1 – INTRODUÇÃO.
A proatividade judiciária agiganta o papel dos Tribunais Superiores e coloca, em alguns casos, o Congresso Nacional como expectador no processo de formação legislativa, desequilibrando a separação entre os poderes estabelecidos no Texto Constitucional. Diante de tal problematização faz-se necessário pesquisar a origem desse fenômeno no ordenamento jurídico Pátrio, relacionando-o com os pilares constitucionais que legitimam o Parlamento para o processo de formação das leis e a função constitucional, interpretativa e decisória, reservada aos Tribunais Superiores, como guardiões da lei e da Constituição.
Neste aspecto, pretende-se averiguar se a regra elaborada pelo TSE, quanto à fidelidade partidária, por meio da Resolução nº 22.610/2007, restringe-se ao campo da interpretação constitucional ou invade o poder de legislar do Parlamento?
Objetiva-se, neste trabalho, analisar o posicionamento de escritores, mestres, doutrinadores e juristas quanto ao tema da competência legislativa e do fenômeno do crescente ativismo jurídico. Será verificado como ocorreu o entendimento de que o mandato pertence ao partido, qual culminou com a edição e publicação, pelo TSE, da Resolução n.º 22.610/2007, que estabeleceu regras quanto à fidelidade partidária. Será abordado como se deu a deliberação, na Câmara dos Deputados, do projeto que deu origem aos termos da Lei n.º 13.165/2015, que normatizou o mesmo tema.
Para tanto, serão levantados os conceitos e fases do processo legislativo, os critérios de representatividade, legitimidade e separação dos poderes.
Será abordado, como foco principal, o processo legislativo e os limites constitucionais de atuação do TSE, com o intuito de verificar se a Resolução da fidelidade partidária se enquadra no chamado ativismo judicial e se interferiu em função precípua reservada ao Poder Legislativo.
2 – SEPARAÇÃO DOS PODERES.
O sistema de freios e contrapesos expresso na Constituição Federal, em seu art.º 2, assegura a separação dos poderes e estabelece que um poder não poderá usurpar a competência do outro.
A Constituição também estabelece os casos em que é possível o exercício de algumas das funções de um poder em outro, desde que de forma atípica e dentro dos limites estabelecidos. O legislativo, de forma atípica, possui seu círculo de competências internas para gestão e administração de seus recursos. Ao executivo, de forma atípica e dentro dos limites constitucionais, é conferido o poder de editar normas por meio de Medidas Provisórias, regulada nos termos do art. 62 da Constituição Federal, para caso de relevância e urgência. O Judiciário, de forma atípica, exerce função legislativa ao elaborar seus regimentos internos.
Como função típica, ao judiciário compete à aplicação das leis, e, especificamente, ao STF a guarda da Constituição Federal e, por meio do controle de constitucionalidade, a defesa da Constituição Federal. Não compete aos Tribunais a função de legislar. Porém, em muitas decisões polêmicas, notamos que a atuação do STF, além de interpretar a constitucionalidade ou não do tema, acaba por regular situações em que a sociedade, na verdade, demanda por leis.
O respeito à separação dos podres é um ditame Constitucional, inerente ao sistema democrático brasileiro, sendo essencial para a manutenção da harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário. A ideia de separação de poderes nasce juntamente com a necessidade de moderar o poder soberano e promover o equilíbrio de forças dentro do Estado, conforme defendido por Montesquieu:
De acordo com a “separação dos podres”, o Poder Legislativo incumbe ao Parlamento, órgão de caráter representativo. Na verdade, Montesquieu pretendia que o estabelecimento das leis fosse confiado (com a sanção do monarca) a duas câmaras, uma destinada a representar o povo, outra, a representar a nobreza. Esta última, aliás, teria o papel moderador, servido de contrapeso à primeira. (FERREIRA FILHO, 2012, p.83)
Outro Ponto importante ressaltado por Montesquieu refere-se ao controle recíproco que deve haver entre os podres para a manutenção da harmonia interna. Neste sentido salientou que é preciso que o poder freie o poder, a fim de se conter o abuso. (COELHO, 2007, p. 34)
Portanto, conforme o enfoque obtido por meio da Teoria de Montesquieu, a fiscalização de um poder em relação ao outro se faz necessário para assegurar que um não usurpe a competência do outro, ou seja, para assegurar harmonia e independência é essencial a existência da dinâmica tripartite do “checks and balances”.
