O Mito dos arrependidos

Tudo é Mito, menos o que é realidade

09/11/2018 às 13:16
Leia nesta página:

O "arrependimento" não nos livrará do Purgatório - especialmente porque os "arrependidos" costumam ser mafiosos do tipo Cosa Nostra.

O Mito se desfaz na realidade – em confronto com o peso acachapante da verdade, com o que não se pode esconder.

A gravidade é tão essencial para a vida na Terra, quanto a vergonha para os incrédulos no Mito: vergonha pelos outros, os crédulos nos contos de Carochinha.
Enquanto alguns nutrem a “dúvida metódica” (a questão clara, em que não cabem dúvidas interpretativas), aplicando-se pela objetividade das coisas (no Método do Meio-Dia), muitos esperam o Papai Noel prometido em fake news.

Por isso selecionamos duas condições básicas: 1) O Homem cria mitos para explicar, com um sentido apurável, o que não conhece verdadeiramente; 2) Com um choque de realidade “tudo que é Mito desmancha no ar”.

Antes de desmoronar, no entanto, o Mito tem de ser crível, deve funcionar como uma (arga)massa, ao qual presta-se reverência (ou continência).
Ainda devemos entender que o Mito é feito exclusivamente por e para deuses, sequer alcança semideuses – e, portanto, nunca para ou por humanos. (Registre-se aqui que o “Entendimento” não é da alçada do Mito).

Assim, se Aquiles tinha um ponto fraco letal, Prometeu (um Deus de verdade) era devorado de dia e se recompunha à noite.

O Mito do Estado, ao qual já se atribuiu a quintessência da Humanidade, a contraprova da melhor subjetividade humana – justiça, racionalidade, ética = Estado de Direito –, não sobreviverá por mais meio século.

Então, é lícito (razoável/crível) supor que os mitos nacionais também desmoronam, tão logo o realismo político cobra sua dívida: já se foi o Mito da Cordialidade (esta eleição foi um golpe fatal), logo irá a governabilidade; pois, sem legitimidade, o Mito é um balão de ensaio que se esvai na brisa das mentiras.

Na prática, tudo é Mito, mas é real se/quando lhe emprestamos confiabilidade: a ciência que tudo pode (sem contar o que não pode) é um exemplo clássico. - Curioso lembrar que o “criador” da Ciência Moderna, o filósofo Francis Bacon, tenha investido tanto tempo e energia na recuperação/interpretação da principal mitologia clássica grega.

Voltando à crueza da argamassa nacional, diremos que a eleição de 2018 nos provou que também a Política é um Mito (como Polis), porque revelamos ao mundo civilizado (menos encantado com as sereias) que o “animal político” é uma presa fácil para o analfabeto político.

A questão central, como já indicado, é o peso das amarguras, da incapacidade de “realizar a mentira” (torná-la crível), das frustrações geradas pela impossibilidade de se multiplicar os pães: a economia pode crescer, mas a receita é de concentração de renda.

Ou seja, tudo que é Mito desmancha no ar.

No nosso caso, o Mito se desfaz diante da miséria que nunca se propôs a, minimamente, remediar.

No exemplo do Império, Trump, perdendo o controle sobre seu Partido Republicano e sendo minoritário na Câmara dos Representantes (Deputados), ainda em 2018, é outro que confirma a teoria.

Não é que basta ficarmos de braços cruzados esperando pelo Mito naufragar (não sendo um Kybernets, jamais será um governante), é preciso remar contra a maré sim, especialmente para minimizar seus estragos diários, no vendaval que ainda enevoa os mais alucinados/alienados.

O problema, além disso, é o que virá, para todos nós, quando o Mito virar pó – uma vez que do pó vieste.

Imagina-se a onda de choque trazendo a vergonha coletiva, já em andamento, mas é possível (crível) que algo mais – e pior – advenha daí.

Também suponho o que seja, mas como ainda quero crer que posso estar enganado (quanto ao pior), prefiro esperar pelo equilíbrio da Deusa Justitia.

A Deusa Justitia nos tem falhado bastante, é verdade, mas não custa acreditar que, num bafo da sorte (Cornucópia), ela abra suas asas sobre nós.

A Prudência, há muito banida do Banquete dos Deuses (da seara política), recomendaria agir entre a virtù e a fortù, entre o manejo ou domínio do realismo político e a leitura aprofundada da própria história política. (Maquiavel, na fundação da Ciência Política, utiliza-se da mitologia para explicar esta realidade da política. O Florentino não acreditava em mitos, talvez só na República, mas antevia que o homem médio em sua vida comum não via muito longe).

A Prudência ainda nos diz que, a sorte acompanha aquele que tem “conhecimento prévio”, massa crítica acerca do palco em que se travará a “boa luta”.
Assim, é possível dizer, como base no passado remoto ou próximo, que o país já deu provas de que com a “boa luta” política pelo direito é possível trazer a Fênix da Justiça Social de volta. 

Em todo caso, e ainda que até criança alfabetizada já saiba a essa altura, é preciso ter muito claro que o Mito que nos deram é um Cavalo de Troia.

PS: não esquecer que, o Mito só é Mito para os “gênios mitológicos” e que, para 2/3 da população, é a pior mentira de nossa história.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos