REQUISITOS E COMPETÊNCIAS DO NOVO PROFISSIONAL DO DIREITO: UMA ANÁLISE DAS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE DIREITO

13/11/2018 às 13:09
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Análise sobre as novas exigências para os Cursos de Graduação em Direito.

 

            O Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação Superior, publicou recentemente o Parecer n.°635/2018, que propõe uma resolução que altera substancialmente as chamadas Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Direito. As Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação são documentos de referência para que instituições de ensino superior possam elaborar os seus programas de graduação, servindo de referência para a elaboração do chamado Projeto Pedagógico de Curso (PPC), o qual baliza toda formatação do curso e as habilidades a serem desenvolvidas pelo graduando.

            Em dezembro de 2017, o Governo Federal editou o Decreto n.° 9.235, de 15 de dezembro de 2017, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. O Decreto estabelece as funções de regulação, avaliação e supervisão da educação superior, servindo de instrumento referencial para a atuação do poder público federal.

            Especificamente em relação ao curso de graduação em Direito, o Decreto n.° 9.235, de 2017, estabelece a necessidade de manifestação prévia da Ordem dos Advogados do Brasil na oportunidade da concessão do ato autorizativo/reconhecimento por ocasião da decisão do Ministério da Educação[1].  A formação dos profissionais da área jurídica conta com relevância pública e demanda regulamentação, fiscalização e controle do Poder Público. Por isso a norma educacional prevê a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nos processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento dos cursos de Direito.

            No que se refere à regulação dos cursos, há também a previsão de avaliação externa periódica. Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES). A operacionalização é de responsabilidade do Inep, cabendo a este Instituto decidir sobre agendamento de avaliações de cursos, levando-se em conta as necessidades e a conveniência de tal avaliação.

            Dentro da sistemática de avaliação e regulação, encontram-se as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação. Em relação especificamente ao Curso de Direito, as suas respectivas Diretrizes Curriculares eram regulamentadas pelo Conselho Nacional de Educação pela Resolução CNE/CES nº 9, de 29 de setembro de 2004, com alterações da Resolução CNE/CES n.° 3, de 14 de julho de 2017. As Resoluções enumeram as habilidades e competências, os eixos de formação presentes do Projeto Político-Pedagógico, além estabelece regras para o estágio supervisionado e para as atividades complementares. Essas resoluções que foram alteradas pelo Parecer CNE/CES n.° 635/2018 que são objeto dessa análise.

            As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Direito sofreram grandes alterações, sobretudo em razão da considerável mudança do cenário profissional decorrente da inserção de novas tecnologias, por meio de ferramentas tecnológicas que poderão reduzir a demanda por recursos humanos e que também poderão alterar a elaboração e entrega de produtos e serviços jurídicos, criando novos requisitos de competências e conhecimentos para o profissional da área.

            Dentro desse contexto, a concepção do Projeto Pedagógico de Curso (PPC), conforme previsto na proposta de Resolução, aumenta sistematicamente as peculiaridades do campo de estudo. Além das competências habituais outrora já previstas (perfil do graduando; competências, habilidades e os conteúdos curriculares básicos; prática jurídica; atividades complementares; sistema de avaliação; Trabalho de Curso; entre outros), o novo PPC estabelece novos elementos estruturais importantes.

            O novo PPC de Direito prevê a concepção do seu planejamento estratégico, em que deve ser especificada a missão, a visão e os valores pretendidos pelo curso, além da vocação que o caracteriza. Ora, o planejamento estratégico é um conceito técnico de administração, o qual é estabelecido em processo gerencial que diz respeito à formulação de objetivos para a seleção de programas de ação e para sua execução, levando em conta as condições internas e externas à instituição e sua evolução esperada. No caso, o planejamento estratégico previsto para os cursos de direito é restrito às especificações da missão, visão e dos valores pretendidos pelo curso.

            Da mesma forma, o novo PPC deve abranger a concepção e objetivos gerais do curso, contextualizados com relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social, além de estabelecer formas de realização de interdisciplinaridade, de mobilidade nacional e internacional, de incentivo à inovação e de outras estratégias de internacionalização, além de estabelecer modos de integração entre teoria e prática, especificando as metodologias ativas utilizadas. Essas competências não eram exigidas anteriormente.

            Além do conjunto de competências e habilidades a serem desenvolvidas no processo de aprendizagem que já eram previstas nas diretrizes anteriores aos graduandos, a nova DCN prevê algumas peculiaridades que são tendências: desenvolver a cultura do diálogo e o uso de meios consensuais de solução de conflitos; compreender a hermenêutica e os métodos interpretativos, com a necessária capacidade de pesquisa e de utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito; utilizar corretamente a terminologia e as categorias jurídicas, aceitar a diversidade e o pluralismo cultural; possuir o domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito; desenvolver a capacidade de trabalhar em grupos formados por profissionais do Direito ou de caráter interdisciplinar; desenvolver a capacidade de utilizar as novas tecnologias da área do conhecimento e apreender conceitos deontológico-profissionais, desenvolvendo perspectivas transversais sobre direitos humanos.

