FUNERÁRIA PARANAENSE OBTÉM LIMINAR NA JUSTIÇA SUSPENDENDO A OBRIGATORIEDADE DE REGISTRO PERANTE O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ (CRM-PR)

20/11/2018 às 15:00
Leia nesta página:

O juiz da 3ª Vara Federal de Londrina/PR deferiu pedido liminar requerido por uma funerária de Ibiporã/PR, através de Mandado de Segurança, suspendendo os efeitos da Resolução 103/2002 do CRM-PR, a qual determina que todas as funerárias paranaenses (que já possuem médicos no quadro de prestadores de serviços), ainda sejam compelidas a também se inscrevem no referido órgão de classe, sob pena de suspensão parcial das atividades. 

Entenda o caso:

O.C.M – LTDA. – ME., na qualidade de funerária, vem sendo compelida por ato ilegal e coator do Presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná, através da Resolução 103/2002 do CRM-PR, a renovar o registro em tal conselho profissional, através do pagamento da respectiva anuidade e demais encargos, pois, do contrário, poderá ter as atividades laboratoriais suspensas.

Ocorre que, referida funerária já possui um médico patologista como prestador de serviços, responsável por todos os procedimentos cadavéricos, ou seja, a funerária já possui prestador de serviços vinculado perante a entidade da classe médica, não havendo necessidade daquela também ser registrada. Logo, na seara pragmática, o CRM-PR recebe 2 (duas) anuidades para que os contribuintes possam exercer o mesmo ofício.

Entretanto, o órgão fiscalizador, no âmbito administrativo, não aceitou a objeção apresentada pela empresa, mantendo o ato ilegal/coator, conferindo prazo exíguo para efetuar tal renovação.

Irresignada com a situação e evitando incorrer nas penas já mencionadas, a funerária impetrou Mandado de Segurança perante a Justiça Federal (competente em razão da função ou categoria funcional da autoridade coatora, que pertence a conselho profissional que possui natureza jurídica de autarquia federal, com exceção da OAB), apontando em suma, as seguintes razões: 1) Que explora seu objeto social com fins empresariais (circulação de bens ou serviços com o escopo de obter lucro), e não medicinais, sendo esta última atividade privativa dos médicos, em regra de natureza civil, eis serem profissionais liberais; 2) Que a atividade de medicina, por força do art. IX do Código de Ética Médica não pode ser exercida na forma comercial; 3) Que o ato ilegal e coator encontra-se em dissonância com o ordenamento jurídico, não possuindo, ainda, qualquer fundamento plausível; 4) Que outros órgãos da classe médica posicionaram contrários à referida resolução. 5) Por fim, pleiteou via liminar a suspensão da eficácia da resolução 103/2002.

Em sede de cognição sumária, o magistrado federal vislumbrou o preenchimento dos requisitos do instituto processual (liminar), deferindo-o, declarando a inexistência de relação jurídica entre os litigantes, bem como prolatando ordem mandamental, no sentido de que o Impetrado não efetue cobranças de renovação da anuidade ou coaja a Impetrante de outra maneira, até julgamento final do writ, além das demais movimentações relativas ao Mandado de Segurança.

Mandado de Segurança nº 5015724-26.2018.4.04.7001 – 3ª VF de Londrina/PR (EPROC-JFPR)



MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5015724-26.2018.4.04.7001/PR

IMPETRANTE: OSMAR CAMASSANO MARTINS & CIA LTDA

IMPETRADO: PRESIDENTE - CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO PARANÁ - CRM/PR - CURITIBA

DESPACHO/DECISÃO

1. RELATÓRIO.

Trata-se de mandado de segurança impetrado por OSMAR CAMASSANO MARTINS & CIA LTDA em face do PRESIDENTE - CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO PARANÁ - CRM/PR - CURITIBA, objetivando que a Autoridade Impetrada seja compelida a abster-se de exigir a inscrição da empresa impetrante no CRM/PR.

Afirma ser empresa funerária e, por conseguinte, não desempenha nenhuma das atividades correlacionadas à medicina.

Diz que, apesar disso, a Autoridade Impetrada, com base na Resolução 103/2002 do CRM/PR, está exigindo a inscrição da Impetrante junto àquele Conselho.

Alega que a exigência é abusiva.

Requer a concessão de medida liminar.

Juntou documentos.

É o breve relato. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

Quanto à necessidade de inscrição de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões, dispõe o art. 1º da Lei nº 6.839/1980:

Art. 1º O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros.

A vinculação da pessoa jurídica a determinado conselho de fiscalização profissional, como se vê, norteia-se pelo critério da atividade básica (atividade-fim) e da prestação, a terceiros, de serviços consistentes nas atribuições de profissão regulamentada. 

A Lei nº 12.842/2013, em seus artigos 4º e 5º, estabeleceu quais são as atividades privativas de médicos: 

 Art. 4o São atividades privativas do médico:

I - (VETADO);

II - indicação e execução da intervenção cirúrgica e prescrição dos cuidados médicos pré e pós-operatórios;

III - indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;

IV - intubação traqueal;

V - coordenação da estratégia ventilatória inicial para a ventilação mecânica invasiva, bem como das mudanças necessárias diante das intercorrências clínicas, e do programa de interrupção da ventilação mecânica invasiva, incluindo a desintubação traqueal;

VI - execução de sedação profunda, bloqueios anestésicos e anestesia geral;

VII - emissão de laudo dos exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos invasivos e dos exames anatomopatológicos;

VIII - (VETADO);

IX - (VETADO);

X - determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;

XI - indicação de internação e alta médica nos serviços de atenção à saúde;

XII - realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;

XIII - atestação médica de condições de saúde, doenças e possíveis sequelas;

XIV - atestação do óbito, exceto em casos de morte natural em localidade em que não haja médico.