3 – SISTEMA ELEITORAL E SISTEMA PARTIDÁRIO
O estudo referente aos sistemas eleitoral e partidário nacional e necessário para a compreensão dos termos da decisão referente ao tema da fidelidade partidária, uma vez que a Resolução do TSE afeta diretamente os eleitos pele sistema proporcional e, recentemente o STF (Supremo Tribunal Federal - ADI n.º 5.081) se pronunciou pela inaplicabilidade de tal entendimento aos eleitos pelo sistema majoritário.
O sistema eleitoral majoritário simples, de turno único, é o utilizado para eleições para o cargo de Senador da República. Neste sistema, classifica-se como eleito o candidato com a maior votação no distrito, cuja base é de um Estado ou do Distrito Federal. O número de cadeiras, três, é mesmo para qualquer Estado da Federação. A renovação no Senado ocorre a cada quatro anos, de forma alternada em um terço e dois terços dos senadores.
Jairo Nicolau (2011) explica, segundo as “Leis de Duverger”, que o “sistema majoritário de um só turno tende ao dualismo dos partidos”, o que favoreceria um “formato bipartidário”.
Para elegermos os Deputados Federais é adotado o sistema proporcional de lista aberta, no qual é adotado uma fórmula para a distribuição das cadeiras entre partidos e coligações: primeiro é necessário calcular o quociente eleitoral, que é obtido dividindo-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras no distrito, o Estado. Segundo a Legislação Eleitoral, é considerado como válido, o voto dado diretamente a um determinado candidato ou a um partido. Os votos em branco não são considerados válidos desde a vigência da Lei nº 9.504/97 (TSE, 2016). Para ser considerado eleito, o partido ou coligação do candidato deverá atingir a cláusula de barreira, quociente eleitoral e, individualmente, o candidato deverá obter votos suficientes para se classificar para uma cadeira dentro do partido ou coligação. Segundo Jairo Nicolau (2012) “as coligações ampliam as chances de os pequenos partidos obterem representação”.
O problema da alta fragmentação partidária no Legislativo não está somente associado ao sistema eleitoral adotado, embora a representação proporcional esteja, por muitos teóricos, associada ao multipartidarismo, as regras que autorizam a migração partidária também agravam a situação. Nota-se que, mesmo com as cláusulas de fidelidade partidária, a mudança na configuração do legislativo Federal ainda é grande. É possível trocar de partido, dentre outros, em caso de criação de uma nova legenda; nos casos em que o parlamentar alegar divergência ideológica e perseguição política e, recentemente, por meio de Emenda Constitucional n.º 91, foi criada uma “janela” temporária para alteração da filiação.
Apesar de sua origem democrática, cujo fundamento visava ampliar a participação política, parlamentares e escritores defendem a reformulação do sistema proporcional. Jairo Nicolau, a esse respeito, escreveu: “A representação proporcional, na versão que conhecemos, está em vigor no país desde 1945. Foi fundamental para a democratização do país. [...] a representação proporcional deve ser aperfeiçoada” (NICOLAU, 2011).
O grande número de partidos afeta a governança e a governabilidade, uma vez que desfavorece a formação de consenso, gerando grandes entraves à execução do programa de governo proposto pelo Poder Executivo. Essa opinião é defendida por profissionais e estudiosos da Ciência Política, como a Doutora Ana Lúcia Henrique: “o multipartidarismo, dificulta a formação de maiorias, procrastina a tomada de decisões, e, consequentemente, gera prejuízo para a governabilidade” (GOMES, 2012).
O cenário nacional revela a existência de uma crise política generalizada, a qual pode ser relacionada, dentre outros casos – má gestão e corrupção –, como uma consequência do grande número de partidos no Congresso Nacional. É possível chegar a essa conclusão, uma vez que na 55º Legislatura na Câmara dos Deputados (CÂMARA, 2015-2018), existem seis grandes bancadas: PMDB, PT, PSDB, PP, PSC e PR, cujo número de membros variam entre 68 e 40; oito bancadas com número de membros entre 31 e 10; e dez partidos com número de membros entre 09 e 01, ou seja, revela a existência de alta fragmentação partidária. Conforme defendido por Jairo Nicolau (1995): “a perda do poder dos grandes partidos dificultam a formação de maiorias minimamente estáveis no Legislativo”. Não havendo maioria para aprovação das demandas do Governo no Congresso, compromete-se a Governança, capacidade operacional de administrar os planos e metas estabelecidos. Perdendo o consenso político no Congresso, poderá acarretar, ainda, na perda da Governabilidade, condição para exercer o poder com autoridade política, o que afeta, diretamente o setor econômico do país (BORSANI, 2003).
