ORDEM SOCIAL: reflexões acerca da família, criança, adolescente, jovem, idoso e índios

Leia nesta página:

O artigo objetiva analisar, especificamente, os assuntos ligados à família, criança, adolescente, jovem, idoso e índios, localizando seu assento constitucional, jurisprudencial e doutrinário.

RESUMO

No contexto dos denominados direitos sociais encontra-se inserido o tema ordem social, que está previsto no título VIII da Constituição Federal, consubstanciando o núcleo essencial do regime democrático instituído na ordem jurídica brasileira. É uma temática abrangente, que engloba estudos de várias áreas do Direito, tais quais: ambiental, previdenciário, civil, etc. A ordem social tem um intuito programático, de ações, funções que o Estado tem no seio social, incorporando, portanto, a ideia de segunda dimensão dos direitos fundamentais, caracterizada pela atuação positiva estatal. O presente artigo objetiva analisar, especificamente, os assuntos ligados à família, criança, adolescente, jovem, idoso e índios, localizando seu assento constitucional, jurisprudencial e doutrinário. Para depreender o conteúdo proposto, a análise consistiu em pesquisas bibliográficas, onde buscou-se nas melhores doutrinas e trabalhos acadêmicos, como artigos, teses e dissertações, embasamento teórico para fundamentar cientificamente o exposto no estudo. Considerando ser o Direito uma ciência dinâmica, que acompanha a evolução da sociedade, analisou-se também o tratamento que o atual ordenamento jurídico confere aos temas aqui tratados, realizando uma leitura hodierna e sistemática. Foi possível concluir que as temáticas analisadas são dinâmicas, sendo aperfeiçoadas de acordo com cada momento histórico.

Palavras-chave: Direitos sociais. Ordem social. Constituição Federal. Direito. Sociedade.

INTRODUÇÃO

Quanto à disposição constitucional da matéria relativa à ordem social, o título reservado tratou de diversos assuntos, ocupando-se de temáticas ligadas à seguridade social; educação, cultura e desporto; ciência e tecnologia; comunicação social; meio ambiente; família, criança, adolescente, jovem e idoso; e, índios. Tais conteúdos materializam a ideia de constituição social, esta que visa garantir a seus indivíduos condições mínimas de convívio harmônico, permitindo o exercício e usufruto de direitos fundamentais, sustentado não só em uma simples igualdade formal, mas material.

Concernente aos conteúdos objeto de estudo da presente pesquisa, ressalta-se a importância que os mesmos possuem perante à sociedade, pois são assuntos ligados, sobretudo à família, primeira entidade que os indivíduos têm contato, sendo, portanto, a base da construção de formação da conduta destes, que se relaciona diretamente com a vida em coletividade. Em relação aos indígenas, igualmente importante o seu estudo, uma vez que os índios integram parcela da sociedade brasileira, sendo meritório à atenção conferida pela Constituição e leis especiais para o grupo, pois reconhecem seus direitos e garantem a manutenção de seus costumes, línguas, crenças, organização social e tradições. Destacamos, porém, que tais assuntos não se encontram em escala hierarquizada em relação aos demais tratados pelo constituinte no título “da ordem social”, todos possuem relevância para a ordem jurídica.

Não pretendendo exaurir o conteúdo proposto, o presente artigo tem como escopo analisar de forma clara e objetiva sobre aspectos relevantes relacionados à família, criança, adolescente, jovem, idoso e índios, traçando um paralelo com o disposto constitucionalmente, bem como na jurisprudência pátria. Direciona e fundamenta a pesquisa as ideias e concepções de eminentes doutrinadores, como Dias, Maria Berenice (2016), Lenza, Pedro (2017), Masson, Nathalia (2016), Novelino, Marcelo (2012) e outros.

FAMÍLIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, JOVEM E IDOSO

O texto constitucional trata do assunto em seus artigos 226 a 230, contemplando diversos vieses que possibilitaram e possibilitam várias discussões doutrinárias e jurisprudenciais, a citar a questão da configuração de família. Por se tratar de uma temática extensa e em evolução, não será aqui tratada de forma pormenorizada, mas o suficiente para compreendê-la e incentivar futuras pesquisas.

CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL

Em relação ao casamento e a união estável preleciona Tavares (2012, p. 1043):

[...] determina a própria Constituição que o casamento é civil, sendo gratuita a sua celebração, bem como que o casamento religioso tem efeito civil, neste caso nos termos da Lei dos Registros Públicos. Para fins de receber a tutela estatal à qual se refere a Constituição, esta também reconhece expressamente a união estável entre o homem e a mulher como sendo uma entidade familiar. Também é constitucionalmente uma entidade familiar a “comunidade” formada por qualquer dos pais e seu descendente ou seus descendentes.

Antes da Constituição de 1988 vigoravam regras de tratamento diferenciado aos componentes da sociedade conjugal, mas estas não foram recepcionadas pela nova carta constituinte, onde se estabeleceu igualdade em direitos e deveres. Como colocado pelo doutrinador André Ramos Tavares, o casamento religioso poderá ter efeito civil, mas obedecendo os termos da lei, que é a Lei de Registros Públicos, mais especificamente em seu art. 226, §2.

Discute-se, no entanto, se o casamento celebrado por líder de qualquer religião ou crença teria o mesmo efeito decorrente do matrimônio celebrado na religião católica. Lenza (2017) comenta que o Superior Tribunal Federal não apreciou o tema ainda, mas podemos encontrar alguns julgados proferidos por Tribunais de Justiça que já enfrentaram a questão. O TJ/BA (2006) e o TJ/RS (2002) garantiram em seus julgados que casamentos realizados em outras religiões e crenças tem validade jurídica, equiparando-se aos casamentos celebrados perante autoridade pública, devendo seguir os mesmos trâmites exigidos para a religião católica. Prestigiaram, assim, a dignidade da pessoa humana e a liberdade religiosa.

Estupro: posterior convivência entre autor e vítima menor de 14 anos

Com o atual tratamento que ordem jurídica confere a vários temas sócias, parece paradoxal, divorciada da nossa realidade a colocação que o casamento era causa extintiva de punibilidade para os crimes de estupro. O Código Penal classificava o que hoje são definidos como crimes contra a dignidade sexual, como sendo contra os costumes, mas em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana houve intensas alterações.

Lenza (2017, p. 1415) em relação a absolvição do réu quando este se casava com a vítima, indaga: “a união estável pode ser reconhecida em relação a uma menor de 14 anos estuprada que veio a se casar com o agressor, para efeitos de extinção da punibilidade quando era admitida (antes da revogação do art. 107, VII, do CP)? ”. O autor responde que

O STF, no entanto, por 6 votos a 3, entendeu não se aplicar a extinção da punibilidade em razão da gravidade do crime, com violência presumida, dadas as circunstâncias de a vítima ser menor de 14 anos e o Estado ter o dever de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, §8.º) e, ainda, o dever de proteger as crianças, os adolescentes e os jovens (art. 227, caput). Por isso a relação não poderia caracterizar-se como união estável (LENZA, 2017, p. 1416, grifos do autor).

Destarte, percebe-se que o a Constituição Federal conforma todo o sistema jurídico, mudando a forma de ser de diversas áreas, adequando-as ás diretrizes e valores perseguidos pela Estado Democrático de Direito.

Divórcio

Sobre o tratamento que a Constituição conferia ao divórcio, explica Novelino (2012. p. 1080):

Em seu texto original, a Constituição somente autorizava a dissolução do casamento civil pelo divorcio após previa separação judicial por mais de um ano ou quando comprovada separação de fato por mais de dois anos. Em que pese seu caráter paternalista, a observância desses lapsos temporais tinha por finalidade proteger a instituição casamento, evitando a vulgarização do divórcio ao propiciar um maior período de reflexão sobre a decisão de dissolver o vínculo matrimonial em tempos marcados pelo transitório e descartável.

Em 2010, com a emenda constitucional nº 66 a redação do art. 226, §6.º da CF passou a ter a seguinte transcrição: “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. Essa alteração trouxe significativas mudanças no âmbito do direito de família, correspondendo um grande marco, pois os prazos antes dispostos foram extintos, conferindo maior autonomia às pessoas, que antes deveriam ficar sob a incidência de uma intervenção estatal indevida. Nesse sentido, corrobora Tavares (2012, p. 1043):

Doravante, o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio direto. Todas as normas anteriores à referida Emenda Constitucional que exigiam decurso de prazo para ingresso com o divórcio devem ser consideradas como não recepcionadas pela EC n. 66/2010 e, nesse sentido, inexistentes juridicamente, não alcançando qualquer eficácia jurídica sua eventual imposição.

