Do prazo prescricional do dano pospositivo na reparação civil - Teoria da Actio Nata.

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O curso do prazo prescricional tem início tão somente com o inequívoco conhecimento da lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão de fato, a ser deduzida em juízo.

Muito se fala em responsabilidade civil, sendo certo que tal instituto é um dos líderes no ranking de ações ajuizadas no sistema jurisdicional brasileiro, em especial o chamado dano moral.

Normalmente os direitos perseguidos pelas prefaladas ações, tratam de danos emergentes ou seja, aqueles identificáveis imediatamente quando da ocorrência da ação ilícita, isto é, quando o ato ilícito e a pretensão surgem instantaneamente.

Nestes casos, excetuando-se as ações que envolvam relação de consumo, já que estas possuem prazos prescricionais próprios, aplica-se às pretensões de reparação civil, as regras previstas no artigo 206, §3, V do Código Civil Brasileiro, sendo no entanto, pelo caráter objetivo do artigo 189 do mesmo diploma legal, prazo prescritível inelutável de três anos contados do ilícito praticado.

Entretanto, o presente texto vem para tratar de uma exceção à essa regra, com foco em uma peculiaridade relevante, que é o dano pospositivo, ou seja, aquele que embora seja proveniente de uma conduta ilícita anterior, apenas produz danos ao ofendido ou estes são por ele conhecidos em momento ulterior.

Eis que, se tratando deste tipo de dano, aparenta ser mais adequado que o prazo prescricional se inicie não no momento da prática do ato ilícito propriamente dito, e sim no momento em que a lesão torna-se aparente ao ofendido, pois é neste momento que tecnicamente nasce a violação do seu direito subjetivo, e o direito à pretensão de fato.

Quer dizer, existem situações em que o indivíduo pratica a ação/omissão ilícita, todavia, não emerge instantaneamente o dano aos olhos do ofendido, podendo este surgir apenas meses ou até anos depois.

Eis que neste caso, embora presentes os pressupostos da Responsabilidade Civil estes não produzem efeitos, inclusive de prescrição, pois antes do ofendido ter conhecimento da lesão, não teria sequer avistado o seu direito violado, sendo impossível este ter o desígnio de promover a ação.

Ou seja, são casos que clamam pela aplicação da chamada Teoria Actio Nata, onde a pretensão de fato, apenas nasce, a partir do conhecimento inequívoco da lesão pelo ofendido, momento em que concomitantemente deve iniciar-se o prazo prescricional.

Inclusive, embora parte da jurisprudência divirja, ao que se parece, tal teoria é tranquilamente aplicável à qualquer situação de responsabilidade civil, desde que o dano seja pospositivo, ou ao menos que o conhecimento da lesão pelo ofendido seja posterior à violação do direito.

Pode-se citar temas em que emergem frequentemente tais divergências, como é o caso da reparação civil por acidente de trânsito onde a jurisprudência dominante afirma que o marco inicial do prazo prescricional seria a data do incidente, aplicando-se, pois, a regra geral trazida pelo Código Civil, ou seja de simultaneidade entre a violação do direito e a pretensão, o que definitivamente não é o caso.

Haja vista que, aquele acidente de trânsito poderia ocasionar na vítima um dano que seria conhecido apenas após muito tempo de internação ou tratamento, talvez após vários anos, ou pior, talvez a vítima venha óbito após o triênio prescricional estabelecido pela lei.

Nesta situação hipotética, o ofendido, no momento do incidente não tinha condições de pleitear seus direitos, mormente pelo fato que os danos não surgiram instantaneamente, ou seja não eram conhecidos.

Outro exemplo absolutamente relevante, é um ilícito ecológico, como no caso de uma contaminação, que do ponto de vista objetivo da Lei Civil, consignado pelo artigo 189, e sustentado por parte da jurisprudência, a prescrição correria a partir da ação/omissão do agente causador, entretanto, nestes casos muito provavelmente, os reflexos à saúde e demais danos apenas seriam conhecidos ou sofridos pelos ofendidos após vários meses ou anos de exposição àquelas condições.

Eis que, a pretensão de fato surgiria tão somente quando do conhecimento das lesões sofridas, e se não aplicada  Teoria da Actio Nata na análise do prazo prescricional ter-se-ia a pretensão natimorta e coberta já pela prescrição.

