Ideias de Benjamin Constant sobre a liberdade dos antigos comparada à dos modernos

12/11/2018 às 19:07
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O presente artigo tem como finalidade traçar um paralelo entre o conceito de liberdade dos povos antigos e a liberdade dos povos modernos, utilizando-se, como base, do célebre discurso de Benjamin Constant.

Em seu célebre discurso, Benjamin Constant traça um paralelo entre a liberdade exercida pelos povos antigos como os Egípcios, Lacedemônios e Gregos, com a liberdade apreciada pelos modernos, especialmente a adquirida pelo cidadão europeu após a Revolução Francesa de 1789. Além disso, ele fala dos aspectos de cada liberdade e as consequências das mesmas sobre as relações do povo com o Estado.

Em primeiro lugar ele descreve a liberdade dos antigos, destacando seu principal aspecto que era o poder de participar diretamente da política, exercendo em praça pública o direito de deliberar as questões inerentes ao Estado, em detrimento de sua liberdade individual, já que o cidadão, apesar de livre na esfera pública, era limitado na esfera privada e, até mesmo, assuntos de foro íntimo como sua vida conjugal e sua religião eram totalmente controlados pelo conselho formado pela maioria. O indivíduo soberano nas questões públicas é um escravo na vida privada, não podendo dispor de seus bens ou conduzir seus relacionamentos profissionais ou afetivos como bem lhe conviesse, vivendo sob constante vigilância dos seus pares, podendo a qualquer momento ser despojado de sua posição, caso assim decidisse o grupo ao qual pertencia. Para o autor, apenas uma dentre muitas cidades gregas poderia ser uma exceção á regra: Atenas e as razões serão explicadas mais adiante.

Já a liberdade dos modernos consiste em abrir mão da parcela de poder de decisão direita sobre as questões estatais, passando assim a exercê-la através de um governo representativo para desfrutar da liberdade enquanto individuo. A soberania é exercida apenas em épocas distintas e assim, apenas para que o indivíduo possa abrir mão de tal soberania. Surge assim, a ideia de individualismo, o sujeito livre, com direito a ter direitos, ou seja, conquista o direito de ser ele mesmo, abrindo mão da parcela de liberdade pública tão cara aos antigos. A partir desse momento, concebe-se a ideia de o cidadão ter direitos a não ser coagido a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, de não ser maltratado ou preso de nenhuma maneira pela vontade arbitrária de um ou vários indivíduos. (Pela leitura do texto em questão, é possível reconhecer um rascunho do que vem a ser elencado na constituição Brasileira de 1988, artigo 5º que lista os direitos e garantias fundamentais do indivíduo no Brasil).

Uma das razões pelas quais a liberdade antiga funcionava bem era o fato de os Estados serem muito limitados em território e em número populacional,  o que provocava imenso desconforto, pois estes não se sentiam fortes o suficiente para resistir á invasões e interferências  externas, fomentando assim um permanente espírito de guerra, gerando diversos conflitos entre as nações vizinhas em busca de territórios e escravos. Estes também colaboravam para a manutenção do regime de liberdade antiga, uma vez que exerciam as profissões industriais e, com isso, seus senhores tinham mais tempo para deliberar sobre as questões do Estado.

Quando se fala da liberdade moderna, outras diferenças surgem para justificá-las.  Os estados já não são tão vulneráveis, tendo crescido em território e população e, dessa maneira, desenvolvido certa segurança de que já não seriam mais ameaçados em sua soberania como eram os estados antigos. E no lugar das guerras como meio para alcançar os desejos por novos produtos surgiu o comércio.  Nesse momento, o uso da força deixa de ser o único meio de se obter o sucesso desejado pelos antigos. De acordo com as ideias do texto, a guerra é o impulso e o comércio é o cálculo. Enquanto para os antigos  uma guerra bem-sucedida representava acréscimo em seu patrimônio e sua mão de obra escrava,  para os modernos é um mau negócio que custa mais do que vale. Nos modernos, o comércio inspira um forte amor à independência individual, já que satisfaz as necessidades sem que seja necessária a interferência da autoridade. Outro impedimento para a liberdade antiga reside no fato de que cada vez mais as populações aumentam e com isso, a parcela de soberania que cabe a cada indivíduo vai diminuindo à medida que o estado amplia seus horizontes e sua população o que dificulta muito a participação direta.