Depreende-se, portanto, que essa alteração legislativa facilitou a realização do divórcio, suprimindo condições burocráticas que não tinham efeitos práticos, sendo totalmente acertada a desnecessidade de qualquer lapso temporal para se requerer o divórcio.

Violência doméstica contra a mulher

Dispõe com efeito o art. 226, §8 da Constituição Federal que o “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Importante ressaltar que a proteção constitucional conferida é ampla, abarcando toda entidade familiar, não se restringindo só a mulher. No entanto, a violência no âmbito doméstico é cometida, em regra, contra a classe feminina, sobre isso esclarece Costa (2016) que

A violência contra a mulher é histórica e viola não só a dignidade da mulher, trazendo a ela prejuízos de todas as espécies, tais como em relação ao trabalho, a saúde e a vida da mulher. A conduta de agressão contra a mulher deve ser estudada e tratada como questão social de maior importância, pois seu histórico é imenso, profundamente enraizado na cultura do homem em sua evolução, e abrange toda a sociedade.

A CF regula a matéria de forma genérica, não se ocupando de tratar do assunto de forma mais detalhada. Assim, a Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) se preocupou com a questão de modo específico, criando mecanismos que visam impedir a violência doméstica e familiar contra a mulher. É uma lei que está em consonância com os ditames constitucionais e internacionais, perseguindo a igualdade de mulheres perante os homens, numa tentativa de desnaturalizar um passado que as discriminavam e não se tinha preocupação legal com isso. Dias (2016, p. 91) comenta sobre a referida lei:

A Lei Maria da Penha (L. 11. 340/06 – LMP) criou os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e atribuiu-lhes competência cível e criminal para o processo, julgamento e execução das causas envolvendo a violência doméstica (LMP 14). Tais juizados devem contar com equipe de “atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde” (LMP 29). Enquanto não instalados esses juizados, foi atribuída competência às varas criminais e assegurado o direito de preferência (LMP 33).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Apesar da referida lei representar um avanço para a sociedade brasileira, que tem raízes machistas e patriarcais ainda tão fortes, a mesma foi alvo de intensas críticas, tanto de ordem formal como material, onde se apontou, inclusive, que a lei violava o princípio da igualdade. Apaziguando tais discussões, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da lei, conferindo interpretação conforme a constituição. Nesse sentido, destaca-se também que o STF estabeleceu que a ação penal para a apuração de crime de lesão corporal leve e culposa praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher passa a ser pública incondicionada, prescindindo, portanto, de sua representação.

Planejamento familiar

O art. 226, §7 da CF prevê que o planejamento familiar não é de competência estatal, mas do casal, podendo fazê-lo de modo livre. Destaca o texto constitucional que a tarefa do Estado é de propiciar recursos, de natureza educacional e científica, para que as pessoas possam exercitar o direito ao planejamento familiar, não podendo as instituições oficiais ou privadas impor qualquer desses recursos. Estabelece, ainda, que essa consagração se encontra fundada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Relevante destacar a função e importância do planejamento familiar, nesse sentido explica Vecchi (201-?):

O planejamento familiar serve para que os progenitores optem em formar sua prole de maneira consciente, dentro dos limites de suas possibilidades econômicas e sociais, a fim de que eles próprios sejam capazes de proporcionar aos filhos os meios materiais e imateriais para sua sobrevivência e pleno desenvolvimento físico, mental e intelectual, garantindo-lhes que cresçam com dignidade e se tornem pessoas úteis à sociedade e, igualmente, possuam meios de, posteriormente, criar a própria prole, proporcionando iguais ou melhores condições, sem que haja qualquer necessidade de dependência e utilização dos recursos estatais, instrumentalizados por meio de programas sociais. Essa escolha está intimamente ligada a diversos princípios de direito regulamentados pela Constituição Federal, dentre os quais, o da dignidade da pessoa humana, o da liberdade, ou da não intervenção, o da autonomia da vontade, o da solidariedade e o da maternidade/paternidade responsável, sendo que este último está ligado aos deveres oriundos do pátrio poder, indicados o artigo 1.634 do Código Civil.