Portanto, mesmo sendo considerado como o mais democrático, por favorecer a diversidade ideológica, o sistema proporcional, nos moldes como vigora no Brasil, precisa ser reestruturado para viabilizar o aumento da governabilidade. Antes da vigência da Lei nº 9.504/97, quando os votos em branco faziam parte do computo dos votos válidos, para fins de se calcular a cláusula de barreira, o partido ou coligação deveria obter um número maior de votos para se atingir o quociente eleitoral, o que dificulta o acesso de pequenos partidos ou partidos sem expressão. Antes da mudança da regra que possibilitou ao parlamentar levar o “tempo eleitoral” para a nova legenda, a troca de partido era, de certa forma, desestimulada. Ou seja, aumentando-se a possibilidade de ascensão dos pequenos partidos ao legislativo ou a migração dos Congressistas para novas legendas, o que teoricamente favoreceria o processo democrático participativo, reduz-se a formação de grandes bancadas partidárias, prejudicando a governabilidade (BORSANI, 2003).
4 – O PROCESSO LEGISLATIVO DE FORMAÇÃO DAS LEIS.
O processo legislativo de formação das leis envolve, além da observância das regras e limites Constitucionais e regimentais, o quesito da representatividade da vontade popular. Por essa razão, compete ao Parlamento, a discussão e votação de matérias que irão gerir a vida em sociedade. Nesse sentido, a normatização de condutas por parte do judiciário, colide com o princípio da separação de poderes e, ainda, com o sistema de representação da vontade popular.
Da interpretação do Texto constitucional verifica-se a existência de requisitos mínimos, os quais deverão ser alcançados, para proporcionar legitimidade ao texto obtido por meio da produção legislativa. (SILVA, 2007).
No Constitucionalismo moderno, o mais importante desses pressupostos é a existência de órgãos específicos, a que se atribui a incumbência de elaborar as leis, decorrentes do princípio de distinção de funções ou separação de poderes, pelo qual se entregou a função legislativa às assembleias de representantes do povo. (SILVA, 2007, p. 45).
De outro lado, o Jurista Ayres Britto, ex-ministro do STF, defende que:
O Legislativo não pode ser obrigado a legislar, mas o Judiciário não pode não julgar. Quando um conflito não encontra mediação na legislação existente, o STF faz análise dos preceitos constitucionais para ver se encontra condições de auto-aplicabilidade, se dá resposta para a questão. Em muitos momentos não consegue fugir de um certo 'experimentalismo decisório'. Aí dizem que o STF é ativista, que está usurpando funções do Legislativo, mas discordo. É o caso da fidelidade partidária: não cabe ao STF fazer uma reforma política, mas, quando provocado, o tribunal tem buscado extrair da Constituição princípios para evitar pane processual. (BRITTO, 2013).
No entanto, a literatura demonstra que o processo de formação das leis deve expressar a vontade do povo, neste caso representado pelos parlamentares na Câmara dos Deputados, e a vontade do Estado, representado pelo Senado Federal, respeitando-se o princípio da separação dos poderes. (FERREIRA FILHO, 2012).
É necessário, portanto, ter sido legitimado democraticamente para o exercício da função legislativa e isso assegura qualidade na democracia, pois o Congresso Nacional se matem aberto ao debate, às manifestações dos cidadãos, os quais, por meio do sufrágio universal, exercem o poder de reconduzir ou não seus representantes, conforme destaca Ferejonh (2003):
O Legislativo produz leis que obrigam a todos e, portanto, cada um de nós participa da decisão de quem deve ocupar assento no Legislativo. Temos o direito de monitorar debates legislativos, de informar e influir nas decisões e de exigir que legisladores se responsabilizem perante nós pelos seus atos nas próximas eleições. Essas expectativas políticas legitimam o nosso direito a organizar partidos e facções para eleger, monitorar, criticar, opor e influenciar os legisladores. Nesse sentido, é de esperar que a política no processo legislativo seja contenciosa, parcial e ideológica. (FEREJOHN, 2003, p. 1)
O Mandato Eletivo é o direito ou poder concedido ao Parlamentar, pelo voto do cidadão, por meio do sufrágio universal, para representá-lo, votar e agir em seu nome. Seguindo esta lógica, é o Poder Legislativo o legitimado a gerir o processo de formação das normas.