            São habilidades previstas aos graduandos relacionadas ao trabalho e desenvolvimento de novas tecnologias para o direito, além do desenvolvimento do chamado trabalho colaborativo, que pode ser realizado em grupo e em caráter interdisciplinar. A inserção dessas competências também visa a solução de problemas jurídicos que deverão ser enfrentados fora do judiciário, a exemplo da resolução consensual de conflitos (mediação e arbitragem), o que é uma tendência no mundo.

            As novas habilidades e competências previstas também têm impacto no chamado Trabalho de Curso, que também é um componente curricular obrigatório. Ao contrário do que era previsto na Resolução CNE/CES[2] n.° 9/2004, o Trabalho de Curso, de acordo com a nova resolução prevista pelo Parecer CNE/CES n.° 635/2018, não estabelece a obrigatoriedade de que seja desenvolvido individualmente. Isso implica dizer que o Trabalho de Curso, por exemplo, pode ser realizado por meio de um estudo colaborativo entre graduando com o objetivo de desenvolver alguma tecnologia no âmbito do direito. 

            Ao invés de um Trabalho de Conclusão de Curso, geralmente feito sob a forma de monografia, a instituição poderá incentivar outros tipos de trabalhos em que sejam desenvolvidas a liderança e a colaboração, o que está em sintonia com o atual contexto de ensino e aprendizagem mediante as chamadas metodologias ativas. A organização curricular passa a encampar estratégias de ensino preocupadas no desenvolvimento de competências, com a integração e exploração dos conteúdos a partir de situações-problema reais ou simulados da prática profissional.

            O curso de graduação em Direito deverá ter, em seu projeto pedagógico e em sua organização curricular, conteúdos e atividades que atendam às seguintes perspectivas formativas[3]:

I – Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em diálogo com as demais expressões do conhecimento filosófico, humanístico, das ciências sociais e das novas tecnologias da informação, abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes de outras áreas formativas, tais como: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia;

II – Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a sua evolução e aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais,  incluindo-se,   necessariamente,   dentre  outros   condizentes   com   o   PPC, conteúdos essenciais referentes às áreas de Teoria Geral do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual, Direito Previdenciário, Mediação, Conciliação e Arbitragem; e

III – Formação prático-profissional, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nas demais perspectivas formativas, especialmente nas atividades relacionadas com a prática jurídica e o TC.

            As novas DCNs também sugerem a diversificação curricular, em que a IES poderá introduzir no PPC conteúdos e componentes curriculares visando desenvolver conhecimentos de importância regional, nacional e internacional, sugerindo alguns ramos do direito, tais como: Direito Ambiental, Direito Eleitoral, Direito Esportivo, Direitos Humanos, Direito da Criança e do Adolescente, Direito Agrário, Direito Cibernético, Direito Portuário, Mediação, Conciliação e Arbitragem.

            Importa constatar que as novas DCNs do Curso de Direito inseriram as disciplinas Teoria Geral do Direito, Direito Previdenciário e Mediação, Conciliação e Arbitragem como de formação técnico-jurídica, ou seja, como disciplinas obrigatórias, enquanto que outras disciplinas (Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Direitos Humanos, Direito Eleitoral, entre outros) ficariam de forma das disciplinas obrigatórias, sendo estudados como de conteúdo transversal. Não se trata de uma crítica, mas de algo que deva ser refletido.

            O Projeto de Resolução previsto no Parecer CNE/CES n.° 635/2018 estabelece uma importante alteração no âmbito prático, acabando com o termo “Estágio Supervisionado” e adotando a chamada “Prática Jurídica” como componente curricular obrigatório. De acordo com as novas DCNs, a prática jurídica é mais ampla, pois engloba as atividades simuladas, as atividades reais e o próprio estágio supervisionado.

            O Núcleo de Práticas Jurídicas continua obrigatório para todas as IES e será responsável por coordenar todas as atividades práticas. As IES deverão oferecer atividades de prática jurídica na própria instituição, por meio de atividades de formação profissional e serviços de assistência jurídica sob sua responsabilidade, por ela organizados, desenvolvidos e implantados. As práticas jurídicas, além de serem realizadas na própria Instituição de Educação Superior, poderão ser realizadas em departamentos jurídicos de empresas públicas e privadas, nos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e das Procuradorias e demais departamentos jurídicos oficiais, e em escritórios e serviços de advocacia e consultorias jurídicas. Na verdade, essa previsão foi inserida nas DCNs dos Cursos de Direito a partir da Resolução CNE/CES n.° 3, de 14 de julho de 2017, consolidadas também na proposta de nova resolução.

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            De acordo com a nova proposta de resolução, os cursos deverão estimular a realização de atividades curriculares de extensão ou de aproximação profissional que articulem o aprimoramento e a inovação de vivências relativas ao campo de formação, podendo, também, dar oportunidade de ações junto à comunidade ou de caráter social, tais como clínicas e projetos. Essa previsão é uma inovação nas diretrizes curriculares dos cursos de Direito, pois se trata de ações diversificadas de extensão que antes estavam previstas nas atividades complementares do curso.

            Por falar em atividades complementares, a nova proposta de resolução também prevê as atividades complementares como componentes curriculares (não obrigatórios), que objetivam enriquecer e complementar os elementos de formação do perfil  do graduando. As atividades complementares não se confundem com as práticas jurídicas e nem com o Trabalho de Curso, o qual já foi explicitado acima.

            De acordo com o projeto de Resolução previsto no Parecer CNE/CES n.° 635/2018, os cursos de graduação em Direito terão carga horária referencial de 3.700 horas, sendo que 20% (vinte por cento) dessa carga horária serão destinadas às atividades complementares e de prática jurídica, sendo a distribuição definida em cada PPC.

            O Parecer CNE/CES n.° 635/2018, aprovado no dia 4 de outubro de 2018, bem como a sua consequente proposta de resolução, ainda necessita da competente homologação do Ministro de Estado da Educação. A partir da sua homologação, as instituições terão o prazo máximo de 2 (dois) anos para implementar as novas diretrizes curriculares apenas para os alunos ingressantes.

            Pode-se concluir, por fim, que as Diretrizes Curriculares do Curso de Direito sofreram grandes alterações, sobretudo em razão da considerável mudança do cenário profissional decorrente da inserção de novas tecnologias por meio de ferramentas tecnológicas que poderão reduzir a demanda por recursos humanos e que também poderão alterar a elaboração e entrega de produtos e serviços jurídicos, criando novos requisitos de competências e conhecimentos para o profissional da área.

            Essas alterações têm impacto considerável nos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Direito, principalmente na formatação das novas competências práticas a serem desenvolvidas pelos graduandos para que se possa garantir um aprendizado capaz de enfrentar os problemas e os desafios impostos pelo constante processo de inovação pelo qual o mundo passa, a produção de conhecimento e o espaço de trabalho que provoca o profissional do Direito.

 


[1]. Art. 41. A oferta de cursos de graduação em Direito, Medicina, Odontologia, Psicologia e Enfermagem, inclusive em universidades e centros universitários, depende de autorização do Ministério da Educação, após prévia manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Nacional de Saúde.

      § 1º Nos processos de autorização de cursos de graduação em Direito serão observadas as disposições da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.

      § 2º Nos processos de autorização de cursos de graduação em Medicina, realizados por meio de chamamento público, serão observadas as disposições da Lei nº 12.871, de 2013.

      § 3º A manifestação dos Conselhos de que trata o caput terá caráter opinativo e se dará no prazo de trinta dias, contado da data de solicitação do Ministério da Educação.

      § 4º O prazo previsto no § 3º poderá ser prorrogado, uma única vez, por igual período, a requerimento do Conselho interessado.

      § 5º O aumento de vagas em cursos de graduação em Direito e Medicina, inclusive em universidades e centros universitários, depende de ato autorizativo do Ministério da Educação.

      § 6º O Ministério da Educação poderá instituir processo simplificado para autorização de cursos e aumento de vagas para as IFES, nos cursos referidos no caput.

[2]. Art. 10. O Trabalho de Curso é componente curricular obrigatório, desenvolvido individualmente, com conteúdo a ser fixado pelas Instituições de Educação Superior em função de seus Projetos Pedagógicos.

[3]. Art. 5º do Projeto de Resolução previsto no Parecer CNE/CES n.° 635/2018.

 

Sobre o autor
Daniel Cavalcante Silva

Advogado e sócio do escritório Covac Sociedade de Advogados (São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília). Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). MBA em Direito e Política Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Experiência na área de Direito Tributário e Educacional, com ênfase na área de advocacia empresarial. Membro da Associação Internacional de Jovens Advogados. Vários artigos publicados no país e no exterior. Autor do Livro “O Direito do Advogado em 3D” e "Compliance como boa prática de gestão no ensino superior privado". Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas intitulado: Finanças Públicas no Estado Contemporâneo (GRUFIC). Membro da Comissão do Terceiro Setor da OAB/DF. Professor de Direito Tributário. Laureado com o Prêmio Evandro Lins e Silva, concedido pela Escola Nacional de Advocacia do Conselho Federal da OAB. Indicado como um dos “dez advogados mais admirados no setor de educação, Revista Análise Advocacia 500, 2012 e 2015”. Diversos títulos e prêmios obtidos no país e no exterior.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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