§ 1o Diagnóstico nosológico é a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios:

I - agente etiológico reconhecido;

II - grupo identificável de sinais ou sintomas;

III - alterações anatômicas ou psicopatológicas.

§ 2o (VETADO).

§ 3o As doenças, para os efeitos desta Lei, encontram-se referenciadas na versão atualizada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 

 § 4o Procedimentos invasivos, para os efeitos desta Lei, são os caracterizados por quaisquer das seguintes situações:

I - (VETADO);

II - (VETADO);

III - invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.

§ 5o Excetuam-se do rol de atividades privativas do médico:

I - (VETADO);

II - (VETADO);

III - aspiração nasofaringeana ou orotraqueal;

IV - (VETADO);

V - realização de curativo com desbridamento até o limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento cirúrgico;

VI - atendimento à pessoa sob risco de morte iminente;

VII - realização de exames citopatológicos e seus respectivos laudos;

VIII - coleta de material biológico para realização de análises clínico-laboratoriais;

IX - procedimentos realizados através de orifícios naturais em estruturas anatômicas visando à recuperação físico-funcional e não comprometendo a estrutura celular e tecidual.

§ 6o O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.

§ 7o O disposto neste artigo será aplicado de forma que sejam resguardadas as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia.

Art. 5o São privativos de médico:

I - (VETADO);

II - perícia e auditoria médicas; coordenação e supervisão vinculadas, de forma imediata e direta, às atividades privativas de médico;

III - ensino de disciplinas especificamente médicas;

 IV - coordenação dos cursos de graduação em Medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de pós-graduação específicos para médicos.

Parágrafo único. A direção administrativa de serviços de saúde não constitui função privativa de médico. 

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Na hipótese em análise, o ramo de atividade econômica principal da empresa autora, conforme o documento 'CONTRSOCIAL7' (evento 1), é assim definido:

"EMBALSAMENTO DE CADÁVERES, SOMATOCONSERVAÇÃO, TANATOPRAXIA, PLANOS DE AUXÍLIO-FUNERAL, SERVIÇOS DE CREMAÇÃO DE CADÁVERES HUMANOS E DE ANIMAIS, E SERVIÇOS FUNERÁRIOS"

Logo, como nenhuma das atividades básicas da Impetrante enquadra-se no rol - exaustivo - dos arts. 4º e 5º da Lei nº 12.842/2013, a exigência de sua inscrição no CRM/PR, em princípio, não é cabível, mostrando-se ilegal o ato normativo que criou tal exigência (Resolução 103/2002 do CRM/PR).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também já entendeu pela desnecessidade de inscrição de funerárias no CRM, conforme demonstra a seguinte ementa:

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. REGISTRO. FUNERÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. A resolução nº 103/2002, por sua vez, estabelece que as pessoas jurídicas que possuam em sua atividade as funções de preparo ou conservação do corpo humano pós morte devem, obrigatoriamente, ser registradas no Conselho Regional de Medicina do Paraná, sob responsabilidade Técnica de um médico. 2. A lei n.º 6.839/1980, que cuida do registro de empresas nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões, preconiza que "o registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros". 3. A atividade básica da funerária é a exploração de serviços funerários (evento 1, CONTRSOCIAL4) e, consequentemente, não há que falar, portanto, em necessidade de inscrição da pessoa jurídica perante o CRM. (TRF4 5025077-64.2016.4.04.7000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 28/04/2017)

Dessarte, entendo estar demonstrada a verossimilhança das alegações da parte autora, ao paso que o requisito da prova inequívoca reside nos documentos juntados aos autos, que comprovam, para fins deste primeiro exame, que a atividade básica da empresa não figura dentre aquelas que exigem registro junto ao CRM/PR.

A urgência, por sua vez, justifica-se pelo fato de que a conduta da Impetrada poderá causar prejuízos ao livre exercício da atividade empresarial da Impetrante, que se sujeitará ao pagamento de anuidades quando, ao que evidencia dos documentos por ela juntados, não lhe seria exigido o registro naquele conselho profissional.

3. DECISÃO.

Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, o que faço para: a) declarar a inexistência de relação jurídica que obrigue a Impetrante a se inscrever ou manter-se inscrita no CRM/PR; e b) suspender, até ulterior deliberação deste Juízo, a exigibilidade das anuidades cobradas pelo Conselho Réu.

4. Notifique-se a Autoridade Impetrada sobre a presente decisão liminar e para que preste informações, no prazo de 10 (dez) dias. Saliento que essa notificação servirá inclusive para os fins previstos no artigo 7º, inciso II, da Lei nº 12.016/2009.

5. Em seguida, abra-se vista ao Ministério Público Federal, pelo prazo de 10 (dez) dias.

6. Por fim, registrem-se para sentença.

7. Intimem-se.

Documento eletrônico assinado por BRUNO HENRIQUE SILVA SANTOS, Juiz Federal Substituto, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010.

A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br /trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 700005667258v8 e do código CRC da9fab8c.

Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): BRUNO HENRIQUE SILVA SANTOS

Data e Hora: 2/10/2018, às 15:47:48 

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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