Sucintamente, o planejamento familiar se refere a um conjunto de ações que o Estado propicia a homens e mulheres, buscando auxiliar no preparamento da chegada de filhos, bem como preveni-la, que se materializa por meio de distribuição de preservativos e “pílula do dia seguinte”. A atuação estatal deve ser ampla, multidisciplinar, devendo oferecer não só recursos materiais, mas técnicos, educacionais, científicos e informativos. A interferência do Estado é subsidiária, complementar, auxiliadora, pois como visto, é de livre decisão do casal o planejamento familiar. Assim, as pessoas possuem autonomia de decidirem se querem ter filhos (fixando o momento e a quantidade) ou não.

CRIANÇA, ADOLESCENTE E JOVEM

Lenza (2017) comenta que a emenda constitucional n. 65/2010 representou um grande avanço no tocante a proteção de crianças, adolescentes e jovens, consolidando um conjunto de direitos fundamentais. Contemporaneamente busca-se proteger os jovens de forma integral, tornando-os cada vez menos vulneráveis. Busca-se promover a cidadania de crianças, adolescentes e jovens, tratando de forma especial de questões que assolam o Brasil, como trabalho e crime.

Alienação parental

A lei que regula a matéria é a Lei n. 12.318/2010. Em seu texto traz a definição de alienação parental, que é o ato de distorcer a imagem de outro genitor perante a criança ou adolescente, desmoralizando-o. Busca-se também monitorar o sentimento que as crianças possuem, interferindo, assim, de maneira demasiada na formação psicológica destas.   Importante destacar que o ato de alienar não é restrito só aos pais, mas pode ser exercido também pelos avós, bem como pela pessoa que tenha autoridade, guarda ou vigilância sobre a criança e adolescente.

Diversas podem ser as condutas do alienador, Dias (2010, p. 27) elenca algumas:

1. Apresentar o novo cônjuge como novo pai ou nova mãe; 2. Interceptar cartas, e-mails, telefonemas, recados, pacotes destinados aos filhos; 3. Desvalorizar o outro cônjuge perante terceiros; 4. Desvalorizar o outro cônjuge para os filhos; 5. Recusar informações em relação aos filhos (escola, passeios, aniversários, festas e etc.); 6. Falar de modo descortês de novo cônjuge do outro genitor; 7. Impedir a visitação; 8. Esquecer de transmitir avisos importantes/compromissos (médicos, escolares, etc.); 9. Envolver pessoas na lavagem emocional dos filhos; 10. Tomar decisões importantes sobre os filhos sem consultar o outro; 11. Trocar nomes (atos falhos) ou sobrenomes; 12. Impedir o outro cônjuge de receber informações sobre os filhos; 13. Sair de férias e deixar os filhos com outras pessoas; 14. Alegar que o outro cônjuge não tem disponibilidade para os filhos; 15. Falar das roupas que o outro cônjuge comprou para os filhos ou proibi-los de usá-las; 16. Ameaçar punir os filhos caso eles tentem se aproximar do outro cônjuge; 17. Culpar o outro cônjuge pelo comportamento dos filhos; 18. Ocupar os filhos o horário destinado a ficarem com o outro.

Não resta dúvida que a alienação parental gera consequências negativas, quiçá irreparáveis. A prática viola flagrantemente direitos fundamentais da criança ou adolescente, pois torna o ambiente familiar, local que deveria ser saudável e propicio para o regular desenvolvimento das crianças, nocivo, prejudicando as relações de afeto, constituindo assim, intenso abuso moral.

Adoção

O tema sofreu diversas alterações ao longo do tempo, em que foi se adaptando as mudanças da sociedade e se moldando às diretrizes da Constituição Federal de 1988, que persegue a igualdade e preservação da dignidade da pessoa humana.

A adoção tem índole humanitária, pois gera laços de paternidade e filiação com aqueles que se encontravam sozinhos perante a sociedade, e em decorrência desse ato jurídico passam a pertencer a uma entidade familiar juridicamente reconhecida. Hodiernamente, a adoção tem uma justificativa ainda mais ampla, como esclarece Liberati (2003, p. 20):

A adoção não admite ter “pena” nem “dó”, ”compaixão”; a adoção, como a entendemos nos dias de hoje, não se presta para resolver problemas de casais em conflito, de esterilidade, de transferência de afetividade pelo falecimento de um filho, de solidão etc. ela é muito mais que isso; é a entrega de amor e dedicação a uma criança que, por algum motivo, ficou privada de sua família. Na adoção, o que interessa é a criança e suas necessidades: a adoção de ser vivida privilegiando o interesse da criança.

