A Justiça Federal Não Pode Ser Intimidada

08/11/2018 às 16:30
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A sociedade brasileira precisa decidir, em definitivo, que tipo de Justiça Federal ela deseja conceber.

Se a vontade do povo brasileiro, expressa na Carta Constitucional de 1988 e na normatividade anterior, foi a de conferir ao Poder Judiciário Federal uma especial missão de garantia da estabilidade político-institucional – substituindo, assim, o papel antes desempenhado pelas Forças Armadas, que historicamente atuava como uma espécie de “Poder Moderador” diante das diversas crises pelas quais passou a incipiente República – e, em adição, a tarefa convencional de prestar o serviço público judiciário, resta fundamental que a coletividade cidadã também lhe providencie, em necessária contrapartida, os meios adequados para o perfeito cumprimento das funções que lhe foram confiadas na estrutura do Estado.

Isso significa, em primeiro lugar, prover uma segurança institucional mínima aos integrantes (e respectivos familiares) da Magistratura, preservando-lhe a indispensável e absoluta isenção, imparcialidade, impessoalidade e, sobretudo, independência judicante. Sem estas condições básicas, não há como exigir dos juízes uma postura corajosa frente aos imensuráveis e complexos desafios que lhes são apresentados, cada vez mais, com maior intensidade e ênfase.

A edificação de uma Justiça verdadeiramente imparcial, e que, acima de tudo, possa efetivamente alcançar e punir, em seus desvios de conduta, os criminosos de um modo geral, mas notadamente os “poderosos”, tem naturalmente um preço.

Precisamos saber se o povo brasileiro – que é o titular do Poder Constituinte e, em última análise, aquele que, por meio do recolhimento de tributos, financia não somente os salários dos juízes, mas toda a estrutura do Poder Judiciário Federal – está realmente disposto a pagar o custo (em seu sentido mais amplo) de uma jurisdição isenta e independente, autorizando, por meio de uma legislação mais condizente com os desafios atuais, a adoção de medidas corajosas que impeçam qualquer espécie de intimidação direcionada (direta ou indiretamente) aos magistrados, evitando-se, assim, eventual acovardamento dos membros do Poder Judiciário Federal.

Nesse contexto, é essencial que se proíba expressamente que os meios de comunicação divulguem dados, informações e imagens de juízes em sua vida cotidiana, vedando-se, ainda, que se invada, pública e amplamente, a privacidade e a intimidade deles, obstando, por exemplo, a divulgação de endereços de suas residências e de seus familiares. Afinal, não se consegue julgar com total tranquilidade quando se está preocupado com a própria segurança e a de seus parentes.

Afigura-se absolutamente incompreensível e desarrazoado, caracterizando um completo desserviço ao perfeito funcionamento das instituições, que os familiares de magistrados e, em particular, de Ministros da mais alta Corte de Justiça do País tenham seus endereços privados e os locais em que estudam seus filhos e netos revelados, tornando-os vulneráveis e presas fáceis dos integrantes do denominado Estado paralelo, que cada vez mais tenta se implantar, com mais intensidade e veemência, no Brasil.

Da mesma forma, apresenta-se como uma completa incoerência que a Presidente do Supremo Tribunal Federal tenha o seu endereço privado divulgado, fato que deu margem à odiosa pichação e destruição de seu prédio residencial, episódio que certamente buscou intimidá-la no que se refere à sua atuação enquanto magistrada.

A imprensa responsável e democrática de nosso País precisa finalmente aceitar e compreender a parcela de responsabilidade que lhe compete no que concerne à manutenção e ao bom funcionamento das instituições, preservando a intimidade dos membros do Judiciário e de outras autoridades que lidam diretamente com a bandidagem corriqueira, com os integrantes do crime organizado e, por que não dizer, com os radicais de ideologia de direita e/ou de esquerda.

Fundamental, portanto, que a imprensa compreenda que o princípio da intimidade precisa ser respeitado não em nome do interesse pessoal das autoridades públicas, mas em defesa das próprias Instituições (e do Estado) que elas representam.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

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