O Legislativo produz leis que obrigam a todos e, portanto, cada um de nós participa da decisão de quem deve ocupar assento no Legislativo. Temos o direito de monitorar debates legislativos, de informar e influir nas decisões e de exigir que legisladores se responsabilizem perante nós pelos seus atos nas próximas eleições. Essas expectativas políticas legitimam o nosso direito a organizar partidos e facções para eleger, monitorar, criticar, opor e influenciar os legisladores. Nesse sentido, é de esperar que a política no processo legislativo seja contenciosa, parcial e ideológica. (FEREJOHN, 2003, p. 1)
5 - JUSTIÇA ELEITORAL: PODER REGULAMENTAR DO TSE.
Conforme disposto no art. 92 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral é um órgão de jurisdição especializada, integrante do Poder Judiciário, a qual compete à organização do processo eleitoral. Nos artigos 22 e 23 do Código Eleitoral, estão dispostas as competências judiciais do Tribunal Superior Eleitoral. O Código Eleitoral, em seu art. 1º e art. 23, IX, atribui ao TSE poder para regulamentar matéria de competência do órgão colegiado que as instituiu, o que possibilita a criação de situações gerais e abstratas, por meio de resoluções, com a finalidade de assegurar a execução das leis eleitorais. Segundo José Jairo Gomes (2012), a resolução é um “ato normativo emanado de órgão colegiado para regulamentar matéria de sua competência” (GOMES, 2012, p. 68)
Art. 1º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado.
Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução. (BRASIL, 1965)
O TSE também exerce, conforme art. 23, XII, e art. 30, VIII, ambos do Código Eleitoral, função consultiva, por meio da qual ocorre o pronunciamento a respeito de questões abstratas e impessoais.
A função interpretativa, consultiva ou de regulamentar disposições legislativas já existentes não se confunde com a possibilidade de restringir ou estabelecer novos direitos e obrigações, papel reservado á lei. Poder concedido aos Parlamentares por meio da vontade popular. Nesse aspecto, defende Fábio Alexandre Coelho (2007):
Com efeito, quando a atividade legislativa e exercida por um só indivíduo, seja um monarca ou ditador que por meio de uma revolução alcançou o poder, temos uma autocracia; quando há uma assembleia que permite a participação de todo o povo ou um parlamento com representantes eleitos temos a democracia. (COELHO, 2007, p. 151)
6 - SURGIMENTO DO ATIVISMO JUDICIAL.
Segundo John Ferejohn (2003), a partir do término da Segunda Guerra Mundial inicia-se o fenômeno, de âmbito mundial, denominado judicialização, no qual observa-se o exercício da atividade legislativa nos Tribunais.
Nosso ordenamento jurídico, derivado do sistema “civil law”, de origem romano-germânico, proporciona grande relevância ao papel das leis, norteadores do direito, não cabendo ao Judiciário, portanto, a função legiferante. Já nos países que adotam o sistema do direito consuetudinário, “commom law”, de origem anglo-saxônica, a jurisprudência formada por meio de precedentes, “case law”, ganha maior relevância do que um conjunto de leis, caso haja. Nesse sistema, a jurisprudência tem mais força normativa.