Como dito anteriormente, o autor faz algumas ressalvas sobre o tipo de liberdade exercida em Atenas. De todas as cidades gregas, esta se destacava pela liberdade individual conferida a seus cidadãos livres, diferente do que acontecia em Esparta, onde até mesmo as crianças eram consideradas propriedade do Estado. Em Atenas o comércio era livre, havia livre circulação de mercadorias e serviços, aos estrangeiros que trouxessem consigo alguma nova fábrica ou tecnologia para instalar-se na cidade eram concedidos os privilégios de cidadãos livres. È bem verdade que havia alguns aspectos da liberdade antiga como o trabalho escravo e práticas como o ostracismo e a fiscalização da conduta do governante feita direitamente pelos homens livres, mas era notável o valor dado às liberdades individuais.  

Constant faz também uma crítica às ideias defendidas por JJ Rousseau, abade de Mably e Montesquieu, que defendem a volta das ideias de liberdade antiga e suas práticas, como o ostracismo, que o autor considera um verdadeiro atentado aos direitos individuais, uma vez que banir um cidadão de sua pátria é uma prática abusiva e que fere mortalmente os direitos individuais. Assim como a censura, que era um expediente utilizado nas nações antigas e que tinha sua eficiência apoiada na falta de uma educação mais rígida e na simplicidade dos costumes do povo. Como a sociedade moderna se tornou mais complexa, a censura deixou de ser algo eficiente e caiu em desuso. Assim também muitos teóricos defendiam que o Estado tomasse o controle da educação, educando as crianças ao seu modo, ideia rechaçada pelo autor  do discurso, defendendo que cada um deva se desenvolver da maneira como lhe for mais conveniente.

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Outro ponto a destacar é que o autor reitera a necessidade de se respeitar as liberdades individuais sem, no entanto, renunciar à liberdade política, visto que seria incoerente abrir mão desta última e justifica a sua ideia dizendo que o progresso das civilizações através dos séculos requer uma adaptação do Estado de forma a respeitar cada vez mais a face individual dos cidadãos, guiando os seus assuntos com a maior prudência possível, uma vez que o despotismo que tinha lugar nas sociedades antigas se tornou algo sem lugar na sociedade moderna.

O comércio reaparece nesta narrativa, como garantidor das liberdades individuais, já que introduz a ideia de propriedade e circulação de riquezas, antes contestada  pelos antigos mas, fundamental à sociedade burguesa da Europa do século XIX. O dinheiro é tido como a mais poderosa arma do despotismo e também como o seu freio mais poderoso, pois o poder alcançado pela força não é capaz de fazer par ao poder alcançado pela riqueza, aproximando nações e indivíduos mais ou menos diferentes, desenvolvendo entre eles hábitos semelhantes.

Então Constant defende o governo representativo como forma de participar da vida política sem abrir mão da individualidade. Segundo o autor, essa representatividade deverá ser exercida por cidadãos escolhidos entre as massas para representar os interesses da coletividade e assim, permitir que o cidadão comum tenha mais tempo livre para cuidar dos próprios interesses, o que não significa, entretanto que o cidadão deva abrir mão integralmente de sua participação política e também de fiscalizar a atuação dos seus representantes. Tais cuidados conferem a liberdade política dos modernos, diferente da dos antigos.

Para finalizar, Constant adverte para o fato de que não se pode alcançar a felicidade abrindo mão do pleno exercício da liberdade individual, que também passa pela liberdade política, tão cara a todos os cidadãos, capaz de igualar os homens do campo aos homens de negócios, elevando-os á mais alta dignidade moral. Acrescenta ainda que o trabalho do legislador é contínuo e deve respeitar os direitos individuais, protegendo a independência do cidadão, não perturbando suas ocupações e consagrando a sua influência sobre a coisa pública, chamando-os ao exercício do poder, através do voto, das garantias do controle dos atos estatais e preparando-os, assim, para estas nobres funções dando-lhes o desejo e a faculdade de executá-las.

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