O Ato Adicional de 1834 e o início do federalismo brasileiro

02/11/2018 às 20:18
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A Constituição de 1824 fixou a forma de estado unitária. Em 1834, o texto constitucional sofreria a sua primeira e única reforma com o Ato Adicional, que conferiu maior grau de autonomia às provícias.

  1. A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NO PERÍODO COLONIAL  

Durante o período colonial, o Brasil foi inicialmente organizado como uma colônia unitária e ligada diretamente a Portugal. Em 1534, uma decisão do então rei D. João III, dividindo os seus domínios brasileiros em faixas territoriais, e transferindo, nestas áreas, a posse do território e a administração pública para particulares, chamados de donatários, lançaria as raízes do nosso modelo de organização política. 

O Brasil passou a ser dividido em capitanias hereditárias, no número total de 15, das quais apenas 12 possuíam donatários. A comunicação era feita quase que exclusivamente com Portugal. Cada capitania possuía a sua administração local, mas, entre elas, não havia coesão, vínculos ou relação de dependência. O modelo de capitanias dotadas de certa autonomia local e ligadas apenas à metrópole estava alinhado ao federalismo. Caminhávamos, portanto, naturalmente na direção da federação. 

No entanto, apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco prosperaram economicamente e, em 1549, a coroa portuguesa resolveu instituir um governo geral no Brasil, sendo nomeado para o cargo Tomé de Souza. Com o Marquês de Pombal, o sistema de capitanias seria definitivamente extinto, mas a maioria delas continuou a existir como unidades administrativas, as quais, em 1821, seriam convertidas em províncias e, após a proclamação da república, seriam transformadas nos atuais estados brasileiros. 

2. A OPÇÃO PELO ESTADO UNITÁRIO

Com a proclamação da independência, sobreveio, em 1824, a nossa primeira Constituição. Chama a atenção, nesta Carta, a opção pela monarquia. Na prática, estávamos transplantando, para a América do Sul, todo um sistema político desenvolvido, desde a Idade Média, na longínqua Portugal e em outros estados europeus.  

Outra previsão constitucional controversa residia na adoção da forma de estado unitário, seguindo o modelo existente entre os portugueses. A nossa expressiva extensão territorial e as dificuldades de comunicação interna tornavam o federalismo o modelo ideal a ser escolhido. Ressaltamos que o território brasileiro representa mais de noventa vezes as dimensões do estado português. 

Não havia lógica em convertermos todas as unidades administrativas do país em meras províncias que orbitavam em torno da corte situada no Rio de Janeiro, que, em muitos casos, estava situada a milhares de quilômetros de distância. As dificuldades de comunicação próprias da época demandavam que houvesse considerável grau de autonomia. Os interesses das províncias e dos municípios não podiam ficar limitados a decisões emanadas de um distante governo central. Acrescente-se ainda que somos dotados de características sociais, econômicas e geográficas muito diferentes ao longo do país. Ou seja, o cenário aqui existente contrasta por completo com o do estado unitário português.        

A explicação para a forte centralização adotada está na postura despótica de D. Pedro I, desejoso de ser um regente com plenos poderes em suas mãos, o que implicava  a rejeição a modelos distributivos de competências para grupos políticos locais. O Imperador outorgou uma Constituição cuja forma de estado adotada atendia ao seu interesse pessoal e não aos anseios nacionais. Em conseqüência, nas províncias (que se transformariam, com a Constituição de 1891, nos Estados da federação), o chefe do poder executivo era escolhido de forma livre pelo Imperador, que, da mesma forma, poderia destituí-lo a qualquer tempo. Não existia também um poder legislativo, pois, nos termos do artigo 71 da Carta Imperial, apenas haveria um Conselho Geral que, na prática, não passava de um órgão consultivo. Os municípios eram dotados somente de Câmara Municipal que exercia funções meramente administrativas.  