Ocorre que, embora o papel atribuído ao Judiciário sempre tenha sido mais restrito nos países com sistema jurídico originário no direito romano-germânico da civil law que no sistema da common law, segundo Cappelletti, há uma tendência cada vez maior de convergência desses dois sistemas, em razão: a) do crescimento do caráter legislado do direito anglo-saxão; b) da reformulação da teoria da separação dos Poderes concebida por Montesquieu no sistema da civil law; c) da aproximação com o modelo de checks and balances dos federalistas americanos, que concebem os juízes como guardiões dos direitos fundamentais e não simples operadores das leis e da certeza. (MAGALHÃES, 2010, p. 26)
O STF tem interferido, constantemente, no poder Legislativo. Muitas vezes, em verdade, por provocação dos próprios legisladores. Entretanto, o fato é que o ativismo jurídico deve se restringir a casos excepcionais, conforme defendido por Vianna (2007):
[...] a alteração da vontade do legislativo e mesmo do executivo, poderes que detêm a soberania popular, por uma decisão judicial e sempre um ato excepcional em qualquer tribunal do mundo, [...] (VIANNA, 2007, p. 79, grifo nosso)
O ativismo jurídico que só poderia ocorrer excepcionalmente, tem se tornado comum e cada vez mais ampliado. Casos latentes dessa proatividade podem ser verificados, por exemplo, com a decisão que reconheceu o direito à união civil homoafetiva e suas consequências previdenciárias, as quais foram objeto de regulação pelo Supremo (STF, 2011); como o caso da liberação de pesquisas com célula-tronco, oportunidade em que o Supremo entendeu, na ADI 3510, que tais pesquisas “não violavam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana.” (STF, 2008). Recentemente ocorreu no Supremo outra decisão que, segundo muitos juristas, invade o poder de regulamentação legislativa, trata-se do julgamento do HC n.º 126.292, no qual o STF, mudando a jurisprudência até então aplicada, se pronunciou pela possibilidade da prisão a partir da decisão de segunda instância. (STF, 2016).
O ativismo judicial, que expressa um modo criativo e expansivo de interpretar o direito potencializando o sentido e o alcance de suas normas, para ir além da simples interpretação, invadindo a esfera de competência de outros poderes, inclusive com o estabelecimento de novas condutas não previstas na legislação em vigor, além de contornar o processo político majoritário. (NUNES JÚNIOR, 2011)
7 – JUSTIFICATIVAS PARA O ATIVISMO JUDICIAL ELEITORAL.
As justificativas ou explicações para o crescente ativismo judicial são múltiplas, vão desde a habitualidade de o Congresso levar à exaustão o debate político em torno de uma matéria, à falta de consenso entre os pares, ao constante trancamento da Pauta do Plenário por Medidas Provisórias do Executivo.
A teoria de David Mayhew (1974), acerca das conexões parlamentares, aborda de forma peculiar o funcionamento parlamentar. Uma das premissas analisadas por Mayhew (1974), é que o Parlamentar busca a reeleição como objetivo maior e, nesse sentido, amparado pela estrutura da Câmara, se dedicará no Congresso a três atividades: publicidade, busca de crédito e tomada de posição. A publicidade envolve a criação de uma imagem favorável entre os eleitores, por meio de matérias de pouco conteúdo substancial, sem entrar em temas polêmicos. A busca por crédito visa gerar a crença de que o Parlamentar é o responsável por movimentar o Governo a fazer algo desejado pelo eleitor. Tomada de posição está ligada ao anúncio público de julgamento sobre algo de interesse do eleitor em Plenário e em pronunciamentos, por exemplo.
Em consequência às três supracitadas motivações, segundo Mayhew (1974), teremos no Parlamento: Morosidade, gerada pelo excessivo cuidado com a reeleição; Particularismo, movido por uma visão voltada para questões locais; Deferência a grupos organizados e mobilizados; e Simbolismo na atuação, ou seja, protocolos e representações voltadas para o público, o eleitor.
Ferreira Filho (2012), em sua obra “Do processo legislativo” faz críticas pontuais ao cenário vigente no legislativo. Segundo o autor, a “crise da lei vem ligada à falência dos Parlamentares como legisladores”:
É notório que os Parlamentares não dão conta das necessidades legislativas dos Estados contemporâneos; não conseguem, a tempo e a hora, gerar leis que os governos reclamam, que os grupos de pressão solicitam. As normas que tradicionalmente pautam o seu trabalho dão – é certo – ensejo a delongas, oportunidades a manobras e retardamentos. Com isso, os projetos se acumulam e atrasam. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 36)
Essa “crise da lei” (FERREIRA FILHO, 2012), no Parlamento brasileiro, também está relacionada ao sistema eleitoral e partidário vigente, uma vez que a combinação do multipartidarismo com o sistema eleitoral proporcional tem por consequência a formação de um Congresso fragmentado, e o elevado número de partidos dificulta a formação de consenso, gerando grandes entraves à aprovação de proposições relevantes para o país. Conforme defendido por Jairo Nicolau: “a perda do poder dos grandes partidos dificultam a formação de maiorias minimamente estáveis no Legislativo” (NICOLAU, 2012, p. 60). A falta de consenso e mobilização entre os Pares leva ao enfraquecimento do legislativo, dando margem a usurpação de sua competência pelo poder judiciário, o qual, a cada dia mais, se fortalece, organiza e mobiliza.
Ferreira Filho (2012) descreve o cenário da seguinte forma:
Ora, a incapacidade dos Parlamentares conduz à sua abdicação. Cá e lá, a delegação do Poder Legislativo, ostensiva ou disfarçada, torna-se a regra comum, apesar das proibições constitucionais desvela-se em encontrar caminhos para que o Executivo possa legislar enquanto os magistrados olham para outro lado a fim de não verem as violações à Constituição. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 37)
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. (O espírito das Leis. In: FERREIRA FILHO, 2012, p. 37)
8 - ANÁLISE DE CASO: A NORMATIZAÇÃO DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA PELO TSE, COM A RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007, INVADE COMPETÊNCIA DO LEGISLATIVO? O MESMO TEMA, POSTERIORMENTE, FOI REGULADO PELA LEI 13.165/2015.
Inicialmente, cabe destacar que não havia, até então, um regramento quanto às possibilidades de desfiliação e, depois de provocado por uma Consulta partidária formulada, à época, pelo PFL, atual DEM, o TSE respondeu nos seguintes termos: “Consulta. Eleições proporcionais. Candidato eleito. Cancelamento de filiação. Transferência de partido. Vaga. Agremiação. Resposta afirmativa” (BRASIL, TSE, 2013) e, como resultado, foi editada a Resolução n.º 22.526/2007.
O Tribunal Superior Eleitoral, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, nos termos seguintes:
Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.
§ 1º - Considera-se justa causa:
I) incorporação ou fusão do partido;
II) criação de novo partido;
III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
IV) grave discriminação pessoal.
(BRASIL, TSE, Resolução 22.610, 2007)
Apesar de a resolução ter como justificativa a moralidade e o respeito ao sistema proporcional de lista aberta, no qual o eleitor deposita o voto no partido e não especificamente no candidato, a Resolução, que entendeu que o mandato pertence ao partido, ultrapassa o campo da interpretação da Lei e inova ao estabelecer em quais condições a fidelidade poderia ser quebrada, ou seja, clara interferência no escopo legislativo. Interferência ratificada pelo STF que, recebendo manifestações contrárias à Resolução do TSE, se manifestou pela aplicabilidade da Resolução desde sua edição, ou seja, 27 de março de 2007.
O TSE atuou, mesmo que interferindo na competência do Legislativo, para moralizar a filiação partidária e, ao mesmo tempo, normatizar os casos de exceção em que a mudança de partido não acarretaria perda do mandado.
A Resolução data de 27 de março de 2007. Na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei n.º 5.735/2013, que entrou em Pauta como parte da minirreforma eleitoral, foi apresentado no ano de 2013 e transformado em norma jurídica apenas no final de 2015, (Lei n.º 13.165, de 29 de setembro de 2015). Esse lapso temporal revela que a resposta do legislativo, às questões demandadas pela sociedade, não tem sido pontual. O Legislativo, norteado pelo entendimento do TSE e STF de que o mandato pertence ao partido, nos casos de eleitos pelo sistema proporcional, o Legislativo reescreveu, nos incisos I e II, da minirreforma eleitoral, os mesmos termos da Resolução do TSE e, inovou, ao acrescentar nova hipótese para desfiliação no inciso III, do art. 22-A, conhecido como “janela partidária”, possibilitando ao Parlamentar efetuar a troca de partido dentro do interstício de trinta dias que antecede o prazo de filiação, desde que esteja no ano do término do mandato.
Como resultado da análise dos aspectos constitucionais inerentes aos pilares que legitimam o Parlamento para o processo de formação das leis e a função constitucional, interpretativa e decisória, reservada aos Tribunais Superiores, como guardiões da lei e da Constituição, conclui-se que a regra elaborada pelo TSE, quanto à fidelidade partidária, por meio da Resolução nº 22.610/2007, extrapola a seara da interpretação constitucional, adentra em competência do poder de legislar do Parlamento e se enquadra no chamado ativismo judicial, pois regulou condutas, impôs deveres e obrigações aos candidatos.
