O ideário relativo à defesa do bem comum e, em particular, do bem público, nesse contexto, parece, portanto, que nunca esteve tão divorciado do seu verdadeiro sentido republicano.
Ainda que mereça especial registro as inéditas (e sempre elogiáveis) investigações, apurações e punições conduzidos pela Justiça, representada, em sua vertente mais genuína, pela tríade composta pela Polícia Judiciária Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo Poder Judiciário Federal, merece igual destaque que o desvio de recursos públicos, perpetrado através da realização de obras públicas superfaturadas, nunca antes, na curta existência democrática brasileira, atingiu o atual estágio. Seja na inédita (e hiperbólica) dimensão dos valores desviados, seja na absoluta, surpreendente e, igualmente, inédita inutilidade das obras empreendidas, com o agravante da própria qualidade técnica duvidosa e altamente comprometedora das mesmas.
Se, no passado, era possível argumentar que, ao menos, as obras superfaturadas pela corrupção (endêmica e estrutural) ostentavam qualidade técnica e utilidade prática em sua destinação, caracterizando-se, inclusive e muitas vezes, como obras necessárias (ou, ao menos, úteis), - ainda que tal fato não subtraísse ou diminuísse a sua correspondente condenação legal e moral -, hoje a novidade repousa não somente no volume, intensidade e constância (e, em certo aspecto, banalização) da prática cotidiana de desviar recursos públicos, mas, sobretudo, na deplorável qualidade técnica das obras, que, em sua grande maioria, poderia simplesmente ser conceituada como voluptuária, posto que dolosamente destinadas ao simples embelezamento estético-arquitetônico, para nítidos fins de criminosa promoção político-eleitoral.
Esse é o novo e, de uma certa maneira, inovador legado da corrupção brasileira que passou a incorporar o terrível condão de destruir duplamente os frágeis pilares da novel democracia verde-amarela: por um lado, subtraindo da coletividade parcela substancial dos escassos recursos públicos; por outro, impondo à mesma monumentos representativos da mais completa inutilidade pratica, homenageando, em última análise, a exacerbação da própria imoralidade política em seu mais elevado grau.
Se outrora já causava indignação o uso (irônico ou não) do famoso bordão "rouba, mas faz" para caracterizar a gestão de alguns administradores e sua contumaz prática de superfaturamento em obras públicas, resta a grande dúvida de como nominar a nova geração de algozes do patrimônio público, com sua nova (e extraordinariamente cruel) forma de atuar em duplo desbenefício da sociedade brasileira: "rouba, não faz ou faz mal"?