3. O AVANÇO EM DIREÇÃO AO ESTADO FEDERAL 

Com a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, e sua partida para a Europa, desaparecia o principal sustentáculo do estado unitário. O sucessor ao trono do  Brasil era uma criança de apenas cinco anos de idade. Como era menor, ele ainda não poderia assumir o governo ou mesmo se opor a uma mudança na forma de estado. Diante deste cenário, reacendeu o ímpeto por uma descentralização política, com a transferência de poderes para os grupos políticos locais. Mas qualquer alteração na forma de Estado implicaria a reforma da Constituição de 1824. 

Para concretizar a mudança constitucional, foi aprovada a Lei de 12 de outubro de 1832 que conferia aos deputados eleitos para a próxima Assembleia, poderes especiais de reformar determinadas disposições da Carta de 1824, nos seguintes termos:

Art. Os eleitores dos Deputados para a seguinte legislatura lhes concederão nas procurações especial faculdade para reformarem os artigos da Constituição que se seguem;  

Em 1833, ocorreram eleições para a Assembleia e os novos políticos, nos termos da lei de 12 de outubro, estavam investidos de poderes para alterarem o texto constitucional. As propostas iniciais tentavam implantar uma ampla reforma na Constituição de 1824, fixando uma monarquia federativa, com a limitação dos poderes imperiais e a extinção do Poder Moderador. Havia, inclusive, proposições para avançarmos em direção ao modelo adotado pelos Estados Unidos. Foi formada uma comissão composta pelos deputados Costa Carvalho, Paula Sousa e Miranda que elaborou parecer propondo a revisão de extenso rol de artigos.  

Mas, para os conservadores, uma mudança constitucional de tamanha amplitude poderia colocar em risco a continuidade da existência de um grande Brasil unido. O parecer acabou rejeitado e substituído por indicações singulares de deputados, que foram discutidas individualmente. 

No final, a tão propugnada descentralização se limitou a transformar os inoperantes Conselhos Gerais das Províncias em Assembleias Legislativas Provinciais, dotadas de certos poderes, incluindo a possibilidade de produzir leis locais sobre: divisão civil, judiciária e eclesiástica local e sobre a mudança da Capital; sobre instrução pública, e respectivos estabelecimentos, salvo sobre academias de medicina, direito e outras então existentes e as que foram criadas por lei geral; sobre a desapropriação por utilidade pública municipal, precedendo propostas das câmaras; sobre a fixação das despesas municipais e provinciais e os impostos para elas necessários, contanto que não prejudicassem as imposições gerais do Estado, e podendo as câmaras propor os meios de ocorrer as despesas dos seus municípios; sobre a repartição da contribuição direta pelos municípios e sobre a fiscalização das rendas provinciais e municipais e contas da receita e da despesa, sendo as provinciais fixadas mediante proposta do presidente e as municipais mediante proposta das respectivas câmaras; sobre a criação e supressão dos empregos municipais e provinciais e estabelecimento dos seus ordenados, sendo empregos municipais e provinciais todos os que, existissem nos municípios e províncias, à exceção dos que diziam respeito à administração, arrecadação e contabilidade da fazenda nacional, à administração da guerra, da marinha e dos correios gerais, dos cargos de presidente de província, bispo, comandante superior da guarda nacional, membro das relações e tribunais superiores e empregados das faculdades de medicina, cursos jurídicos e academias; sobre obras públicas, estradas e navegação no interior da província, que não pertencessem à administração geral; sobre penitenciárias, casas de prisão e respectivos regimentos; sobre casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas; sobre os casos e forma de nomeação, suspensão e demissão, pelos presidentes, dos empregados provinciais. Com as mudanças introduzidas, o Brasil passou a ser um estado semifederal.

Os Presidentes das províncias continuaram a ser livremente indicadas pelo Imperador. Para muitos, este foi um dos grandes erros do Ato Adicional, pois possibilitava ampla interferência do governo central nos negócios locais. Criou-se assim uma assembleia legislativa provincial atuando ao lado de um governo não eletivo. Outra falha residiu na ausência de fixação das fontes de receita privativas das províncias e municípios e capazes de assegurar a independência financeira.  

