O tribunal penal internacional e o caso Eichmann

07/11/2018 às 07:58
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Análise sobre o caso Eichmann, o qual tivera grande repercussão no Tribunal Internacional Penal.

INTRODUÇÃO

Vivemos em uma sociedade internacional que envolve o nosso Estado e os demais, aos quais, por meio de tratados, estabelecem as normas gerais que atendam a interesses convergentes e exposição de princípios homogêneos entre estes. Diante disto, é exposta a necessidade constante de se estabelecer o Direito para regular estas relações sociais e Estatais que envolvem os homens e suas relações de poder.

O direito sendo um sistema de regras e normas jurídicas que propõe possibilidades de agir, determinando comportamentos éticos inerentes ao contexto histórico-cultural de onde se faz inserido, vem assim por ser um dos meios potenciais de garantia de harmonia social. De igual modo, o direito a nível internacional se estabelece para propiciar uma paz entre os Estados, prevenindo possíveis ameaças e facilitando as relações entre estes.

No que tange ao direito internacional, especificamente o público, corrobora o dizer do doutrinador PEREIRA, que expressa:

O Direito Internacional Público é um ramo autônomo do Direito que disciplina as relações entre os Estados, as organizações internacionais dotadas de personalidade jurídica e subsidiariamente os direitos do homem, exercidos por intermédio do Estado, ou, em algumas ocasiões, diretamente oponíveis. (2006, p.15)

Partindo desta ideia infere-se destacar que as relações internacionais são legais e legítimas, de modo que se efetivam enquanto direito a nível externo, fato este que vem acrescer ao direito interno na medida em que se fazem ratificados e garantem novos direitos aos cidadãos do Estado signatário, bem como reforça alguns direitos já estabelecidos em âmbito interno.

Tendo esta panorâmica infere expor que embora este direito internacional provoque resultado a nível internacional, quando respeitado pelo Estado signatário; no nível interno, precisa ser tutelado, de modo a garantir uma efetivação plena destes direitos a seus cidadãos.

Com isso, percebe-se que em se tratando de direito, sobretudo o internacional, muitos cidadãos e até mesmo técnicos de ciências jurídicas são leigos quanto aos reais potenciais dos direitos, que corroboram enquanto mais um recurso legal. Fato este que quando ignorado ou menosprezado provoca muitas vezes o desrespeito da condição humana enquanto cidadão de direitos, desprezando assim possíveis defesas dos mesmos.

Há de se perceber que não se concebe estas relações internacionais como sempre de maneira pacífica ou justa, se assim o fosse não se existiria tratados em tempo de guerra - que perdura apenas no momento histórico da guerra.

Além desta dificuldade que se estabelece no panorama da sociedade internacional adentra-se dizer que os tratados partem do pressuposto da legalidade, embora sendo passíveis a serem descumpridos sem qualquer ameaça de expressa punição. Assim, enquanto no âmbito interno o direito penal vem por punir o desrespeito às normas jurídicas de relevância social, no direito internacional presume-se a boa fé dos Estados em cumprir o que se faz acordado por meio do tratado ratificado.

Em caso de descumprimento de um tratado internacional o único risco que se tem ao Estado descumpridor é a retenção das relações de caráter econômico com outros Estados, que de modo indireto vem por ameaçar a sua economia interna – fato este que pode ser desprezado a depender do poder aquisitivo do país.

Assim, como expõe HANS KELSEN:

se alguém comete um crime, deve-lhe ser aplicada uma pena (1998, p. 55)

De igual modo, se alguém quebra a norma jurídica estabelecida em um tratado internacional dever-se-ia ser penalizado de forma direta e não passiva, nem de forma indireta e sem efetividade como se estabelece.

Portanto, incumbe-se aqui à necessidade de polemizar sobre a legalidade dos atos jurídicos internacionais e o poder de julgar um crime pelos Estados sem, entretanto, influir diretamente sobre a posição da Corte Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional.

DEFINIÇÕES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU RESERVA LEGAL

A legalidade corresponde ao princípio que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa senão em virtude da lei. Revelando que se estabelece legal por ser uma expressão dialética de síntese dos sentimentos coletivos, contrapostos a posições antagônicas e pluralistas da sociedade a qual se determina.

Com efeito, subentende-se neste princípio que aquilo que não for proibido em lei se é permitido fazer, assim, no caso dos tratados internacionais igualmente se deverá entender que aquilo que não for acordado não se pode ser exigido fazer, ao mesmo tempo em que aquilo que está firmado em um tratado incide em seu cumprimento legal por cada Estado signatário.

Deste modo, acresce informar, como expressou DAMÁSIO DE JESUS que:

 o Estado não pode castigar um comportamento que não esteja descrito em suas leis, nem punir o cidadão quando inexistente a sanctio júris cominada ao delito (1985, p. 51)

Do mesmo modo, não se deveria deixar passar os atos que vão contra as leis internacionais estabelecidas em tratados, sobretudo observando na legalidade de sua ação a necessidade de ponderação de seus limites interventivos para que sua retribuição não passe do descrito na punição legal e do respeito a princípios que envolvem as regras de internacionais.

Referente ao aspecto criminal influi dizer que o princípio da legalidade se firma sobre a compreensão de que é a lei que cunha crimes e penas referentes a comportamentos, ao qual tipifica em determinado código que incida no que se faz relevante socialmente. Assim, todos os comportamentos humanos estão sujeitos a este princípio, porém somente alguns a reserva legal (aspecto puramente referente à lei formal).

Nesta direção convém evidenciar que os crimes na sociedade internacional se firmam na proporcionalidade ou equivalência de leis vigentes entre os dois Estados envolvidos, bem como em tratados específicos sobre o referido crime em questão, ao quais muitas vezes os próprios Estados se fazem signatários.

Tomando por base este contexto, convém apresentar assim que, como expressou DAMÁSIO DE JESUS: 

o Direito Internacional Público é um direito internacional, enquanto o Direito Penal Internacional é um direito interior (1985, p. 105)

Pois em questão de crime se vislumbra a proporcionalidade do mesmo em ambos os Estados para assim estabelecer à pena, conforme princípio da taxatividade.

Ou seja, tendo por foco o direito penal interno estabelece-se o amoldar do crime ao tipo e a partir daí estabelece os critérios quanto às regras das relações internacionais que mediaram à intervenção punitiva de um Estado para com outro.

Isto mediante critérios firmados anteriormente em tratados internacionais que regulam competências para julgar e indicam princípios gerais de conduta para julgamento de crimes que envolvem dois ou mais Estados, considerando as divergências e convergências em cada um destes para assim traçar uma diretriz de ação jurídica coerente e legal de fato.

Denota-se neste ínterim a legalidade do julgamento na compreensão justa das leis dos Estados que pertencem ao contexto do crime, seja como o Estado enquanto local do fato-crime ou o qual tem por pertencente o cidadão infrator da lei criminal de outro Estado. Bem como, expressa o princípio da legalidade e a competência para julgar estabelecida na esfera da sociedade internacional.

Corrobora expor que a relação entre o princípio da legalidade e a perspectiva de crime se evidencia, então, no fato de que um crime só pode ser assim o considerado se expresso em uma lei que a defina como tal, como bem expressou TOLEDO: 

Para que uma conduta humana seja considerada crime, é necessário que dela se possa, inicialmente, afirmar a tipicidade, isto é, que tal conduta se ajuste a um tipo legal de crime (1994, p.125)

Para que se firme a legalidade tenha que ser decorrente de um fato típico, ilícito e culpável - que se faz em lei expressa, considerando que não há razões excludenciais que impeça ao sujeito ou ao Estado de assumir o caráter de imputabilidade.

CRIMES INTERNACIONAIS: EXPULSÃO E EXTRADIÇÃO

O crime é o amoldar da situação conduta enquanto ação ou omissão no enquadramento a uma questão que tem desrespeito a um aspecto legal, se emoldurando na lei enquanto observa o princípio da legalidade.

No caso da sociedade internacional o crime se estabelece na direção do direito penal internacional ao qual o direito penal internacional estabelece regras de determinação da lei aplicável em caso de a conduta punível lesar o ordenamento jurídico de mais de um Estado, conforme relatou DAMÁSIO DE JESUS (1995, p. 105).

Neste contexto, há de se entender que na perspectiva de territorialidade que o local do crime estabelece o poder de aplicar a lei penal interna ao próprio Estado onde ocorrera o fato-crime, independente do ator do delito ser estrangeiro, presumindo neste caso o primado do direito local de intervenção.

Em caso de cometimento de crime em um Estado em que no seu Estado origem não se faz como tal, não se poderá ser punido enquanto pena na territorialidade, podendo no máximo incidir numa expulsão do estrangeiro.

Mas em caso de crimes equivalentes, em Estados envolvidos no contexto, o que se pode ter é: cumprimento de pena e expulsão ou extradição. Sendo que o primeiro será feito por um julgamento interno ao Estado aceito para sediar internacionalmente o mesmo, geralmente o que obedece ao princípio de territorialidade, enquanto o segundo ocorrerá quando o crime ocorrer em outro Estado que não onde o ator do delito está.