09 – PROCESSO LEGISLATIVO REFERENTE À LEI 13.165/2015, NA CÂMARA DOS DEPUTADOS:
Em 09 de setembro de 2015 foi aprovado, no Plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n.º 5.735/2013, que deu origem a Lei n.º 13.165/2013, intitulada de “minirreforma eleitoral”.
Tal proposição, de autoria coletiva, subscrita pelos Deputados Ilário Marques - PT/CE, Marcelo Castro - PMDB/PI, Anthony Garotinho - PR/RJ e Daniel Almeida - PCdoB/BA, foi apresentada em 06 de junho de 2013. A proposição, sujeita à apreciação do Plenário, recebeu despacho da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, distribuindo para tramitação, em regime de prioridade, nos termos do art. 54 do RICD, às Comissões de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática; Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania. Em 09 de julho de 2013, com base no art. 155 do Regimento da Câmara dos Deputados, foi aprovado regime de urgência para a apreciação do Projeto, nestes termos a matéria pode ser apreciada conjuntamente pelas Comissões. Reunindo condições regimentais, a matéria entrou em Pauta de discussão do Plenário em 08 de julho de 2015. Em Plenário a matéria foi debatida e emendada e, em 14 de julho de 2015, a Redação Final foi aprovada e assinada pelo Relator, Dep. Rodrigo Maia (DEM-RJ), tendo sido encaminhada à deliberação do Senado Federal.
O espelho de tramitação da matéria revela as fases que um projeto passa até sua consolidação em lei. Nessas etapas estão assegurados os debates, defesas, pedidos de urgência, adiamento de discussões, enfim, o caminho democrático de formação de uma norma que irá regular os representados e representantes no Congresso Nacional.
10 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Um legislativo forte, senhor de sua atividade típica legiferante, não deixa espaço ao crescimento do ativismo jurídico. Da interpretação da Constituição Federal e do art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, infere-se que a atuação do TSE deve restringir-se à regulamentação de matéria eleitoral. Entretanto, da análise do inteiro teor da Resolução nº 22.610/2007, é possível concluir que, além de regulamentar, inovou no cenário jurídico, criando nova regra quanto à fidelidade partidária. Esse é apenas um, dos muitos casos de ativismo jurídico. Embora o tema deste artigo se delimite a análise do ativismo do TSE, por meio da Resulção n.º 22.610/2007, é importante destacar outros casos relacionados ao ativismo jurídico exercido no âmbito do STF, como o reconhecimento da união civil homoafetiva; a regulamentação de pesquisas com célula-tronco; a instauração do termo “a quo” do transito em julgado, a partir da decisão de segunda instância, para cumprimento da pena, e a decisão no julgamento da ADI n.º 5.081, ocorrido em 27 de maio de 2015, na qual o STF estabeleceu que as regras referentes à fidelidade partidária não se aplicam aos cargos eleitos pelo sistema majoritário, decisão que, aparentemente, colide com o inciso III, do art. 22-A da Lei dos partidos (Lei no 9.096, de 19 de setembro de 1995), a qual dispõe que a “janela” para desfiliação é aplicável tanto aos cargos majoritários, quanto aos proporcionais.
Como reação ao ativismo jurídico, em 16 de março de 2016, o Deputado Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ) e outros, apresentaram o PL 4754/2016, que “tipifica crime de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal a usurpação de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.”
A proposição tem por objeto controlar o crescente ativismo jurídico, são os termos da justificativa:
Sabe-se, entretanto, que a doutrina jurídica recente tem realizado diversas tentativas para justificar o ativismo judiciário, algo praticamente inexistente em nosso país nos anos 50, época em que foi promulgada a lei que define os crimes de responsabilidade. Este ativismo, se aceito como doutrina pela comunidade jurídica, fará com que o Poder Judiciário possa usurpar a competência legislativa do Congresso. Não existem atualmente, por outro lado, normas jurídicas que estabeleçam como, diante desta eventualidade, esta casa poderia zelar pela preservação de suas competências. De onde decorre a importância da aprovação deste projeto. (CÂMARA, 2016)
Diante do atual cenário político e legislativo, notamos que é preciso repensar o papel do Legislativo e empreender mudanças visando moralizar e fortalecer o Congresso, para que não se apequene diante do Colosso Judiciário.
11 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
BORSANI, Hugo. Eleições e economia: Instituições políticas e resultados macroeconômicos na América Latina (1979-1998) / Belo Horizonte: Editora UFMG; 2003.
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