Como eu estudo?

22/11/2018 às 18:24
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Na verdade, importa mais saber como você estuda.

~~ Segunda-feira uma aluna bem jovem me perguntou como eu estudo. Parece que nunca tinha pensado nisso seriamente, mas agora posso dizer – o que não pude dizer à jovem – que hoje estudo de modo bem diferente do que estudava. Especialmente na idade dela.
 Na idade dela tinha poucas opções, bem menos do que hoje, mas também a distração tecnológica era menor. Em todo caso, respondi que procurava ler tudo que passavam nas aulas. Como fazia dois cursos, paralelamente, às vezes não era possível.
Também sugeri que aumentasse uma hora de leituras por dia – o que descarta a participação em eventos, grupos de estudos, monitorias, reuniões de organização ou iniciação científica. Sempre uma hora a mais de leitura, do que já se faz, e sempre só.
 Lembre-me agora, depois da conversa, que Marx lia relatórios de economia por uma dezena de horas (não sei como conseguia, porque são piores do que publicação de editais). Gramsci estudava no cárcere, com a biblioteca precária de que dispunha, e quando permitiam. Weber estudava tanto que, por vezes, se internava em casas de repouso. Já Umberto Eco decorava uma poesia antes do café da manhã, todos os dias, em língua que não fosse o italiano, para exercitar os fortes músculos da memória.
 Eu não faço nada disso.
 Hoje procuro apenas ler, sem tantas métricas ou rigores do que e como ler. Na idade de minha aluna, perto dos 20 anos, lia muito xerox porque não tinha todos os livros, nem como compra-los. Hoje leio todas as notícias que me interessam, no café da manhã, no notebook. Depois, normalmente, respondo e-mails e vejo as urgências do dia. Quando me livro delas, às vezes escrevo. Como estou fazendo agora.
 No mestrado a vida foi um pouco mais leve, porque consegui comprar ao menos a metade da bibliografia de que precisava. Daí em diante, ao invés de longas viagens e passeios ou da compra do carro zero, investia o quanto pudesse na formação da minha biblioteca cativa. Não empresto, não faço doação, não alugo e nem permuto.
 Assim, no doutorado, fui à biblioteca da Faculdade de Educação da USP apenas para conhecer, porque tinha tudo que precisava ao alcance de minha mão, no escritório. Naquele momento, como a exigência era outra, fazia as leituras e os fichamentos, debatia com os autores, colocava-os para dialogarem entre si, para produzir meus textos.
Hoje, leio mais do que anoto ou rabisco nos livros. De cem páginas, por exemplo, retiro um parágrafo que de fato me interessa – seja para concordar ou criticar. Até o doutorado, fazia citações e debatia; hoje produzo minha reflexão e indico apenas a bibliografia em que se encontram os temas. Tudo é uma questão de fase.
 Além do Google, ao longo do tempo, também adquiri duas dezenas de dicionários especializados – em muitas áreas diferentes – e, quando me deparo com o uso “estranho” de algum conceito, procuro verificar nos tais dicionários ou nos próprios autores citados, quando sei que os tenho na biblioteca, outros empregos conceituais.
Tem gente que cuida dos livros como pedras preciosas, intocáveis – eu rabisco, dobro as orelhas nas páginas para marcar, só evito abrir demais para não saltarem as páginas. Ou seja, reconheço que faço um uso personalista, capitalista dos livros e que isto também tem uma conotação política. Porém, é uma idiossincrasia que me permito manter.
 Um site que uso bastante, para as compras, é o Estante Virtual. Também tem o site Livros Difíceis – esse mais caro e para obras mais raras ou esgotadas. Mas se tenho a chance de procurar uma boa livraria, às vezes passeando por outras cidades (em Marília/SP não tem), sempre trago algo para casa. Se comprar mais livros, é óbvio, deixarei de comprar duas camisas ou um relógio novo. É uma questão de escolha, necessidade e de planejamento financeiro.
 Enfim, o que dá para dizer é que cada um(a) estuda como pode ou gosta. O importante é achar tempo, energia, concentração para as leituras. O restante, se será anotando em cadernos – como fazia Gramsci – ou no Word do celular, cada um(a) descobre a seu tempo, de acordo com as prioridades e a experiência que já acumulou.
 Em poucas palavras finais, diria que estudar é ler. E, como dizia Paulo Freire, esta é “a importância (política) do ato de ler”.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – PPGCTS/DEd

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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