Embasado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a CF não estabelece qualquer distinção em relação à procedência dos filhos, independentemente de serem oriundos do casamento, fora dele ou por adoção, terão equiparação jurídica concernente a direitos e qualificações, vedando ainda, designações que discriminam, pois era comum se utilizar termos relativos à filiação, que geravam diversas consequências paras os filhos, pois eram vistos com alguma ‘mácula distintiva”. Fruto de uma evolução ética e jurídica, hoje é inadmissível se empregar terminologias discriminatórias no tocante à filiação.

Em relação à adoção por casal homoafetivo ou transexual, o assunto merece uma análise constitucional, tendo em vista a ausência de previsões expressas no ordenamento jurídico. No Brasil, não há qualquer texto legislativo ou jurisprudencial que proíba a adoção por casais homoafetivos. A adoção não se refere com o sexo da pessoa que pretende adotar, muito menos com sua opção sexual, essa aparente e errônea associação se levanta através de críticas que não possuem base cientifica, mas fundadas por um senso comum ignorante, que não analisam o núcleo substancial do instituto da adoção, que é garantir a dignidade de crianças que estão na frieza de abrigos, aguardando serem acolhidas por uma família que lhe proporcione a efetividade dos direitos fundamentais previstos na CF.

Lenza (2017, pag. 1431) comenta que

Desde que haja minucioso estudo psicossocial por equipe multidisciplinar e reconhecimento pelo juiz, sempre buscando o melhor para o adotando, parece-nos possível a adoção por casal homoafetivo (ou transexual), consoante entendeu o TJ/ RJ: “a afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado...” (AC 14.332/98, 9.a C. Cív., Rel. Des. Jorge de Miranda Magalhães, DORJ de 28.04.1999).

Se o ordenamento jurídico brasileiro reconhece uniões homoafetivas como entidade familiar, estas possuem, por decorrência logica, todos os direitos inerentes assegurados pela ordem jurídica, não podendo nenhum ramo do direito criar embaraços para a efetivação de algum ato em virtude de orientação sexual, como no caso da adoção, onde a lei não impõe qualquer óbice. O assunto deve ser analisado sob uma ótica moderna, desvinculada de pré-conceitos sociais, priorizando-se a observância da dignidade da pessoa humana, direito à intimidade, não-discriminação, igualdade entre outros aspectos já reconhecidos expressamente no texto constitucional e que serve de fundamento para diversas discussões que não possuem tratamento positivado.

Submissão coercitiva ao exame de DNA: colisão de direitos fundamentais

O constitucionalista Lenza (2017) afirma que a CF assegura a ação de investigação de paternidade como direito fundamental, o que seria indiscutível. A questão que é discutida se refere a possibilidade da condução coercitiva para o exame de DNA. O STF entende que submeter alguém coercitivamente ao exame de DNA, violaria diversos direitos fundamentais, como a dignidade humana, intimidade e intangibilidade do corpo humano, acabando por gerar uma colisão de direitos. Assim, tem-se como regra a impossibilidade do exame forçado, mas como os direitos fundamentais não são absolutos, essa regra poderá, a depender do caso, ser afastada, como já decidiu o STF em alguns julgados. Destaca Mendes (2017, p. 206):

Tem-se aqui, notoriamente, a utilização da proporcionalidade como “regra de ponderação” entre os direitos em conflito, acentuando-se a existência de outros meios de prova igualmente idôneos e menos invasivos ou constrangedores. É cada vez mais frequente a utilização do aludido princípio na jurisprudência do STF, como se pode verificar os inúmeros precedentes.

Desse modo, observa-se que a recusa ao exame não pode ser instrumento de consagração à impunidade, buscando se eximir de obrigações e deveres inerentes ao vínculo familiar. Logo, poderá ocorrer a condução coercitiva para realização do exame, bem como ser declarada a paternidade presumida pelo magistrado.

