O Silêncio é Sagrado, e é de Lei

08/11/2018 às 16:30
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Estamos vivendo novos tempos de extraordinário protagonismo da Justiça e, em especial, do Poder Judiciário.

A nova crise política que o país atravessa permitiu criar um autêntico ineditismo histórico que projetou a Justiça brasileira, e o Poder Judiciário Federal em particular, a um novo patamar funcional, outorgando-lhes uma responsabilidade extremamente importante: prover a imprescindível estabilidade institucional ao País, em uma situação muito assemelhada a de um autêntico poder moderador, tal como exercido outrora pelo Exército Brasileiro.

Todavia, exatamente como ocorrera em diversos momentos da história nacional, tal peculiar encargo deve estar necessariamente associado a um atuar sereno e equilibrado, desprovido de paixões e vaidades, assim como daqueles antigos pecados que comprometeram, sobremaneira, a necessária lucidez inerente à atuação isenta e imparcial (e rigorosamente dentro da lei e da ordem constitucional) dos protagonistas do passado.

"Quando comecei a advogar, em 1957, o Poder Judiciário e o Ministério Público exerciam com competência e discrição suas funções, não buscando as luzes da ribalta e da admiração popular, com o que sempre foram extremamente respeitados." (IVES GANDRA DA SILVA MARTINS; A Advocacia e o Ministério Público, O Globo, 03/06/207, p. 17)

O atual estágio da democracia brasileira não permite, - e muito menos recomenda -, que a Justiça brasileira, como bem adverte o Ministro DIAS TOFFOLI, do Supremo Tribunal Federal, venha a cometer “os mesmos erros dos militares em 1964”, através de um “exagerado ativismo” e de uma perigosa tendência de “criminalizar a política” (ou a classe política) como um todo, até porque a mesma representa, em última análise, o fundamento e o alicerce da própria democracia.

O que se pode (e se deve) fazer, ao reverso, é criminalizar, correta e individualmente, a conduta dos agentes públicos que se apropriam de suas respectivas posições para praticar delitos graves, independentemente de serem integrantes dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário, ou mesmo do Ministério Público. Por conseguinte, conforme registrado por DIAS TOFFOLI, deve a Justiça se limitar a “resolver a crise de maneira pontual”, evitando, de todas as formas, conduzi-la a um condenável “totalitarismo do Judiciário e do Sistema Judicial”, fenômeno que, na ótica do Ministro, dá-se através da eventual e criticável prática de se proferir “sentenças aditivas” (Judiciário Pode Cometer o Mesmo Erro de Militares em 1964, O Globo, 16 set. 2016).

De igual forma, merece ser destacado que a autoridade moral do Judiciário (e do Sistema Judicial como um todo) repousa, como bem anota JOSÉ MURILO DE CARVALHO (Por Que Não se Calam?, O Globo, 20 set. 2016, p. 17), na absoluta ausência “de espetáculos midiáticos por parte de delegados, promotores de justiça e juízes”, sendo por demais conclusivo que, não obstante “o Poder Judiciário tenha se afirmado e ganhado força e credibilidade inéditas em nossa história, tal predicamento, também chamado de judicialização da política, só se sustentará se os operadores da Justiça mantiverem a necessária postura profissional, resistindo à tentação dos holofotes e de inaceitáveis incursões na política”, ou seja, “se eles se contiverem, em última análise, nas manifestações rigorosamente dentro dos autos”, como dever inerente a todos aqueles que nela militam, consoante preconizam, inclusive, o art. 36, III, da Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), o art. 43, II, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica do Ministério Público) e, de certa forma, a partir de uma exegese ampliativa, o art. 2º, § 6º, da Lei nº 12.830/13 (relativa à investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia), dispositivos legais que impõem aos referidos operadores do Direito a indispensável e absoluta atuação técnico-jurídica, normas que, a toda evidência, abrangem o dever de se abster de qualquer espécie de “holofotofilia”, mantendo, assim, o sagrado silêncio (exteriorizando, desta feita, o princípio da publicidade na sua correta e restrita forma de manifestação nos autos) em benefício último do próprio prestígio da Justiça.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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