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Em 1834, foi realizada uma reforma constitucional que abrangeu outros assuntos além da proposta federalista. As províncias poderiam criar uma segunda câmara legislativa (senado), mas, para tanto, teriam que obter autorização da Assembleia Geral. O Conselho de Estado, que assessorava o Imperador, foi extinto. A regência trina passou a ser uma. Uma das previsões mais polêmicas residiu na transferência do governo central para as províncias e para os municípios, da competência para a prestação do ensino primário. Segundo esta regra, os entes provinciais e municipais, apesar de dotados de menores recursos orçamentários, teriam de arcar com os custos da prestação de um dos serviços fundamentais para o progresso do país. A insuficiência financeira refletiria na deficiência da educação pública oferecida à sociedade. 

Todas estas mudanças foram inseridas nos 32 artigos da Lei n. 16 de 12 de agosto de 1834, que passou a ser conhecida como o Ato Adicional. A ementa da referida lei fixava a alteração ao texto constitucional, nos seguintes termos : 

“Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da Lei de 12 de Outubro de 1832.”  

4. A LEI DE INTERPRETAÇÃO DO ATO ADICIONAL 

No entanto, logo surgiram forças contrárias às mudanças na forma de Estado, promovidas pelo Ato Adicional, temerosas de que o federalismo resultasse na desintegração da nossa unidade territorial. A sucessão de movimentos armados locais de emancipação, ocorridos durante o período  regencial, como a balaiada (1838-1841), a sabinada (1837-1838), a cabanagem (1835-1840), dentre outros, evidenciavam que ainda havia riscos de fragmentação política, como ocorrido na América espanhola. Os conservadores começaram a agir para restaurarem o antigo modelo unitarista. Uma das soluções possíveis era a revogação do ato adicional. Mas, para evitar conflitos e desgastes políticos, optou-se pela elaboração de outra lei que fixasse a real extensão das previsões do Ato Adicional. 

Em 25 de maio de 1840, entrou em vigor a Lei nº 105, que interpretava a reforma constitucional promovida pelo Ato Adicional e trazia a seguinte ementa:

“Interpreta alguns artigos da Reforma Constitucional.”

Em seu primeiro artigo, fixou-se que a competência das assembleias provinciais se resumia à economia municipal e à polícia, não incluindo a polícia judiciária. A lei também previu que o poder dos presidentes de província para nomear, suspender e demitir os empregados provinciais estava limitado àqueles cuja função era legislar, não incluindo os criados por leis relativas a objetos da competência do Poder Legislativo geral. Consequentemente, não era possível decretar a suspensão ou demissão de magistrados das relações e de tribunais superiores. A lei de interpretação vigorou durante todo o segundo reinado, resultando em significativa redução da autonomia provincial. 

5. O FEDERALISMO NO REINADO DE D. PEDRO II

Em 1840, houve a coroação de D. Pedro II, aos 14 anos de idade, como o segundo Imperador do Brasil. Iniciava-se um longo reinado de quase meio século. O novo monarca não se interessou pela ampliação da autonomia das províncias e dos municípios. Durante toda a vigência de Constituição de 1824, a única alteração no seu texto ocorreu com o Ato Adicional. Após 1834, todas as demais tentativas de mudança nas regras constitucionais fracassaram. Restou, assim, sepultado o avanço do modelo de descentralização federativa, que apenas se concretizaria, muito tempo depois, com a Constituição de 1891.  

Sobre o autor
Antonio José Teixeira Leite

Advogado em Brasília (DF). Especialista em Direito Público pelo IDP, MBA em Direito e Política Tributária pela FGV, Especialista em Políticas Públicas, pela Escola Nacional de Administração Pública e Pós graduado em Direito Societário pela FGV-Law. Professor em cursos de graduação, pós-graduação e extensão universitária.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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