IDOSOS

A Carta Magna de 1988 estabelece em seu art. 230 normas protetivas aos idosos. Idoso é toda pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. O Brasil possui uma abrangente legislação que garante os fundamentos necessários para coibir violações aos direitos dos idosos, no entanto, há um grande desrespeito por parte da população em não cumprir as determinações legais, fatos estes que são frutos da deficiência educacional que assola o país. Segundo Sarlet, Marinoni e Mitidero (2015, p. 1063), a Constituição Federal

consagra um dever especial de amparo das pessoas idosas por parte da família e da sociedade, com o intuito de garantir o direito à vida e defender a dignidade dos idosos, bem como de assegurar-lhes à participação na vida comunitária (art. 230, caput). Além disso, a Carta Magna determina que os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares, garantindo, ainda, a gratuidade dos transportes públicos urbanos aos maiores de 65 anos (respectivamente art. 230, §§ 1.º e 2.º, da CF). Os preceitos referidos, importa frisar, articulam-se com outros dispositivos constitucionais, especialmente no campo dos direitos sociais e da ordem social, como dão conta os direitos à saúde, previdência e assistência social, os dois últimos inclusive com particular aplicação aos idosos. Por outro lado, tal como ocorre com os demais direitos sociais e com os deveres de proteção estatal, é mediante uma rede de políticas públicas e, portanto, por meio de um conjunto de ações legislativas e administrativas que a proteção dos idosos, de matriz constitucional, se concretiza no plano da vida.

Como se pode compreender, o idoso possui amplo tratamento constitucional, servindo de diretriz para regulamentação de normas especializada sobre matéria, como, por exemplo, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e a lei n. 8.842/94 (Política Nacional do Idoso). Masson (2016) ao comentar sobre o estatuto do idoso, explica que o mesmo estabelece a não discriminação, violência, crueldade, opressão, negligencia para com os idosos. Acrescenta, ainda, que o dever de prevenir ameaça ou violação dos direitos dos idosos é coletiva, não sendo somente do Estado, com isso inclui-se a obrigação dos cidadãos de comunicar às autoridades competentes quando tenha testemunhado ou que tenha conhecimento. Por fim, a referida autora destaca algumas garantias absolutas que estão fixadas no estatuto do idoso, como acendimento preferencial imediato e individualizado junco aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso. O Estado mediante a efetivação de políticas públicas deve garantir o respeito e o cumprimento da legislação que rege os direitos inerentes aos idosos.

ÍNDIOS

A população indígena tem grande importância na sociedade brasileira, foram os primeiros habitantes, além de terem sido alvos da extrema violência colonizadora. Ainda se há um grande desconhecimento sobre os índios, ignorando, assim, o papel fundamental que estes tiveram para a formação cultural e ética desse país.  A proteção aos índios foi conferida incialmente na constituição de 1934, onde eram denominados de “silvícolas”, expressão esta substituída na CF/88.

Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios

O conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontra-se previsto no art. 231, §1 da CF, conceito este que é visivelmente preocupado com a manutenção das raízes culturais da população indígena, bem como a sua integridade física e mental. De acordo com a CF, estas devem apresentar como características: habitação em caráter permanente, utilização para atividades produtivas, preservação dos recursos ambientais e a sua necessidade para a reprodução dos costumes e tradições dos índios. Tais terras são bens da União, inalienáveis, indisponíveis e seus direitos imprescritíveis.

Sobre o tema, importante a observação exposta por Masson (2016, p. 1279):

[...] importante destacar que somente são reconhecidos aos índios os direitos sobre as cerras que tradicionalmente ocupam se a área estiver habitada por eles na data da promulgação da Constituição Federal de 1988 (marco temporal) e, em complementação, se houver real relação dos índios com a cerra (marco da tradicionalidade da ocupação).

No mesmo sentido, a autora exemplifica:

Com base nesse entendimento - firmado pelo Plenário do STF no julgamento do caso "Raposa Serra do Sol" (Pec. 3388) -, em 201430 a 2ª Turma do STF reconheceu não haver posse indígena em relação a uma fazenda, localizada no Mato Grosso do Sul, que havia sido declarada pela União como área de posse permanente da etnia guarani-kaiowá. Isso porque o relatório da FUNAI de identificação e delimitação da cerra indicou que a população indígena guarani-kaiowá só residiu na área, objeto de disputa, acé o início dos anos 1940. Descarte, há mais de 70 anos não existe comunidade indígena na área, de forma que o requisito do marco temporal não foi satisfeito (MASSON, 2016, p. 1279).

Os índios não podem ser removidos arbitrariamente de suas terras, mas há possibilidade, em caráter excepcionalíssimo, disso acontecer. É permitido, por ad referendum do Congresso Nacional em situações que envolvam catástrofe ou epidemia capazes de ameaçar a população indígena ou a soberania do país. Esse processo burocratizado decorre do princípio da irremovibilidade dos índios de suas terras. Necessário se faz, portanto, a efetivação e respeito aos direitos constitucionalmente assegurados aos índios, que visam preservar à memória, cultura e tradição da população indígena, devendo essa preocupação ser não só do Estado, mas de toda coletividade.