Deve-se acrescentar o princípio de nacionalidade que assiste a todo cidadão de um Estado e lhe garante aplicabilidade da pena conforme lei penal de seu Estado, situação que não se pode ser posta como obrigatoriedade, mas como concessão, na sociedade internacional.

Contudo, o que se explicita é que a possibilidade de intervenção de cada Estado em âmbito externo se dá em prol de sua defesa e conservação, bem como na proteção dos direitos humanos e na proteção de tudo que pertence a seu Estado, sobretudo quanto aos seus nacionais. Isto devendo se firmar quando se tratar de crime, sobre princípios como: nacionalidade, territorialidade, defesa[2] e universalidade; conforme corrobora maior investigação em TOLEDO (1994).

Expõe-se a compreensão que o crime internacional obedece aos princípios acima aludidos, de modo a estabelecer o seu limite punível em apoio ao que se faz legalmente instituído no Estado alheio.

É evidente que nestas situações concebidas como crimes comuns de nível internacional, se conduzem os Estados ao poder e competência de julgar, mediante o acordar jurídico de aspectos pertinentes a este julgamento de modo a demonstrar a igualdade dos Estados soberanos envolvidos na questão.

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No entanto, em aspectos de julgar crimes internacionais complexos, parte-se do perceber que pertence ao atual Tribunal Penal Internacional a competência para julgar crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto, conforme se ratifica no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Roma, 17 de julho de 1998).

Referente ao Tribunal Penal Internacional ou como também conhecida como Corte Penal Internacional (CPI), apresenta-se que é um mecanismo atual de promoção do Direito Internacional ao qual tem por foco julgar os indivíduos sobre assuntos de mais graves aferições a um Estado.

Como doutrinariamente ensina PEREIRA:

E assim foi feito com a celebração do Estatuto de Roma de 1998, para a criação de um Tribunal Penal Internacional, capaz de julgar quatro grandes grupos internacionais: crimes contra a humanidade, crimes de guerra, crimes de genocídio e crimes de agressão. (2006, p.146)

Portanto, todo e qualquer crime internacional pode variar a depender dos Estados envolvidos, já que se tem por expresso que a parte penal internacional parte do direito penal interno, para após análise e julgamento pelo competente se estabelecer à proporcionalidade dos crimes, levando à fixação da pena-base e/ou a expulsão do estrangeiro.

Quando se faz determinado uma pena atribuída ao crime, deve-se a princípio cumprir a mesma, para depois se expedir o mandato de expulsão, a qual se faz como competência do Ministro da Justiça expedir, mediante confirmação da decisão por meio de um decreto sancionado pelo Presidente da República.

Acrescenta-se o fato de que o ônus deste processo será arcado pelo próprio Estado nacional. Fato este que implica e obriga indiretamente em caso de retorno do mesmo estrangeiro que se tenha concluído a expulsão outorgada outrora e se sancione nova lei que revogue os efeitos da mesma para lhe possibilitar o retorno.

A extradição, entretanto, vem ser a entrega de um estrangeiro ou naturalizado que cometeu crime antes do processo de naturalização a outro Estado, por motivo deste ter cometido crime no outro território, isto mediante solicitação expressa do Estado que requer o ator do delito e pronunciamento da Justiça nacional (Supremo Tribunal Federal) favorável a esta extradição. Que desembocara no firmar de um tratado ou se assim não o fora entenderá uma promessa de reciprocidade - quando ocorrer situação que envolva o Estado desta concessão esperar-se-á a mesma atitude deste quando os interesses forem deste território nacional.

Contudo, tendo por base a doutrina de PEREIRA (2006), atente-se que este contexto se finda em um compromisso de extradição do Estado solicitante para com o colaborador direto deste processo, em que se estabelecem condições para que seja levado e punido o réu mediante seus critérios acordados. Tenha se em vista neste complexo que o custo com este deslocamento se dará por conta do requerente, observada a legalidade de sua solicitação, que deve firmar-se na existência de um processo penal judicial (findo ou em curso).

Após a ciência da decisão do STF, o Estado solicitante deverá no prazo máximo de 60 dias para o extraditar, pois em caso contrário, expirado o prazo este será posto em liberdade e não mais poderá solicitar a extradição deste pela mesma razão-crime que antes exporá na petição.

JULGAMENTO DE EICHMANN

Adolfo Eichmann foi um dos grandes personagens do nazismo, ao qual efetuou alguns dos mais frios planos de Hitler decorrente da sua incorporação a esta ideologia e em resultado expôs seus anseios e ações mediante pressão.

Seu auge ocorreu no período do Reich – período do regime totalitário nazista que correspondeu de 1933 a 1945 - onde enquanto tenente-coronel da SS fez-se submetido a Heinrich Himmler (chefe da Gestapo), realizando as ordens deste através de determinações de sua competência, sobretudo, no que tange a deportar judeus, conduzindo grande percentual deste grupo, bem como de alguns ciganos, ao extermínio nas câmaras de gás.

Contudo, os atos deste personagem corresponderam à incorporação de uma ideologia que pregava o genocídio, daí se aperceber que todos seus atos não provinham de uma intenção e preparação para o crime, não seguia um processo coerente com a lógica do Iter criminis.

Redundava, então, numa ação meramente profissional, coerente com a observação da legalidade das ordens emanadas por Himmler para cumprimento dos seus atos. Afinal, se fosse de encontro ao exigido por Hitler, tal como por Himmler, representante direto deste, grave sansão se teria.

Como corrobora a expressão de HANNAH ARENDT:

[...] aquelas acusações não consistiam em crime, mas “atos de Estado”, sobre os quais nenhum outro Estado tinha jurisdição (par in parem imperium non habet), de que era seu dever obedecer e de que, nas palavras de Servantius, cometera atos pelos quais “somos condecorados se vencemos e condenados a prisão se perdemos” (1999: p.32-33)

Eichmann, como se subentende nas palavras de Servantius, não diferente dos demais se submetia a um processo de ameaça que no direito penal compreenderia a coação moral irresistível, com base nos doutrinadores DAMÁSIO (2005) e BITENCOURT (2003),

O cumprimento de seu dever legal e obediência hierárquica, tal como a coação moral irresistível ao qual era submetido, assim, compreende a requisitos que deveria anular a culpabilidade de Eichmann no genocídio ao qual fora acusado.

Assim independente de se considerar a ordem de Himmler ilegal ou legal nas duas hipóteses se teria a nulidade de sua culpabilidade, pois em caso de ordem ilegal mais coação moral irresistível também se teria a inimputabilidade de seu ato, como bem expressou Mirabete, conforme se faz citada em YAROCHEWSKY:

Não sendo a ordem manifestamente ilegal, se o agente não tem condições de se opor a ela em decorrência das consequências que podem advir no sistema de hierarquia e disciplina a que está submetido inexistirá a culpabilidade pela coação moral irresistível, estando à ameaça implícita na ordem ilegal. Em vez de erro de proibição, há inexigibilidade de conduta diversa. (2000, p.81)

Além disso, o próprio julgamento incorreu numa série de ilegalidade, que deveria vir a ser anulada a sua decisão, como fora o caso da negação ao direito de nacionalidade que assistia a Eichmann para que não fosse morto, já que em seu Estado de origem não se existe pena de morte como empregada.

Igualmente, não existe no Estado ao qual foi removido para advir a este julgamento também não se concebia a pena de morte. Além de que esta pena de morte advinha de uma abertura legal exclusiva ao seu caso no Estado de Israel - seria a primeira a ser concretamente realizada.

Deste modo, este julgamento, demonstrou assim, a banalidade do mal descrita por Hannah Arendt, bem como, a contundente demonstração do papel de vingança explicito neste teatro. Assim, seguiu-se o princípio de proporcionalidade incentivado por Beccaria (2001), onde as penas têm que ser proporcional aos agravos aferidos.

Comprova-se de tal modo, a condição moderna do homem em Hannah Arendt muito bem expôs em sua obra - Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal; pois a deteriorização dos valores que nos tornam homens estão recaindo a um segundo ou terceiro plano, ratificando a banalidade do mal que se encontra neste cenário do século XX e se estende no iniciar do século XXI.

A doutrinadora Hannah Arendt muito contribuiu para análise deste julgamento realizado na Corte Distrital de Jerusalém, pois ela desvelou o requinte da crueldade do Estado, enquanto mero instrumento de vingança sobre a pessoa de Eichmann, ao qual embaixo de muita camuflagem boicotou o direito à livre defesa do acusado – ato este ilegal e doloso.

O resultado, todavia, deste julgamento foi o deferimento da acusação de que Eichmann é culpado de crimes contra a Humanidade e pertencimento a um grupo organizado com finalidade de extermínio – tipificando o crime enquanto genocídio. Fato este que o sentenciou por meio da crueldade do Estado judeu à pena de morte por meio de enforcamento, ao qual foi realizado no dia 01 de julho de 1962, na Prisão de Ramla, poucos minutos após a meia-noite.

Situação que demonstrou a incoerência de um todo do processo legal internacional que se fez neste caso de Eichmann, o que corrobora a percepção imediata da necessidade de controle do poder de punir por parte dos Estados, bem como uma atenção mais coerente com a dignidade humana quando se envolver o Estado competente para julgar, para que os atos não sejam de fato mera vingança.

Será que também foi por este exemplo que se tomou consciência e estabeleceu o Tribunal Penal Internacional? Cabe refletir sobre esta possibilidade.

CONCLUSÃO

Se reconhece que a lei não é por si só um meio de combate a um crime, pois para vir a ser criada precisa a priori que o dano ou ameaça ao bem jurídico venha por ser realizado. Além de que para se combater o desrespeito às normas jurídicas se deveria investir em resgate de valores que dignificam o homem, para que se protejam os direitos com amor e não por mero medo de punição incoerente e ineficaz à mudança social.

Como bem expôs BECCARIA quando se referia com sua filosofia francesa a se proclamar quanto a situações ocorridas na Itália século XVI.

Raramente se procurou destruir, em seus fundamentos, as séries de erros acumulados desde vários séculos; e muito poucas pessoas tentaram reprimir, pela força das verdades imutáveis, os abusos de um poder sem limites, e fazer cessar os exemplos bem frequentes dessa fria atrocidade que os homens poderosos encaram como um dos seus direitos. (2001, p.22)

Percebido isto, evoca-se o pensamento do doutrinador QUEIROZ (2008) que evidencia as necessidades de regulação ao arbítrio do Estado para que assim evite-se o desrespeito aos direitos próprios da pessoa humana e cidadã, que neste contexto vem por ser percebida, somente como transgressor – como se delineou no caso de Eichmann.

A partir daí se infere expressar que se faz necessário ao direito internacional, em aspectos penais, que se puna o Estado ao invés de indivíduo, como seria de sua competência já que envolve pessoas jurídicas. Fazendo frente de forma efetiva ao poder de punir megalomaníaco do Estado, ao qual nega o direito internacional sólido de defesa quando lhe faz pertinente, seja de forma camuflada ou não.

Com efeito, revela-se aí a tão relatada necessidade de criação de um mecanismo de punição aos atos ilegais realizados pelos Estados para que de forma efetiva e não meramente discursiva, se faça o controle preventivo deste poder de julgar e de realizar ações jurídicas por parte de um Estado. Como bem expôs ROXIN: “[...] a penalização de um comportamento necessita, em todo caso, de uma legitimação diferente da simples discricionariedade do legislador” (2006: p.11). 

Contudo, o Tribunal Internacional Penal é uma jurisdição permanente firmada sob o caráter de Organização Internacional que representa um avanço neste sentido, no momento em que pondera melhor a situação de julgamento em casos que geram a vontade de vingança no Estado em crimes de maior gravidade internacional; amparando assim, bem melhor, o réu perante um Tribunal de Justiça.

Mas carece-se ainda incentivar o vivenciar das palavras de BECCARIA, “Querei prevenir os crimes? Fazeis leis simples e claras; fazei-as amar; e esteja a nação inteira pronta a amar-se para defendê-las, sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las” (2001, p.191-192).

Destarte aí a importância de publicá-las para que a própria massa humana possa fiscalizar a qualidade de justiça empregada nos julgamentos e venha a legitimar ao nível interno as leis por seu Estado valorado positivamente.

Portanto, evidencia-se aqui a precisão de um aprimoramento da Corte Internacional de Justiça para o que tange a impor limites às ações de um Estado num julgamento criminal internacional. Pois feito isto se presume que se verá na sociedade internacional o evitar atrocidades à pessoa humana como acontece, respeitando assim o princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS:

ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 17ªed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução: Nélson Jahr Garcia. Edição eletrônica. Editora Ridendo Castigat Mores, 2001. [Consultado em: 08 de agosto de 2009]. Disponível em: www.jahr.org.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal: parte geral. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.

FERNANDES, David Augusto. Tribunal Penal Internacional: a concretização de um sonho. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal – Parte Geral. 28ª edição. Saraiva: São Paulo, 2005.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. 6ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

MAZZUOLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. 5.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011

PEREIRA, Bruno Yepes. Curso de Direito Internacional Público. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006.

QUEIROZ, Paulo. Funções do Direito Penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004

ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Tradução: André Luis Callegare; Nereu José Giacomolli. 6ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994.

YAROCHEWSKY, LEONARDO ISACC. Da inexigibilidade da conduta diversa. 1ª edição. Belo Horizonte: Del Rei, 2000.

Sobre a autora
Carolina de Oiveira Andrade

Advogada. Bacharel em Direito pela Faculdade do Norte Pioneiro (2016). Pós-graduanda em Humanidades. Atuação contenciosa e consultiva, correspondente jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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