As situações aqui ilustradas demonstram a pertinência da Teoria da Actio Nata à reparação civil sempre que houver dano pospositivo, não havendo de correr nestes casos, prazo prescricional a partir do evento, ou seja, a partir da ação/omissão como versa o artigo 189 do Código Civil, e sim a partir do conhecimento da lesão, que definitivamente ocorrem em momentos distintos.

Assim, o prazo prescricional na Responsabilidade Civil, deve ser analisado considerando que nem todos os danos indenizáveis são aparentes e instantâneos, sendo certo que o engessamento do prazo ao evento ou à ação/omissão como ocorre frequentemente em diversos julgados, cassa do ofendido o seu direito de reparação do dano tardiamente apercebido.

A propósito, o Conselho da Justiça Federal emitiu, na I Jornada de Direito Civil, o Enunciado nº 14, buscando esclarecer de forma bem objetiva que que a violação do direito e a pretensão não necessariamente caminham juntas, veja-se:

“Enunciado nº 14 do CJF: Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer.”

 

O Superior Tribunal de Justiça, já enfrentou a matéria e decidiu no mesmo sentido da tese aqui sustentada, diferenciando os casos de danos emergentes daqueles pospositivos, veja-se:

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“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. ART. 27 DO CDC. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO ATO DANOSO. LAUDO TÉCNICO ATESTANDO O ATO ILÍCITO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. "O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata" (REsp 1257387/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013) 2. A prescrição do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor é de 5 (cinco) anos, começando a fluir com a data da ciência inequívoca do ato danoso, que no caso ocorreu com a elaboração de laudo técnico atestando a ocorrência de cobrança de encargos abusivos. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp 1324764/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 20/10/2015).

 

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO DO SOLO E DO LENÇOL FREÁTICO POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES. 1. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e o paradigma, o que não ocorreu no caso. 2. Inviável a incidência da Súmula nº 7/STJ a obstaculizar o conhecimento do recurso, visto que se trata, na espécie, tão somente de firmar posição sobre tese jurídica, isto é, qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional. Precedentes. 3. Não há como se presumir que, pelo simples fato de haver uma notificação pública da existência de um dano ecológico, a população tenha manifesto conhecimento de quais são os efeitos nocivos à saúde em decorrência da contaminação. 4. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte não provido, para dar prosseguimento ao processo”. (REsp 1346489/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 26/08/2013).

 

No mesmo passo, também o STJ editou a sumula 278 que acompanha o Enunciado nº 14 do CJF, e categoricamente reconhece que o lapso prescricional só se dá a partir da ciência inequívoca do ofendido, veja:

Súmula 278: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”

O entendimento do Supremo Tribunal Federal embora em tema diverso, sumulou interpretação analogicamente no mesmo sentido, in verbis:

 

Súmula nº 443 do STF. Prescrição das Prestações Anteriores ao Período Previsto em Lei – Inocorrência. A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta. (01/10/1964 - DJ de 8/10/1964, p. 3645; DJ de 9/10/1964, p. 3665; DJ de 12/10/1964, p. 3697).

 

Percebe-se pois, que o prazo prescricional em reparação civil, aparenta estar muito mais atrelado ao momento do inequívoco conhecimento do dano pelo ofendido, do que ao momento da prática do ato ilícito, ou da ação/omissão do agente causador, assim, o curso do prazo prescricional tem início tão somente com o conhecimento da lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão de fato a ser deduzida em juízo.

Deste modo, se o dano nascer aos olhos do ofendido, apenas quando transcorrido o triênio estabelecido pelo Código Civil e for comprovada a existência do basilares requisitos da responsabilidade civil, a pretensão não pode ser obstada pela prescrição.

Afinal, a prescrição nasce da inercia, elemento que indubitavelmente é vinculada à consciência, não podendo o ofendido sofrer as consequências da perda do direito à pretensão em razão do decurso do tempo, baseado em uma “negligência inconsciente” já que este ainda desconhecia a violação aos seus direitos.

                                                                                       

 

Sobre o autor
Eusébio José Francisco Pereira

Advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Pós graduando em Direito Processual Civil - (PUC MINAS), Sócio fundador do escritório jurídico PEREIRA & OLIVEIRA ADVOCACIA, com sede em Uberlândia-MG.http://www.pereiraeoliveira.adv.br

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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