Demarcação de terras indígenas

 Em 1998, com o advento da Constituição Federal, cria-se a necessidade de demarcar as terras indígenas, pois antes não havia respeito ao espaço em que os índios ocupavam, estabelecendo que a competência para realizar tal demarcação pertence à União (art. 231, caput). A partir daí várias terras começaram a ser estudadas e entregues legalmente a grupos indígenas. O processo de demarcação é um processo lento, burocratizado, necessita-se da atuação da Fundação Nacional dos Índios (FUNAI) para estudar a reinvindicação dos índios, bem como aspectos geográficos, delimitando os espaços que pertencem à comunidade indígena. Para concluir o processo de demarcação, necessita-se de homologação presidencial, e é dispensada a manifestação do Conselho de Defesa Nacional durante esse trâmite homologatório, sendo irrelevante o fato da terra se situar em região de fronteira, decidiu o STF.

Destaca-se que o art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu um prazo de cinco anos, contados da promulgação da Constituição, para demarcar as terras indígenas, mas infelizmente trata-se de apenas previsão teórica.   Sobre tal prazo, Lenza (2017, p. 1446) esclarece:

Podemos afirmar, então, que o art. 67 do ADCT não previu prazo decadencial para a demarcação, tratando-se de prazo programático, e não peremptório. A regra deve ser entendida como instrumento para estimular a demarcação, até porque, conforme visto, nos termos do art. 231, §4.º, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis (grifos do autor).

Diante do exposto, podemos depreender que essa omissão em relação a demarcação das terras indígenas trata-se de expressiva negligencia de todos os governos que estiveram na condução do país, onde não se preocuparam com uma questão tão importante e relevante para um Estado Democrático de Direito.

Direitos indígenas: competência

A jurisprudência do STF se posiciona no sentido que a Justiça Federal é competente para processar e julgar questões diretamente ligadas à cultura indígena, suas terras e interesses constitucionalmente atribuíveis à União. Assim, tem como subsidiaria a competência da Justiça Comum.  

Hipótese interessante e explicada por Lenza (2017), se refere a crime praticado por índio contra outro índio, a competência para julgar a lide é da Justiça Estadual, mesmo que ocorra dentro do aldeamento indígena, mas é necessário que o ocorrido não tenha relação com disputa sobre direitos indígenas. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise mais detalhada e envolta a uma perspectiva jurisprudencial e doutrinária sobre família, criança, adolescente, jovem, idoso e índios, em complementação às previsões contidas na Constituição Federal de 1988. Pôde-se perceber a partir do exposto, que o objeto de estudo do trabalho é dinâmico, flexível, pois acompanha a evolução da sociedade, sendo, assim, impossível exaurir os temas, haja vista que suas extensões ainda são desconhecidas, surgindo de acordo com cada momento histórico. Dada à importância das temáticas tratadas nesta pesquisa, torna-se necessário uma maior preocupação acadêmica, social e governamental sobre as mesmas, a fim de oferecer maior concretude e efetivação dos direitos atinentes as áreas analisadas, não permitindo a subsistência de meras previsões teóricas, sem nenhum efeito prático.

REFERÊNCIAS

COSTA, Roberta Luana. A Lei Maria Da Penha: e a proteção constitucional contra a violência doméstica. Disponível em:  < https://robertaluanacorreia.jusbrasil.com.br/artigos/442894212/a-lei-maria-da-penha-e-a-protecao-constitucional-contra-a-violencia-domestica >. Acesso em: 23 out. 2018.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

______. Incesto e Alienação Parental: De acordo com a Lei 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental). São Paulo: Revista dos tribunais, 2010.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva. 2017.

LIBERATI, Wilson Donizete. A adoção internacional. São Paulo: Malheiros, 2003.

MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. 4.ed. Salvador: JusPODIVM, 2016.

MENDES, Gilmar Ferreira; GONET, Paulo Gustavo. Curso de direito constitucional. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. São Paulo: MÉTODO, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva: 2015.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

VECCHI, Sabah Fachin de. O livre planejamento familiar e o papel do estado como agente subsidiário de recursos e suportes para o desempenho do poder familiar responsável. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=20507 >. Acesso em: 23 out. 2018.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos