos comuns, que não tiveram enfoques midiáticos como João que matou Pedro, Paulo que roubou Thiago, José que agrediu Maria, e tantos outros. 
             Situação mais complexa ocorre quando do exaurimento da pena pelo seu total cumprimento, por exemplo: Um ex-presidiário cumprindo totalmente a sua pena, como no caso Lebach, e mesmo assim um documentário busca “ressuscitar” os personagens e imergi-los num contexto fora da época do crime (na atualidade), trazendo todo o temor para aquela comunidade de que o indivíduo ainda é um criminoso voraz merecedor da não-aceitação por parte da sociedade. 
            O papel da imprensa deve ser informar com responsabilidade. Mais produtivo seria incitar a sociedade para juntas buscarem uma solução para a crise do sistema carcerário brasileiro – que é o problema em si, ou seja, o gênero – do que criticar a saída de um indivíduo para o retorno a coletividade na tentativa da almejada ressocialização – que é espécie do grande problema crise do sistema carcerário. A imprensa tem um papel fundamental na sociedade: é influente, é informativa, mas não deve ser tendenciosa. Sobre o papel da imprensa, Dominguez comenta que: 

A influência da mídia pode ocorrer de diversas formas. Portanto, se os jornalistas estão apenas proporcionando a informação sobre a ocorrência do crime, estes não estão cometendo falta alguma, pelo contrário estão cumprindo as suas funções sociais. O que devem ser contido são aqueles juízos de valor que produzem e divulgam, podendo influenciar a sociedade e o próprio juiz. (2009, p. 4)

  Outro problema, que acreditamos ser modernamente a “pedra no sapato” para a efetivação do direito ao esquecimento é a fantástica ferramenta da internet. Hoje qualquer coisa pode ser encontrada com alguns clicks, desde livros, notícias, vídeos e aplicativos, até informações não mais desejadas por alguém como um fato que uma pessoa não se orgulha de tê-lo cometido. 
          Uma vez publicada a informação – arquivo, foto, ou vídeo, por exemplo – esta Informação pode ficar armazenada em servidores perenemente. A depender da temática do conteúdo, o que foi postado se espalha “na rede” como um câncer agressivo e a uma velocidade absurda, tornando-se extremamente dificultoso e praticamente impossível excluir a informação da rede mundial de computadores. 
            Dados de um criminoso e do crime que cometeu, uma vez divulgados tendem a se alastrar em minutos pelos portais de notícias, no facebook, e nos aplicativos de conversação instantânea dos smartphones como o whatsapp, por exemplo. 
            Hoje com tanta tecnologia seria possível uma forma de retirar o conteúdo postado na internet impedindo a veiculação na rede? Com tanta tecnologia porque não foi pensado um modo de excluir definitivamente da rede mundial de computadores aquela informação mentirosa, ou até mesmo a verdadeira, mas que não encontra mais razão de existir?
           Recentemente a gigante google teve em seu desfavor decisão da Corte do Tribunal de Justiça da União Europeia para que quando algum usuário consultar determinada temática no seu navegador (google) a partir da Europa, não consiga encontrar o link que direciona a determinada notícia da qual foi solicitada a retirada pelo interessado titular da informação.  Esta decisão abre as portas para a aplicação do direito ao esquecimento na internet e que com os avanços tecnológicos também se descubram, ou que coloquem em prática, as ferramentas necessárias para que se possa cumprir uma determinação judicial ou até mesmo extrajudicial de retirada de uma informação indesejada da internet. 
            A liberdade de expressão e informação conquistada e orgulhosamente comemorada é fruto de muita luta, de muito sangue derramado, para que hoje um jornalistas ou quaisquer pessoas possam esboçar suas opiniões sem sofrer com a censura prévia ou reprimenda. Mas, como já abordado anteriormente neste estudo, a liberdade de expressão e direito de informação, assim como todos os direitos humanos fundamentais, não são absolutos e encontram limitação na dignidade da pessoa humana, e em alguns casos – na análise do caso concreto pelo princípio da ponderação – darão lugar ao reconhecimento do direito ao esquecimento para preservar a honra, a imagem, a privacidade e a intimidade de ex-presidiários ou de qualquer pessoa que legitimamente se socorra do direito de ser deixado em paz.  
 

CONCLUSÃO

O direito ao esquecimento não é um direito novo, porém, teve seu despertar, ou começou a ser observado com mais destaque atualmente, devido ao avanço tecnológico que tem o poder de manter a notícia no “ar” por tempo indeterminado, seja no meio televisivo, impresso ou digital. 
           O judiciário brasileiro começou a aplicar o direito ao esquecimento amparado nas decisões paradigmas do direito comparado ricas em suas fundamentações a exemplo do caso Mervin versus Reid, Lebach, da edição da diretiva 95/46/CE, e da decisão da Corte do Tribunal da União Europeia em desfavor do site de buscas Google.
            No Brasil, o marco inicial para o direito ao esquecimento, foi a edição do Enunciado 531 do Conselho da Justiça Federal. A primeira decisão em sede de Tribunais se deu em Minas Gerais – TJMG, que brilhantemente e tomando por base tanto o enunciado do CJF – que tem a função de nortear o julgador – quanto as sentenças estrangeiras, reconheceu o direito ao esquecimento em terras tupiniquins.   
           O Superior Tribunal de Justiça em duas oportunidades analisou a matéria e o posicionamento adotado nas recentes aplicações do direito ao esquecimento – nos casos Aida Curi e na Chacina da Candelária, embora não sejam de observância obrigatória, devem auxiliar Juízes e Tribunais no reconhecimento de tal instituto pela riqueza do teor das decisões. 
          Desta forma, o direito ao esquecimento encontra guarida no ordenamento jurídico brasileiro, pois é decorrência do direito a honra, a imagem, a intimidade, e privacidade, que são reconhecidos como direitos fundamentais e que juntos personificam e a dão “vida” ao fundamento da República Federativa do Brasil – a dignidade da pessoa humana consoante disposto no art. 1º, III da Carta Magna.
            Quanto a imprensa, esta tem o direito de informar – que é reconhecido constitucionalmente – mas encontra limitação na dignidade da pessoa humana, e quando em conflito com os direitos da personalidade deve-se observar pelo critério da ponderação qual direito deve prevalecer no caso concreto, sem que um direito exclua o outro, mas sim convivendo concomitantemente no ordenamento jurídico brasileiro, o que é possível pelo princípio da harmonia entre os direitos fundamentais. 
           A eternização da informação acerca do cometimento do crime e estigmatização do criminoso prejudica o processo de ressocialização – que já é extremamente dificultoso – e têm características de pena perpétua, que é vedada pela Constituição Federal consoante o art. 5º, XLVII, assim como as penas de trabalhos forçados, banimento, cruéis e de morte (presentes no mesmo dispositivo), por violarem o princípio/fundamento da dignidade da pessoa humana. 
       De fato, o direito ao esquecimento por buscar preservar a honra, imagem, intimidade e privacidade, tem todas as ferramentas capazes de facilitar o processo de ressocialização, proporcionando, por exemplo: o restabelecimento dos laços familiares e comunitários que foram interrompidos pelo encarceramento; a facilitação da inclusão no mercado de trabalho; a promoção da dignidade do ex-presidiário – que ele se sinta livre e útil para o seu meio social e que essa liberdade e utilidade o estimule a não mais delinquir. 
           Embora não previsto expressamente na Constituição e em legislação infraconstitucional, suas premissas estão presentes no ordenamento jurídico-positivo brasileiro, por exemplo: na prescrição e decadência; na reabilitação; no sigilo das informações a respeito do processo e à condenação; na proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; dentre outros. Isto nos mostra a preocupação do legislador em evitar a eternização de um fato, pois nem a vida é eterna. 
             Os institutos da reabilitação e do sigilo das informações acerca do processo e à condenação – após a extinção da punibilidade do agente, devolvem ao agente que outrora infringiu a norma penal e que cumpriu a sua pena, a possibilidade de reconstruir a sua vida com dignidade retornando ao convívio social com a “ficha limpa”, pelo menos no mundo do dever ser. Mas para que isso possa funcionar o Estado e a sociedade tem que assumirem os seus papéis, pois diminuir a criminalidade e a reincidência é dever de todos, buscando formas de reintegrar os ex-presidiários com projetos de integração através de parceria entre o setor público e privado, para que aqueles que realmente estiverem aptos à convivência harmoniosa com a coletividade tenham oportunidades.
            Para que tudo isso que foi dito nessas linhas seja possível, ou seja, dar efetividade ao direito ao esquecimento, a imprensa – que para alguns é considera como o Quarto Poder – tem um papel si ne qua non. “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Esta frase expressa bem o papel da imprensa. 
            Não cabe a mídia dar um caráter imortal a notícia. As dificuldades em esquecer um crime e o criminoso modernamente encontram óbice principalmente devido a internet e aos jornais sensacionalistas que se aproveitam da informação que já não tem um caráter atual para diretamente prejudicarem o processo de ressocialização. Embora talvez não seja o objetivo principal prejudicar o processo de ressocialização, a imprensa contribui de forma ativa, por isso não se pode dizer que é indiretamente. O diretamente, aqui exposto, refere-se não ao animus da mídia, mas sim aos efeitos que a notícia causam e que trazem consequências gravíssimas e que desmontam todo o sistema pensado pelo direito penal para ressocializar o reeducando.  Para punir o culpado por um crime é que existe o lapso de tempo que o reeducando fica encarcerado e está punição não pode ser eternizada, pois o que é incompatível com a dignidade da pessoa humana não é concebido num Estado Democrático de Direito. 
            Nas palavras de Machado de Assis: “Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito”. (1994, p. 126).

 

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Sobre o autor
Ezequias Martins da Silva

Funcionário público.

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